Acórdão nº 01064/13.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Março de 2015
Magistrado Responsável | Esperan |
Data da Resolução | 06 de Março de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte 1. Relatório SMRBR interpõe recurso jurisdicional do acórdão do TAF do Porto, que julgou improcedente a ação administrativa especial intentada pela Recorrente contra o MUNICÍPIO DO P..., que visava a invalidação do ato municipal que determinou a cessação do direito de utilização e o despejo da Recorrente e do seu agregado familiar da casa, id. nos autos, sita no BA.
A Recorrente conclui as suas alegações como se segue: “I. O presente recurso vem interposto do acórdão que julgou improcedente a acção instaurada pela autora contra o Município do P... com vista a ser declarada nula ou anulada a decisão de cessação do direito de utilização e ordem de despejo da Sra. Vereadora do Pelouro da Habitação e Recursos Humanos da Câmara Municipal do P..., referente à ocupação pela recorrente e seu agregado familiar da Casa 11, entrada 151, do Bloco..., do BA, no P....
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A decisão que ordenou a cessação do direito de utilização da referida habitação, propriedade do Município do P... e afecta à função de habitação social e o consequente despejo da recorrente foi determinada com base no não pagamento atempado das rendas.
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Efectivamente, a liquidação de algumas rendas terá sido efectuado em momento posterior ao seu vencimento.
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Mas tal só ocorreu motivado exclusivamente pela situação de desemprego que a recorrente e companheiro atravessaram, pelo facto de este ter sido detido e ter deixado de receber o rendimento social de inserção.
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Tudo que foi devida e atempadamente comunicado junto dos Serviços da Câmara Municipal do P..., de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 3.º da Lei n.º 21/2009 de 20 de Maio.
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Actualmente e há vários meses, todas as rendas são escrupulosamente pagas pela recorrente nas datas devidas.
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As rendas que se encontravam em atraso também foram todas liquidadas, bem como os respectivos juros, moras, coimas e outras penalidades não havendo qualquer valor em dívida.
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A recorrente nunca mais voltou, nem voltará a incumprir.
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Para além da recorrente, habitam a referida casa, o seu companheiro, e os dois filhos de ambos.
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A Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio estabelece que havendo mora no pagamento superior a três meses, pode ser determinada a cessação da utilização da habitação.
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Conforme consta do edital de 28 de Agosto de 2012, o não pagamento atempado reporta-se a rendas vencidas e devidas, no período compreendido entre Abril de 2006 e Junho de 2012.
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Ocorreram factos, em que o recorrido fundamentou a sua decisão ainda antes da vigência da citada Lei n.º 21/2009, razão pela qual a mesma não lhes será aplicável.
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Terá sim que se aplicar o regime anterior, previsto no Decreto n.º 35.106 de 6/11/1945.
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Regime jurídico que o acto impugnado omite.
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A decisão de despejo enferma assim de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito na aplicação de preceito legal que ainda não tinha entrado em vigor à data dos factos, pelo menos na sua totalidade, devendo ser por isso anulável nos termos do artigo 135.º do CPA.
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Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, o despacho de 25.01.2013, que ordenou o despejo da recorrente, não é o único acto impugnado.
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Pois tal impugnação tem obviamente implícita, a impugnação do acto que determinou a cessação do direito de utilização do imóvel pela recorrente.
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“… Está aqui em causa a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, o direito à habitação, tendo em conta a precária situação económica, indiciariamente comprovada, da requerente e do seu agregado familiar”.
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Com a adopção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, o direito a uma habitação condigna passou a integrar o conjunto dos direitos humanos universalmente aplicáveis e reconhecidos, o que foi reconhecido em posteriores instrumentos de Direito Internacional.
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Assim, o n.º 1 do artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama: “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade”.
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“Em especial, o n.º 1 do artigo 11º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas dispõe: XXII. “Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas a um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes, bem como a um melhoramento constante das suas condições de existência. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas destinadas a assegurar a realização deste direito, reconhecendo para este efeito a importância essencial de uma cooperação internacional livremente consentida” XXIII. “A Constituição da República Portuguesa consagra, no artigo 65.º, o “direito a habitação” para todos como direito fundamental.
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Entendimento que aparece acolhido na nossa jurisprudência.
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Entre muitos outros, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.10.1999, no processo n.º 044503 e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.02.2010, no processo n.º 0515/09.
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O que significa, nessa hipótese, que o acto que determinou a cessação do direito de utilização do imóvel é nulo e, por isso, impugnável a todo o tempo – artigo 133º, n.º 2, alínea d), e 134º, n.º 2, ambos do Código de Procedimento Administrativo.
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Sendo nulo e de nenhum efeito também, por consequência, o acto de execução – n.º 1 do artigo 134º do Código de Procedimento Administrativo.
- cfr. Acórdão proferido por este Tribunal nos autos de providência cautelar (processo n.º 282/13.8BEPRT) que estiveram na origem dos presentes autos de acção.
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O direito à habitação, de assento constitucional envolve uma vertente negativa, traduzida no direito de não ser arbitrariamente privado da habitação, que é um direito de defesa, e nessa medida análogo aos direitos, liberdades e garantias.
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O arredamento social tem uma matriz de regime especial assente em interesses sociais devidos pela necessidade de assegurar o direito à habitação das famílias mais carenciadas, e constitui uma relação jurídica administrativa especial a que corresponde um dever do Estado constitucionalmente vinculado, não comparável àquelas em que o particular está colocado numa posição normal.
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Segundo o Acórdão do STA de 04/02/2010, proferido no processo n.º 0515/09, disponível em www.dgsi.pt, será de ponderar a não desocupação de um fogo quando se esteja perante uma situação de precariedade socioeconómica e de carência habitacional.
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A recorrente e o seu agregado familiar vivem numa situação de pobreza extrema, com elevada precariedade socioeconómica e de total carência habitacional, são pessoas muito carenciadas, de fracos recursos económicos e de poucas posses, não tendo qualquer possibilidade de arrendar outra casa, sendo por isso a rua o único destino para si e para os seus filhos.
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A recorrente encontra-se desempregada, sem subsídio de desemprego, auferindo o rendimento social de inserção no valor mensal de 290 euros; vive maritalmente com o companheiro desempregado e sem subsídio de desemprego; o casal tem a seu cargo e consigo vivem em comunhão de mesa e habitação dois filhos, com 19 e 18 anos de idade ambos estudantes e sem proventos, não possuindo o agregado familiar quaisquer outros rendimentos para além do referido subsídio pago à recorrente.
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Aliás a própria dificuldade de pagar as rendas indicia a carência económica que justifica a manutenção do benefício de habitação social, em vez de justificar pôr-lhe termo.
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É indubitável que a consequência do despejo ordenado será a de a recorrente, o seu companheiro e os seus dois filhos, fiquem a viver na rua, sem qualquer alternativa habitacional.
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O imóvel objecto da ordem de despejo é o que serve de habitação à recorrente e à sua família, que inclui dois filhos dependentes.
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Não têm qualquer possibilidade económica de proceder ao arrendamento de uma habitação ao valor de mercado.
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Quanto à ponderação dos interesses públicos e privados, não pode haver dúvidas que o interesse que deve prevalecer é o da recorrente, não apenas pelo seu aspecto humanitário, mas também pela consagração constitucional do direito à habitação; para além de que do caso concreto não resulta qualquer dano concreto para o interesse público, pois a recorrente tem cumprido escrupulosamente o pagamento das rendas da habitação em causa.
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In casu, a recorrente e o seu agregado familiar ficarão privados da sua habitação, a única que têm.
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Os interesses que a ora recorrente pretende ver acautelados – relativos às suas necessidades básicas de habitação – são superiores a um interesse genérico, de defesa da lei e da legalidade e de arrecadação de dinheiros públicos.
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O acto impugnado viola os princípios da proporcionalidade e da igualdade.
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“Como nos diz Cármen Chinchilla Marín em “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, 1991, pág. 163: “… o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos…” XLIII. Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente é que se impõe a execução imediata do acto, indeferindo-se, por este facto...
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