Acórdão nº 03172/16.0BEVIS-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução28 de Abril de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO R..., SERVIÇOS E MEIO AMBIENTE (PORTO), S.A.

, Requerente nos presentes autos cautelares, em que a Requerida é o MUNICÍPIO DO PORTO, notificada da decisão que rejeitou liminarmente o requerimento cautelar inicial, vem dela interpor recurso jurisdicional.

* A Recorrente, nas alegações de recurso, formula as seguintes conclusões que delimitam o seu objecto: a) Através do despacho liminar, de 10 de Janeiro de 2017, o tribunal “a quo” rejeitou liminarmente o requerimento cautelar inicial, considerando existir o fundamento previsto no artigo 116.º, n.º 2, alínea f) do CPTA, i.e., a “manifesta ausência dos pressupostos processuais da acção principal”, por pretensa instauração da acção para além do prazo definido legalmente; b) Quanto à primeira providência cautelar, através da qual a Recorrente requereu o decretamento provisório de inoperabilidade das declarações de oposição à renovação do Contrato de Concessão, o tribunal “a quo” considerou «que ocorre uma caducidade do direito de acção principal (…) contaminante do próprio processo cautelar, que (…) deve ser rejeitado liminarmente por ausência de um pressuposto processual do processo principal, que é como dizer a falta da sua instauração atempada»; c) Tal entendimento do tribunal “a quo” assenta numa qualificação, salvo o devido respeito, errónea e desprovida de qualquer fundamentação, no sentido de que as declarações de oposição à renovação do Contrato de Concessão se deveriam caracterizar como sendo “actos administrativos”; d) A partir daquela qualificação liminar, o tribunal “a quo” extrai logo as suas conclusões quanto aos meios processuais que entende que deveriam ter sido accionados pela Recorrente, quer no âmbito do processo cautelar, quer na acção principal; e) Depois, como consequência lógica de tal entendimento, conclui o tribunal “a quo” que seria aplicável o prazo legal de três meses previsto no artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, para propositura da «acção principal adequada ao caso vertente, que deve ser impugnatória dos actos administrativos atrás plasmados» e, então, atenta a data em que foi intentada a acção principal, o tribunal “a quo” considera-a «votada à mais que provável procedência da excepção de caducidade do direito de acção»; f) Salvo o devido respeito, o tribunal “a quo” não procede, sequer, a qualquer labor no sentido de apurar e fundamentar qual a natureza jurídica dos denominados “actos”, afirmando, sem mais, tratarem-se de “actos administrativos”, para depois julgar procedente uma circunstância que obsta, liminarmente, à procedência do requerimento cautelar; g) Ora, para qualificar juridicamente as referidas declarações de oposição à renovação do Contrato de Concessão, não basta a referência feita pelo tribunal “a quo” de que «as decisões comunicadas» através dos referidos ofícios «não escapam» à caracterização enquanto actos administrativos «pois claramente determinam uma resolução concreta e expressiva da vontade do Município do Porto quanto à não renovação do contrato»; h) Resulta, inclusive, aparente que o tribunal “a quo” terá ignorado, na sua maior parte, o teor do requerimento cautelar inicial – pois a sua decisão nada referiu quanto aos argumentos aí explanados – para mais quando a Recorrente sustentou, expressa e fundamentadamente, que a comunicação de oposição à renovação do Contrato de Concessão por parte do Concedente, assume a natureza de uma declaração negocial e não de um acto administrativo; i) E quando a Recorrente explanou, também, quais os pressupostos (de competência, de forma e de tempestividade) relativos à existência, validade e eficácia das declarações comunicadas através dos dois ofícios, para que estas se pudessem existir, antes de mais, como “manifestações de vontade” emanadas do Município do Porto e, depois, pudessem ser idóneas a impedir a renovação do Contrato de Concessão por mais cinco anos; j) Como tal, salvo o devido respeito, o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de direito, por errada qualificação jurídica, resultando numa aplicação incorrecta do direito, nomeadamente do artigo 37.º, n.º 1, alínea a), do artigo 103.º-A, do artigo 112.º, nº. 2, alínea a), do artigo 116.º, nº. 2, alínea f) e do artigo 132.º, todos do CPTA, do artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e do artigo 307.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), aplicável à relação contratual em causa “ex vi” do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto; k) Tendo em consideração os contributos da doutrina especializada1 e da Jurisprudência2, bem como o direito positivo aplicável ao Contrato de Concessão3, resulta evidente que a declaração de denúncia de um contrato administrativo, quando operada pela Administração com fundamento em cláusula contratual, reveste a natureza de uma mera declaração negocial unilateral, que corresponde ao exercício de um mero direito potestativo – e não de um acto administrativo; l) Em primeiro lugar, e tendo por referência o critério da fonte da faculdade ou poder, que é normalmente utilizado para a delimitação dos actos administrativos contratuais em face das meras declarações negociais, resulta pacífico que a possibilidade de oposição à renovação do Contrato de Concessão, na medida em que encontra a sua habilitação apenas no clausulado contratual (cfr. artigo 16.º, números 1 e 2 do Contrato de Concessão) e não na lei, só pode ser configurada como um direito potestativo exercitável apenas mediante declaração negocial (unilateral); m) Em rigor, só a lei (directamente ou “habilitantemente”) pode atribuir poderes públicos (de autoridade) para a prática de actos administrativos, não constituindo o contrato administrativo, por si só, uma fonte de poderes públicos-administrativos: tais poderes terão sempre e necessariamente que encontrar a sua habilitação em normas jurídico-administrativas; n) Na medida em que a possibilidade de exercício da denúncia do Contrato de Concessão se encontra prevista apenas no respectivo clausulado (cfr. artigo 16.º, números 1 e 2 do Contrato de Concessão), não constitui a mesma um poder administrativo susceptível de ser exercido mediante acto administrativo, reconduzindo-se, apenas, a um direito potestativo a exercer mediante declaração negocial; o) Em segundo lugar, cabe referir que a faculdade de denúncia do Contrato é atribuída a ambas as partes contratantes, isto é, quer ao Concedente quer à Concessionária, que a podem exercer nos mesmos termos e em igualdade de circunstâncias – tal facto, por si só, afasta liminarmente a qualificação da denúncia do Contrato como correspondente a um qualquer poder público de supremacia exercitável mediante acto administrativo; p) Veja-se, expressamente neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 08.11.2005, proferido no processo n.º 0966/04 (disponível em www.dgsi.pt), no qual se conclui que uma tal denúncia não pode ser qualificada como acto administrativo e que, portanto, a reacção judicial contra a mesma não pode consistir no recurso contencioso (actual acção de impugnação de acto administrativo), mas sim na adopção de acção sobre a interpretação de contratos; q) Resulta por demais evidente a absoluta aderência daquela conclusão do STA ao caso dos presentes autos, em que a ora Recorrente, em face das “declarações negociais” que lhe foram comunicadas através dos referidos ofícios, lançou mão, justamente, de uma acção administrativa relativa à interpretação e execução do Contrato de Concessão, nos termos do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea l) do CPTA, sendo este o meio processual próprio e relativamente ao qual não se levantam quaisquer dúvidas de tempestividade; r) Em terceiro lugar, resulta do direito positivo que, no âmbito dos contratos administrativos, a regra é a de que todas as declarações do contraente público no domínio da interpretação, validade e execução têm carácter negocial e não de acto administrativo; s) A excepção àquela regra são os actos praticados no exercício dos poderes de autoridade, nos termos e condições previstos na lei, que consubstanciam, esses sim, “actos administrativos” 4; t) A partir da análise do artigo 307.º do CCP (ou, até, do artigo 180.º do CPA de 1991, do disposto no já revogado artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, bem como, no artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto) facilmente se constata que a declaração de oposição à renovação do prazo de vigência de um contrato administrativo não constitui a manifestação de um poder de autoridade, nem se pode subsumir à prática de um acto administrativo; u) Trata-se, é verdade, de uma declaração que incide sobre um aspecto da execução de um contrato administrativo, i.e., sobre a respectiva denúncia e que pressupõe, portanto, a sua prévia interpretação; v) No entanto, não está em causa nenhuma ordem, directiva ou instrução, nem uma modificação unilateral das cláusulas contratuais, nem a aplicação de uma qualquer sanção, ou sequer uma resolução unilateral (sancionatória ou por razões de interesse público) do Contrato de Concessão, mas apenas e tão só, uma declaração que, com fundamento numa cláusula contratual (i.e., no respectivo artigo 16.º, números 1 e 2), impede que a vigência do Contrato de Concessão se prolongue para além do período inicial estipulado; w) Tal declaração pode ser efectuada tanto pelo contraente público como, também, pelo contraente privado, sem que daí se possa extrair qualquer distinção na respectiva natureza; x) Logo, também por esta razão, conclui-se que a denúncia do Contrato de Concessão opera mediante declaração negocial unilateral, que corresponde ao exercício de um direito potestativo, no sentido de que, se a referida declaração for efectuada nos termos e de acordo com os pressupostos jurídicos aplicáveis5, os seus efeitos jurídicos (consistentes em impedir o prolongamento do prazo...

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