Acórdão nº 00588/14.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução27 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO DGI, Desenvolvimento e Gestão Imobiliária instaurou acção administrativa comum contra o Município do Porto, ambos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação deste a: a) reconstruir integralmente a cobertura do armazém da autora, incluindo a estrutura de suporte e o telhado propriamente dito; b) ou, em alternativa, a pagar-lhe a quantia de € 73.345,05 (setenta e três mil trezentos e quarenta e cinco euros e cinco cêntimos), acrescida de IVA à taxa legal e dos juros de mora, a contar desde a citação até ao momento do efectivo e integral pagamento; c) e, em qualquer dos casos admitidos na duas alíneas anteriores, a restituir-lhe o quantitativo de € 1 055,72, acrescido de juros de mora, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada parcialmente procedente a acção e condenado o Réu a pagar à Autora a soma de € 1 055,72, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se do demais peticionado.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: 1.ª. No que concerne ao dano consistente na demolição da cobertura (e remoção dos respectivos materiais), a recorrente tem direito a ser indemnizada na modalidade da restauração natural, o que determina a sua reconstrução.

  1. Não se verifica, no caso, nenhum dos pressupostos de que o art. 3.º/2 da Lei n.º67/2007 faz depender o afastamento da restauração natural, que tem prioridade em relação à indemnização em dinheiro.

  2. O tribunal recorrido não poderia ter conhecido da questão da excessiva onerosidade (ou “encargo injustificado”) da reconstrução da cobertura do armazém da recorrente, pois que, tratando-se de um facto extintivo (ou, pelo menos, impeditivo) do direito à restauração natural, constitui excepção que, não tendo sido invocada pelo recorrido, não é de conhecimento oficioso – o que, na parte dela que é objecto do recurso, torna a sentença nula, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.º/1-d).

  3. Admitindo-se, sem prescindir, a hipótese de a indemnização (do dano da destruição da cobertura do armazém) assumir a modalidade de “indemnização em dinheiro”, a circunstância de não haver elementos que permitissem a sua exacta quantificação não legitimaria nunca uma absolvição parcial do pedido, implicando antes a condenação “no que viesse a ser liquidado”, nos termos do art. 609.º/2 do CPC.

  4. O que é absolutamente inaceitável, mesmo no plano da mera equidade, é que o tribunal tenha deixado a recorrente sem nenhuma indemnização pelo dano, julgado provado, da demolição da cobertura e da remoção dos materiais nela incorporados (telhas, vigas e barrotes de madeira), foram levados, deixando o armazém a céu aberto.

  5. No mínimo dos mínimos, sempre se teria de fixar, em dinheiro, uma indemnização que correspondesse ao valor da cobertura demolida, incluindo os respectivos materiais e o valor do serviço de construção nela incorporado.

  6. O tribunal recorrido violou as normas dos n.ºs 1, 2 e 3 do artº 3º da Lei n.º 67/2007.

São estas as razões pelas quais se pede se revogue, na parte em que é desfavorável à recorrente, a sentença impugnada, condenando-se o recorrido na totalidade do pedido.

O Réu juntou contra-alegações, concluindo que: A. A sentença proferida pelo tribunal a quo e ora colocado em crise pela Recorrente é, a nosso ver, justa, bem fundamentada e inatacável, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas em vigor aos factos dados como provados.

B. Para fundamentar o presente recurso, propugna a Recorrente que a decisão judicial proferida pelo tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente do artigo 3º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, pretendendo que o Recorrido seja condenado no pagamento de uma indemnização pela demolição da cobertura do armazém.

C. A sentença proferida pelo tribunal a quo, estribada na prova produzida, decidiu de forma justa e fundamentada a questão objecto do presente recurso.

D. A Recorrente demonstra de forma clara e inequívoca que, com o presente pleito, quer o que não pode ter: o melhor dos dois mundos! E. Para além de ter deixado o armazém em apreço praticamente ao abandono (“edifício devoluto, degradado e sem grande parte da sua cobertura”), num estado gerador de efectivo perigo para pessoas e bens e que teve de ser objecto da intervenção urgente dos serviços municipais da protecção civil, ainda pretende a Recorrente a “restauração natural”, e na sua impossibilidade, uma indemnização! F. Ora, tal pretensão deve ser rejeitada pelo tribunal ad quem, sob pena de a presente situação se subsumir a um verdadeiro e efectivo enriquecimento sem causa.

G. É um facto que o ora Recorrido procedeu à demolição de parte da cobertura do armazém do Recorrente.

H. Sucede que, como muito bem refere a sentença recorrida, “estamos a falar de trabalhos de demolição que foram executados em edifício devoluto e degradado, com parte da cobertura já desmoronada, pelo que, em termos práticos, nenhuma utilidade teria a colocação de parte da cobertura num edifício com as características e o estado de conservação daquele que está aqui em causa, sendo que, a ter lugar a condenação na reposição total da cobertura tal significaria a reconstituição da situação num estado distinto daquele em que se encontrava à data dos factos, e que equivalia a uma beneficiação do edificado a que a A. não tem direito”.

I. Acrescenta ainda que, “tendo presente que a condenação na reconstituição natural não pode implicar uma desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável, temos para nós que existe efectivamente um encargo desajustado, que ultrapassada manifestamente os interesses impostos legalmente a uma legítima indemnização entre o interesse do A. e a pretendida reposição natural”.

J. Por outro lado, o orçamento apresentado pela ora Recorrente nos autos contempla o valor global de € 73.345,05 para a totalidade do telhado do armazém, o que seria sempre um locupletamento absolutamente injustificado a que os tribunais não podem, nem devem, dar cobertura.

K. A Recorrente não teve qualquer prejuízo digno de tutela, tendo até beneficiado com a mesma.

L. Com efeito, dado o avançado estado de degradação e ruína em que se encontrava a cobertura e o imóvel em causa, como bem resulta dos autos, a Recorrente teria sempre de contratar e diligenciar pela execução dos trabalhos de remoção/demolição que em sua substituição foram promovidos pelos serviços municipais.

M. Por conseguinte, a Recorrente teria sempre de suportar as despesas correspondentes aos trabalhos realizados, como seja a demolição da parte restante da cobertura e a remoção do entulho.

N. A ser julgado procedente em sede recursiva o pedido da Recorrente - pagamento ou reconstrução de uma “nova cobertura” – estar-se-ia a promover o enriquecimento da Recorrente injustificadamente e à custa do Recorrido, e não a reconstituir-se a situação anteriormente existente, como determina o artigo 3º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.

O. Acresce que, o prejuízo alegado pela Recorrente de destruição da cobertura, telhas, barrotes e vigas, dado o estado de conservação em que o imóvel se encontrava, teria de qualquer modo ocorrido, independentemente da intervenção levada a cabo pelos serviços municipais.

P. Faltando, por isso, o necessário nexo de causalidade entre a ilicitude e os danos invocados para que o Recorrido possa ser responsabilizado.

Q. Pelo exposto, verifica-se que a decisão judicial do tribunal a quo não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada.

Termos em que, Deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença de fls…, com o que será feita JUSTIÇA! O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1) A autora é proprietária e legítima possuidora do prédio urbano situado na Rua PD, nº …, Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.° 2…., da Freguesia de Paranhos e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo n.° 2… da mesma freguesia – doc. de fls. 155 e ss dos autos.

2) Em Novembro de 2012, os serviços do R. e no cumprimento de ordens e instruções suas, retiraram parte da cobertura do armazém da A. e das telhas e removeram a estrutura de suporte, incluindo vigas e barrotes em madeira, que levaram.

3) Ficando todo o armazém inteiramente descoberto, a céu aberto.

4) A reconstrução da cobertura do armazém da autora, incluindo a estrutura de suporte e o telhado propriamente dito, considerando materiais de qualidade média e mão-de-obra, encontra-se orçamentado em 73.345,05€, mais IVA – cfr. doc. 3 junto com a p.i.

5) A remoção da estrutura de suporte da cobertura do armazém não foi precedida da emissão de nenhuma ordem de demolição.

6) O réu, antes da realização dos trabalhos descritos no item 2), não notificou nem deu a conhecer por qualquer outro meio à autora a existência de quaisquer queixas ou reclamações que lhe tenham sido apresentadas, nem de inspecções ou vistorias que tenha feito ao local.

7) O réu não avisou a autora de que iria realizar as operações de remoção da estrutura de suporte da cobertura do armazém.

8) À data da intervenção do R., o prédio identificado em 1) encontrava-se devoluto e em más condições de conservação, com lixo espalhado no local, tendo ruído parte da cobertura.

9) Em 9/10/2012 deu entrada nos serviços do R. uma participação da PSP datada de 25/9/2012 que integra fls. 1 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

10) Com data de 2/11/2012 foi remetida à DomusSocial a comunicação que integra fls. 2 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

11) Em...

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