Acórdão nº 00166/16.8BEPRT-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução23 de Setembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO LIPOR-Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, Ré na acção de contencioso pré-contratual, acima identificada, que lhe move E...- Gestão Integrada de Resíduos Industriais, S.A., ambas aí já melhor identificadas, veio recorrer do despacho que, pronunciando-se acerca do seu requerimento, em que impetrou o levantamento do efeito suspensivo, nos termos previstos no artigo 103º-A, do CPC, indeferiu tal pretensão.

Alegando, concluiu o seguinte: 1.ª – A primeira razão em que se funda o douto despacho recorrido assenta na alegação da recorrida, apropriada pelo Tribunal a quo, segundo a qual “… a manutenção do efeito suspensivo do ato impugnado constitui a salvaguarda mais adequada a evitar danos ambientais e de saúde pública, atento o elevado risco de contaminação do aterro de resíduos não perigosos com o depósito de resíduos perigosos.

”; 2.ª – A recorrida não tem legitimidade para defender quaisquer valores e bens constitucionalmente protegidos, como o ambiente e a saúde pública, já que, enquanto empresa privada só compete a defesa dos seus interesses próprios e privados; 3.ª - “… se o interesse não revestir aquele caráter pessoal na medida em que pertence ou está investido na titularidade da coletividade em geral ou de uma comunidade [interesse difuso] ou pertence a certos grupos ou categorias organizadas de cidadãos [interesse coletivo], estamos fora do âmbito da previsão da al. a) do n.º 1 do artigo 55.º do CPTA.

”.

(Ponto XVI da fundamentação do citado Acórdão deste Alto Tribunal, de 14.02.2014.); 4.ª - E continua aquele douto Acórdão, no ponto seguinte (XVII): “… portanto à mesma [Requerente] só assistiria legitimidade processual ativa no quadro da al. a) do n.º 1 do art. 55.º do CPTA se pudesse obter com a providência/ação um benefício imediato, direto, próprio na sua esfera jurídica.” 5.ª – Acresce que a recorrida, apesar de, agora, invocar o “… elevado risco de contaminação do aterro de resíduos não perigosos com o depósito de resíduos perigosos” já, antes, numa providência cautelar intentada sem sucesso – Proc. n.º 1340/15.0BEPRT que correu termos pelo Tribunal recorrido e teve como Julgador o Meritíssimo Magistrado autor do douto despacho recorrido – já defendera que, afinal, as cinzas inertizadas bem podiam ser depositadas provisoriamente em outro local, pelo período de um ano, “ em segurança, sem provocar qualquer prejuízo para o ambiente”; 6.ª – Procurava, aí, a recorrida demonstrar também, na ponderação dos interesses em cotejo, que não havia mal nenhum em manter os efeitos da providência (a suspensão da eficácia do ato impugnado), 7.ª – o que significa que a recorrida vem defendendo uma coisa e o seu contrário conforme as suas conveniências processuais, o que terá passado despercebido ao Tribunal a quo; 8.ª – Naquela providência cautelar, e em oposição à tese da recorrida, invocou a recorrente o que consta das “Reference Document on Best Available Techniques for the Waste Treatments Industries”, documento da União Europeia: o tempo requerido para a total libertação para o meio ambiente dos poluentes inertizados por este tipo de processos é estimado poderem decorrer entre várias centenas até milhares de anos (página 389, capítulo 4, da referida BREF); 9.ª – Esta tese mereceu, então, a aceitação do Tribunal recorrido que, com base nela, levantou a decretação provisória da providência que, antes ocorrera; 10.ª – Daí que se compreenda mal que o mesmo Tribunal, perante os mesmíssimos factos, tenha produzido a decisão recorrida de sinal diametralmente oposto ao daquela outra; 11.ª – Mais se defende na douta decisão recorrida que a recorrente deveria ter feito prova sumária do que invocou no requerimento previsto no artigo 103.º-A, 2, do CPTA, o que não fez; 12.ª – Ora, entende a recorrente, salvo melhor opinião, que o expediente processual previsto naquela disposição legal não consubstancia um incidente processual típico que implique uma fase de instrução e de produção de prova, 13.ª – atenta a simplicidade do seu procedimento fixado no n.º 3, do mesmo artigo, que, apenas, prevê o requerimento, a possibilidade de resposta e a decisão de imediato; 14.ª – À semelhança, aliás, do que ocorre com a “Resolução Fundamentada” prevista no artigo 128.º, 1, do CPTA, quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo; 15.ª - No caso do procedimento previsto no citado artigo 103.º-A, 3, do CPTA, a única evolução foi a de se exigir apenas – não o contraditório, porque esse estava sempre assegurado mesmo no caso da “Resolução Fundamentada” já que o autor sempre a poderia impugnar – que o Juízo sobre a ponderação de interesses fosse feito pelo Julgador; 16.ª – Sucedeu que o Tribunal a quo não formulou qualquer juízo de ponderação, já que nem apreciou os prejuízos para a recorrida do levantamento do feito suspensivo e se limitou a “ponderar” qual seria a melhor opção para o interesse público de levantar ou não o dito efeito suspensivo; 17.ª – E, para tal, olvidou factualidade do conhecimento do Tribunal, por virtude do exercício das suas funções, e a sua própria decisão em outro processo, entre as mesmas partes e com a mesma factualidade, de sinal contrário à, ora, colocada em crise neste recurso; 18.ª – Decidindo, como decidiu, a douta decisão recorrida violou, pelo menos, o disposto no artigo 103.º-A, 3, do CPTA e 412.º, 2, do Código de Processo Civil.

NESTES TERMOS, e nos mais de direito, que não deixarão de suprir, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, A) revogada a douta decisão recorrida, B) decidindo-se que o diferimento da execução do ato impugnado seria gravemente prejudicial para o interesse público e, C) face aos interesses em presença, públicos e privados, os danos que resultariam para os primeiros da manutenção do efeito suspensivo são superiores àqueles que poderiam resultar do seu levantamento, assim se fazendo J U S T I Ç A! E...

juntou contra-alegações, concluindo nestes termos: A. No que respeita à suposta falta de legitimidade da Autora cumpre referir que esta matéria foi já objeto de resposta na réplica, tendo o douto Tribunal concluído, em sede de despacho saneador, pela legitimidade da Autora. Pelo que, não sendo esse despacho saneador objeto do presente recurso, deverá o mesmo prevalecer nesta matéria, não cabendo, por conseguinte, nesta sede a reapreciação da legitimidade da Autora, ora Recorrida.

B. Sem prejuízo, o elevado risco de produção de danos ambientais não constitui fundamento necessário do despacho ora impugnado, pelo que, em qualquer caso, essa decisão deverá ser mantida.

C. Em segundo lugar, cumpre ter presente que a ora Recorrente, no seu pedido de levantamento do efeito suspensivo, limitou-se a referir, sem qualquer lastro probatório que permitisse sustentar as suas afirmações, que a manutenção do efeito suspensivo implicaria a paragem da Central de Valorização Energética dentro de 3 ou 4 meses, o que lhe provocaria um prejuízo financeiro na ordem dos EUR 14.000.000,00 (catorze milhões de euros), para além de impactos ambientais resultantes da impossibilidade de garantir a recolha e a limpeza pública.

D. Tais alegações, desacompanhadas de qualquer elemento probatório, são manifestamente insuficientes para fazer prova do perigo de paragem da Central, assim como de qualquer outro prejuízo, principalmente quando foram trazidos aos autos elementos que permitem, pelo menos, duvidar de tais conclusões.

E. Note-se que nem a própria LIPOR, nas suas alegações de recurso, põe em causa a conclusão do Tribunal a quo de que não foi feita prova dos prejuízos que alega, limitando-se aquela a alegar, a este respeito, que o n.º 2 do artigo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT