Acórdão nº 0701/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução08 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga interpôs recurso da decisão que, no âmbito do processo judicial de reclamação de acto do órgão de execução fiscal praticado na execução fiscal instaurada no Serviço de Finanças de Felgueiras contra a sociedade “A……………., Ldª” e revertida B…………, julgou esse Tribunal incompetente em razão do território para conhecer da reclamação, declarando territorialmente competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, por a Reclamante ter domicílio em Amarante, área de circunscrição deste Tribunal de Penafiel.

1.1. Terminou a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões: I. No Serviço de Finanças de Felgueiras corre termos o processo de execução fiscal nº 1775201001030647 e apensos, contra a sociedade “A………., Ld.ª”, NIPC ………., com sede no lugar ………, 4650-……. ………., Felgueiras, para cobrança de dívidas de IVA, IRC e coimas fiscais, no montante global de 6.945,77€; II. Verificando que a executada originária não dispunha de bens susceptíveis de penhora, o Serviço de Finanças de Felgueiras reverteu aquela dívida contra a reclamante B…………, que tem residência no município da Amarante, e C…………., na qualidade de gerentes e responsáveis subsidiários; III. Não se conformando com a decisão que ordenou a penhora de créditos, a reclamante B……… apresentou a presente reclamação, que foi oportunamente remetida a este Tribunal e que deu origem aos presentes autos de reclamação de actos do órgão de execução fiscal; IV. Tendo em conta que a reclamante B………. reside no município de Amarante, por douta decisão de fls. 242/245, o Mmo Juiz a quo considerou este TAF de Braga incompetente em razão do território para conhecer o incidente de reclamação, declarando territorialmente competente o TAF de Penafiel, fundamentando tal decisão nos artigos 5º do ETAF, 12º e 151º, nº 1 do CPPT [Redacção dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro – OE]; V. Salvo o devido respeito, o Mmº Juiz a quo fez errada interpretação das citadas normas legais, já que nos termos do art. 12º do CPT, «os processos da competência dos tribunais tributários são julgados em 1ª instância pelo tribunal da área do serviço periférico local onde se praticou o acto objecto da impugnação ou onde deva instaurar-se a execução»; VI. No caso dos autos, o Serviço de Finanças de Felgueiras é o órgão periférico local onde foi instaurado e onde corre termos o processo de execução fiscal, sendo competente para conhecer de todos os incidentes suscitados no processo de execução fiscal o TAF de Braga, em virtude de aquele órgão periférico local estar abrangido pela área de jurisdição deste TAF, nos termos conjugados dos arts 6º do DL nº 433/99, de 26 de Outubro, 3º, do DL 325/2003, de 29 de Dezembro e mapa anexo ao mesmo, e ainda porque o processo de execução fiscal tem natureza judicial desde a sua instauração, conforme o disposto nos arts 103º, nº 1 da LGT, 5º do ETAF, 150º, 151º, nº 1 e 276º a 278º do CPPT; VII. Com efeito, o art. 151º, nº 1 do CPPT [Redacção dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro - OE], dispõe que: “Compete ao tribunal tributário de 1.ª instância da área do domicílio ou sede do devedor, depois de ouvido o Ministério Público nos termos do presente Código, decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, e a reclamação dos actos praticados pelos órgãos da execução fiscal” Ora, a alteração introduzida pela referida Lei não modifica substancialmente os elementos que determinam a competência territorial, uma vez que a expressão «área do domicílio ou sede do devedor» deve ser entendida como sendo o devedor originário, já que não faria qualquer sentido que, havendo a possibilidade de serem vários os responsáveis subsidiários, residentes em diferentes áreas geográficas, a competência territorial fosse atribuída a diferentes tribunais, conforme a residência de cada um deles; VIII. Na verdade, e de acordo com o nº 1 do art. 9º do C Civil, «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.» E nos termos do nº 3 do mesmo preceito legal, «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados»; IX. Assim sendo, e salvo o devido respeito por melhor entendimento, parece-nos que a competência territorial do TAF de Braga para decidir a presente reclamação resulta do facto de a execução fiscal ter sido instaurada no Serviço de Finanças de Felgueiras, área da sede da executada originária, encontrando-se tal competência definida a partir da instauração da execução, nos termos conjugados dos arts 5º, nº 1, do ETAF, 12º nº 1, e 151º, nº 1, do CPPT; X. Decidindo como decidiu, o Mmº Juiz a quo não aplicou, como devia, e fez errada interpretação dos artigos 103º, nº 1 da LGT, 5º, nº 1, do ETAF, 6º do DL nº 433/99, de 26 de Outubro, 3º, do DL 325/2003, de 29 de Dezembro, 150º, 151º, nº 1 e 276º a 278º do CPPT.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

  1. Embora a decisão recorrida não tenha formalmente fixado os factos que a suportam, o certo é que atendeu aos seguintes factos, que implicitamente julgou como provados: a. No Serviço de Finanças de Felgueiras foi instaurado o processo de execução fiscal nº 1775201001030647 e apensos, contra a sociedade “A………., Ldª”, com sede no concelho de Felgueiras, para cobrança de dívidas de IVA, IRC e coimas fiscais.

    b. Constatada a insuficiência de bens susceptíveis de penhora, foi proferido em 31/8/2011 despacho de reversão contra B………….., com domicílio no concelho de Amarante, na qualidade de responsável subsidiária pelo pagamento da dívida exequenda.

    c. A presente reclamação deduzida contra acto praticado pelo órgão da execução fiscal, apresentada pela referida B………….., foi apresentada no Serviço de Finanças onde corre o processo de execução – Serviço de Finanças de Felgueiras – mostrando-se dirigida ao TAF de Braga (tribunal com área de jurisdição no concelho de Felgueiras, onde se encontra sediada a sociedade devedora originária).

    d. Esse Serviço de Finanças remeteu a reclamação ao indicado TAF de Braga; 3. Como é por demais consabido, é pelo teor das conclusões da alegação do recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso jurisdicional, pelo que, afora as questões de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso encontra-se amarrado ao conhecimento das questões colocadas pelo recorrente, não podendo conhecer de questões que não tenham sido colocadas e que não sejam de conhecimento oficioso, sob pena de o acórdão incorrer na nulidade prevista no art. 125º do CPPT e no art. 615º, nº 1, alínea d), do CPC.

    Neste recurso, a única questão colocada pelo Recorrente (Ministério Público) é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado que o TAF de Braga era territorialmente incompetente para o conhecimento de processo de reclamação deduzido contra acto praticado pelo órgão da execução fiscal (OEF), por tal competência pertencer ao TAF de Penafiel, na medida em que o art. 151º do CPPT estabelece que o tribunal competente é o da área do domicílio do devedor, e a reclamante, enquanto devedora (ainda que subsidiária), tem domicílio em Amarante, que pertence à área de circunscrição do TAF de Penafiel.

    Deste modo, e visto que a questão da incompetência territorial foi arguida em 1ª instância e como tal apreciada pelo julgador em obediência ao dever que lhe é imposto pelo art. 608º, nº 2, do actual CPC [art 660º, nº 2, do velho CPC], não se coloca aqui a questão, colocada e decidida pelo STA noutros recursos, de saber se essa matéria é ou não de conhecimento oficioso. Aliás, o recorrente nem sequer equaciona a questão de saber se essa matéria podia ser, como foi, arguida na primeira intervenção processual da parte contrária num processo judicial para o qual a lei expressamente fixa o tribunal territorialmente competente para o seu conhecimento – art. 151º do CPPT.

    (De todo o modo, e com o devido respeito, não podemos deixar de expressar a nossa total objecção à tese enunciada pela Exmª Senhora Juíza Conselheira relatora inicial deste recurso e que obrigou à elaboração deste acórdão pela presente relatora (por vencimento), segundo a qual a questão da incompetência territorial do tribunal para o conhecimento deste tipo de contencioso associado ao processo de execução fiscal nunca pode ser apreciada pelo tribunal onde o processo foi instaurado – nem de forma oficiosa nem sob arguição da parte contrária. É que, fixando a lei regras muito precisas sobre a competência territorial dos tribunais tributários para os processos judiciais de embargos de terceiro, oposições, incidentes e reclamações, seria incompreensível e incongruente que depois não fosse permitido qualquer controlo judicial sobre o cumprimento dessas regras, para mais quando é sabido que o nosso ordenamento jurídico qualifica a incompetência territorial como uma excepção dilatória. Além de que tal conduziria à perigosa e perversa situação de que cada oponente, cada embargante, cada reclamante, poder escolher livremente o tribunal tributário onde iria instaurar o respectivo processo judicial, sem que nada pudesse fazer-se ou decidir-se contra isso. Razão por que se deve concluir que, no contencioso associado ao processo de execução fiscal, se está perante um caso omisso, que impõe o recurso à legislação subsidiária enunciada no art. 2º do CPPT, e que aí deve ser procurada de acordo com a natureza do caso omisso. O que conduz, salvo melhor entendimento, à aplicação das regras processuais contidas no Código de Processo Civil a estes...

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