Acórdão nº 01323/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A……….., com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, no âmbito da reclamação que em 22/04/2014 deduziu no âmbito da execução fiscal nº 3069 1997 01036955, extinta em 25/09/2013, contra todos «os actos praticados pelo órgão de execução fiscal nos referidos autos, após 11/05/2005, por considerar que ocorreu prescrição de conhecimento oficioso», julgou verificada a excepção da caducidade do direito de acção e absolveu a Fazenda Pública do pedido.

Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões: A - O presente recurso tem por objecto a reapreciação da aplicação do direito à factualidade constante do processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal nos termos do disposto no art. 28º nº 1 «in fine» tendo como escopo final a nulidade da douta sentença proferida no Tribunal «a quo» em 22/09/2014 e a sua substituição por outra que julgue a tempestividade da acção e conheça do mérito da reclamação.

B - Por douta sentença proferida em 22/09/2014 no processo acima referenciado, que por economia de escrita pede Vénia a Vossas Excelências para a darem, aqui e agora, como integralmente reproduzida, o Tribunal «a quo» entendeu julgar verificada a excepção de caducidade do direito de acção, e consequentemente absolveu a Fazenda Pública do pedido, não conhecendo do mérito da reclamação.

C - Inconformado vem, naturalmente com o devido e muito respeito, desde já, manifestar a sua discordância com a douta decisão em crise.

D - Para melhor compreender o motivo da discordância quanto à decisão o Tribunal «a quo», ao julgar verificada a excepção de caducidade do direito de acção, com as consequências conhecidas, importa analisar o cerne da questão de mérito que ficou prejudicada com o «julgamento» da reclamação e que se prende com a falta de apreciação da prescrição, excepção de conhecimento oficioso.

E - Com a reclamação pretendia o Reclamante ver declarada a nulidade dos actos praticados pelo órgão de execução fiscal no processo nº 3069199701036955 do Serviço de Finanças de Lisboa 1 (em que o Reclamante era Executado) após 11/05/2005, por entender que ocorreu a prescrição, excepção de conhecimento oficioso.

F - O Recorrente peticionou que a Fazenda Pública (Administração Tributária) fosse condenada na obrigação de lhe restituir todas as quantias ilegalmente retidas/ penhoradas naquele processo, bem como no pagamento de juros indemnizatórios, para que assim fosse reconstituída a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, tudo cfr. prevê o art. 100º da LGT.

G - Porque sendo tais actos nulos não poderiam ter sido praticados pelo órgão de execução fiscal após a apontada data, uma vez que já havia ocorrido a prescrição da obrigação exequenda.

H - Sendo tal vício (nulidade) invocável a todo o tempo, por força do disposto no art. 134º nº 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

I - Esse não foi o entendimento da Meritíssima Juíza do Tribunal «a quo» que catalogou a nulidade ora invocada como uma nulidade processual.

J - Por força do disposto no art. 134º nº 2 do CPA, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer Tribunal, daí considerar a reclamação tempestiva. Assim não considerou a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” que decidiu que a esta reclamação seria aplicável a regra geral relativa ao prazo para apresentação de acto do órgão da execução fiscal ínsita no art. 277º nºs 1 e 3 do CPPT, considerando-a intempestiva por se ter verificado a caducidade do direito de acção, absolvendo consequentemente a Fazenda Pública do pedido não conhecendo do mérito da reclamação.

K - Em processo tributário a prescrição é uma excepção de conhecimento oficioso, opera por mero efeito da lei, sendo conhecida independentemente de invocação por parte do contribuinte devedor perante o órgão de execução fiscal — ou, mais latamente, perante qualquer órgão da Administração tributária ou órgão de natureza judicial.

L - Pelo que os actos praticados pelo órgão de execução fiscal após a apontada data (11/05/2005) são nulos uma vez que já havia ocorrido a prescrição da obrigação exequenda, nulidade essa, a nosso ver, invocável a todo o tempo, por força do disposto no art. 134º nº 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

M - A razão preponderante que conduziu o legislador do Código de Processo Tributário a optar pela regra do conhecimento oficioso da prescrição será, em nosso entender, a promoção da certeza no âmbito das relações jurídicas tributárias pela parte que se encontra dotada dos meios adequados para monitorizar as vicissitudes da mesma. Ou seja, em função dos meios de que dispõe, a Administração tributária encontra-se numa posição privilegiada para controlar este decurso do tempo, por vezes de difícil determinação, em atenção às causas interruptivas e suspensivas.

N - A Administração tributária não prossegue fins próprios, nem tão pouco os interesses financeiros do Estado. O seu papel é o de zelar pela legalidade das relações jurídico-tributárias constituídas e a constituir, aplicando a lei vigente independentemente dos resultados positivos ou negativos — de uma perspectiva financeira — que tal possa gerar na esfera do contribuinte ou do Estado. É, ou deve ser, uma Administração isenta e imparcial, que opera como intermediária entre a lei e o contribuinte.

O - Em consonância, aquele papel desempenhado pela Administração Tributária surge como evidente decorrência do princípio do inquisitório, o qual perpassa todos os níveis da relação jurídico-tributária. O princípio do inquisitório encontra-se positivado no art. 58º da Lei Geral Tributária, o qual dispõe que «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».

A regra é, pois, a da desnecessidade de invocação de factos ou de direito tendentes à tutela dos interesses do contribuinte. Por outras palavras, aquela invocação tem lugar num quadro de colaboração recíproca, bem diferente do que sucede no âmbito do princípio do dispositivo.

P - Nos termos do disposto no art. 175º do CPPT, a prescrição é conhecida oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito, o que não aconteceu no caso em apreço.

Q - Não constituindo a invocação da prescrição, como de facto não constitui, um ónus do devedor tributário, os efeitos prescricionais decorrem, directa e imediatamente, do decurso do prazo legal determinado para o efeito. A dívida paga para além desse prazo representa forçosamente, deste modo, o cumprimento de uma obrigação prescrita.

R - Pelo que não nos parece de justeza a sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal «a quo» que considerou verificada a excepção de caducidade do direito de acção, absolvendo a Fazenda Pública.

S - Não foi feita justiça quando o órgão da execução fiscal, por omissão, não conheceu a prescrição, e não foi feita justiça com a decisão tomada na sentença de que se recorre porque o órgão de execução fiscal não cumpriu a lei e ainda assim vê a sua omissão favorecê-lo! Pelo que este recurso deverá proceder.

T - O conteúdo do art. 175º do CPPT determina o efeito «ope legis» da prescrição tributária. Os efeitos jurídicos da prescrição são produzidos por mero decurso do prazo, não gozando a Administração de qualquer espaço de discricionariedade quanto ao conhecimento da mesma. Pouco sentido faria, aliás, admitir o inverso, uma vez que, enquanto órgão que actua por conta do credor da relação tributária (mas não no seu interesse - esse será o de mera legalidade), a Administração Tributária poderia sentir-se inibida de conhecer da prescrição. Convenhamos que seria, no mínimo, ilógico e contraproducente remeter o conhecimento da prescrição para a esfera do credor, para depois sustentar que este gozava de uma livre margem de decisão quanto ao mesmo. Levado às últimas consequências, tal entendimento permitiria que a Administração optasse por conhecer ou não da prescrição relativamente a determinadas dívidas - ou determinados devedores - o que por si só seria potencialmente atentatório do Princípio da Igualdade, principio que de resto goza de assento constitucional.

U - Não obstante o imediatismo do efeito jurídico da prescrição tributária, decorrente unicamente do decurso do prazo, o devedor pode por sua iniciativa promover a declaração de prescrição.

V - Quer isto dizer que, confrontado que seja com a inércia da Administração, ou mesmo do juiz, em conhecer da prescrição ao abrigo da competência legal que lhe é atribuída, o devedor pode motivar essa actuação por intermédio de uma invocação subsidiária.

W - Trata-se tão-somente de um mecanismo de controlo e sindicância da actuação - neste caso concreto de uma actuação negativa (non facere), uma omissão traduzida no não conhecimento da prescrição - dos órgãos administrativos e judiciais legalmente adstritos ao conhecimento da prescrição.

X - E foi o que o Recorrente fez através desta acção de reclamação de actos praticados pelo órgão de execução fiscal, prevista no art. 276º do CPPT, sendo certo que, na grande maioria das situações, este é o veículo processual que assume, a este respeito, maior preponderância.

Y - E a favor deste entendimento joga a possibilidade de solicitar - por meio de requerimento atípico - ao órgão de execução fiscal que conheça da prescrição, cabendo reclamação para o juiz, ao abrigo do art. 276º do CPPT.

Z - Termos em que, necessariamente, a não invocação em sede de execução não pode precludir a invocação subsidiária por parte do devedor em fase posterior. De outro modo, não se compreenderia a previsão do art. 175º do CPPT. O art...

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