Acórdão nº 0936/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução17 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2245/13.4BELRS 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública e a sociedade denominada “A…………, Lda.”, esta na qualidade de adquirente do bem imóvel vendido na execução fiscal, interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a reclamação judicial deduzida ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) por “B…………, Lda.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida), anulou o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, que indeferiu o pedido de anulação de venda do referido imóvel, e considerando verificada uma nulidade susceptível de influir na venda – a falta de notificação à Executada da data designada para a venda –, decretou a anulação daquele acto nos termos dos arts. 195.º, n.º 1, e 839.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC) (Os preceitos que no CPC prevêem a anulação da venda com fundamento em irregularidade processuais devem considerar-se aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

).

1.2 Com os requerimentos de interposição dos recursos, cada uma das Recorrentes apresentou as alegações e respectivas conclusões, que são do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.

): 1.2.1 as da Fazenda Pública, « A) Na nossa opinião, a sentença produzida nos autos sofre de um vício de excesso de pronúncia, porquanto o que aqui sempre esteve em causa foi a interpretação do artigo 264.º, n.º 4 do CPPT no que diz respeito à necessidade, ou não, de notificação por parte da AT ao executado por ter decorrido o prazo de 15 dias de suspensão do procedimento de venda e, no caso negativo, se a suspensão ainda se mantém.

B) Como atrás se desenvolveu, a sentença produzida nos presentes autos, parece-nos, ao debruçar-se sobre uma eventual falta de notificação de uma “nova” venda, excedeu o objecto processual definido pelo pedido e nunca objecto de contestação, pelo que, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C. P. Civil, será nula, pelo que se aqui pede a declaração do Tribunal superior nesse sentido.

C) A suspensão do procedimento de venda prevista no artigo 264.º, n.º 4 do CPPT, como efeito do pagamento por conta nas condições ali previstas, foi respeitado, por várias vezes, pela AT no processo de execução fiscal já identificado nos autos; D) Como se trata de um prazo peremptório, e, no caso concreto, opera por iniciativa própria dos executados, não há lugar a qualquer notificação do decurso do prazo de 15 dias previsto na norma já referida, porque opera ope legis e já é do seu conhecimento do executado, uma vez que até foi por si próprio desencadeado; E) Assim sendo, salvo o devido respeito, não concordamos com o teor da douta sentença do Tribunal a quo.

F) Por outro lado, decidiu também o Tribunal que carecia de notificação a nova venda marcada após a suspensão do procedimento.

G) Na nossa opinião, não se trata de uma nova venda, mas apenas o decurso do prazo suspensivo do procedimento de venda, que, uma vez findo, continua a sua marcha, no caso concreto, a própria venda.

H) Que foi objecto de notificação à sociedade executada conforme consta dos autos.

I) Pelo exposto, vem a Fazenda Pública requer a este Venerando Tribunal que revogue a douta Sentença recorrida, por excesso de pronúncia e, se assim não se entender, por erro na qualificação jurídica dos factos ocorridos no procedimento de venda neste processo de execução fiscal.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, com o que se fará, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA»; 1.2.2 as da Recorrente “A…………, Lda.”, « I. A douta sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia.

  1. Nos termos da referida sentença, veio a M.ª Juiz considerar que a decisão da venda não foi, como deveria ter sido, notificada à Executada.

  2. Nada é alegado pela Reclamante na petição inicial quanto a esta questão.

  3. Decorre do disposto no artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte do CPC que os poderes do Juiz são limitados pelas questões suscitadas pelas partes, razão pela qual não pode o Tribunal pronunciar-se quanto a questões que não resultem dos articulados apresentados por aquelas.

  4. Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), aplicável por remissão da al. e) do artigo 2.º do CPPT, constitui nulidade da sentença o conhecimento pelo Juiz de “questões de que não podia tomar conhecimento”, estando esta nulidade consagrada, no processo judicial tributário, na última parte do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.

  5. Ao conhecer de uma questão que não foi suscitada pelas partes processuais a sentença enferma de nulidade.

  6. Para além do mais, na douta sentença existe ainda um erro de julgamento do direito.

  7. A referida decisão não refere em ponto algum, nem tão pouco concretiza, o regime que dimana do n.º 4 do artigo 264.º do CPPT.

  8. É incompreensível a inexistência de qualquer referência ao regime do citado artigo 264.º, n.º 4 do CPPT, uma vez que este constitui o cerne de toda a questão decidenda.

  9. De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 264.º do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei 64-B/2011, de 30/12, “(...) o pagamento de um valor mínimo de 20% do valor da dívida instaurada suspende o procedimento de venda desse processo de execução fiscal por um período de 15 dias”.

  10. Quer o início (data do pagamento) quer o fim do prazo de suspensão do procedimento de venda previsto no referido preceito legal (15 dias após o pagamento) resultam directamente da lei e produzem os seus efeitos (respectivamente, o início e o fim da suspensão do procedimento da venda) ope legis, i.e., de forma automática, sem necessidade de qualquer notificação ou decisão por parte do Órgão de Execução Fiscal.

  11. Não existindo qualquer obrigatoriedade de notificar a Executada para que a norma em causa produza integralmente os seus efeitos legais, é impossível concluir que foi inobservada uma formalidade susceptível de constituir uma nulidade.

  12. Ainda que a Administração Tributária tenha emitido notificações no âmbito de anteriores pagamentos realizados pela Executada ao abrigo do regime que resulta do mencionado n.º 4 do artigo 264.º do CPPT, esta circunstância não produz quaisquer efeitos no sentido de derrogar o regime legal em causa, e tornar assim exigível a emissão de quaisquer outras notificações.

  13. Não existe qualquer obrigação de notificar a Executada da suspensão do procedimento de venda, bem como da sua cessação, não podendo isso, portanto, constituir fundamento de anulação do acto reclamado.

Termos em que se pede a este Venerando Tribunal que se digne julgar procedente, por provado, o presente Recurso Jurisdicional, e, em consequência, determine a revogação da Sentença recorrida, com as necessárias consequências legais.».

1.3 Os recursos foram admitidos, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

1.4 A Reclamante contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença. Procurou, não só contrariar a argumentação das Recorrentes, como também alegou no sentido da demonstração de que a penhora e a venda violaram o princípio da proporcionalidade, violação que se revela manifesta pela comparação entre os valores patrimonial do imóvel e por que este foi vendido, por um lado, e o valor em cobrança coerciva, por outro.

Previamente, arguiu a nulidade do despacho que fixou o efeito suspensivo ao recurso, por violação do princípio do contraditório, e pediu a alteração desse efeito, para meramente devolutivo.

1.5 O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer dos recursos, indicando como competente para o efeito este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a requerimento da Recorrente.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (fls. 607) no sentido de que «deverá ser este o Tribunal competente para conhecer do recurso».

1.7 Dispensou-se o visto dos Juízes Conselheiros adjuntos, atenta a natureza urgente do processo.

1.8 As questões que cumpre apreciar e decidir, como procuraremos demonstrar, são apenas as de saber se a sentença recorrida (i) incorreu em excesso de pronúncia quando considerou verificada a nulidade por falta da notificação à Executada da data designada para a venda [cfr. conclusões A), B) e I) do recurso da Fazenda Pública e conclusões I. a VI. do recurso da “A…………, Lda.”] e, subsidiariamente, (ii) fez errado julgamento ao considerar que a suspensão do procedimento da venda ao abrigo do n.º 4 do art. 264.º do CPPT impunha qualquer notificação ao Executado, seja relativa ao período de suspensão, seja à sua cessação ou à data da venda [cfr. conclusões C) a I) do recurso da Fazenda Pública e conclusões VII. a XIV. do recurso da “A…………, Lda.”].

Previamente, haverá que indagar se ocorre a nulidade processual invocada pela Recorrida – falta de exercício do direito do contraditório antes da fixação do efeito do recurso – e se o efeito suspensivo que foi fixado ao recurso deve ser alterado.

* * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO 2.1.1 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: « A. No processo de execução fiscal n.º 3 085201101165631 e apensos, instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa 3, contra B…………, LDA, para cobrança de dívidas de IMI no montante total de € 1.429,60, (€ 820,84 de dívida de imposto e acrescidos) foi, em 18-08-2012, efectuada a penhora da fracção autónoma designada pela letra A, do prédio urbano, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia com o n.º 3007, inscrito na matriz predial...

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