Acórdão nº 01049/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução30 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo O Município do Seixal deduziu, contra o Conselho de Ministros, acção administrativa especial de impugnação dos «actos jurídico-administrativos praticados no Decreto-Lei nº 104/2014, publicado na 1ª série do Diário da República, nº 125, do dia 2 de Julho de 2014, que procede à alteração dos Decretos-Leis nºs 53/97, de 4 de Março, e nº 127/2002, de 10 de Maio, que criaram e alteraram o sistema multimunicipal de valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da margem Sul do Tejo, constituindo, para o efeito, a sociedade A………………, S.A. e procede, também à alteração dos Estatutos desta sociedade A………. aprovados em anexo ao referido Decreto-Lei nº 53/97».

Foi proferido despacho saneador em 21.01.2015 que declarou a jurisdição administrativa incompetente, em razão da matéria, para conhecer desta acção, absolvendo os réus da instância.

Não se conformando com este despacho vem o Autor reclamar para a conferência, formulando no seu requerimento as seguintes conclusões: 1a A presente reclamação é apresentada face à prolação do D. Despacho saneador-sentença que declarou a jurisdição administrativa incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de impugnação dos vários actos administrativos contidos no Decreto-Lei n.° 104/2014, de 2 de Julho de 2014, e absolveu da instância as entidades demandadas.

2a O Município A. não se conforma com semelhante interpretação e aplicação do direito, desde logo, pela singularidade imputada ao “acto impugnado”, uma vez que, o objecto do presente processo, não é um, mas todos e cada um dos actos jurídico-administrativos praticados no Decreto-Lei n.° 104/2014 de 2 de Julho de 2014.

3a Salvo o devido respeito, a decisão reclamada assenta num incorrecto pressuposto: considera que “o acto impugnado” é o Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, quando o objecto do processo são os diversos actos individuais e concretos contidos naquele Decreto-Lei.

4a O presente processo visa impugnar os actos administrativos praticados sob a forma de lei, no citado Decreto-Lei, qualquer que seja o número de actos aí contidos e desde que se reconduzam à conformação individual e concreta de uma situação jurídica; se o Tribunal entender que apenas algumas das disposições do Decreto-Lei consubstanciam a prática de actos administrativos, então o processo deve versar sobre aquelas e não sobre as restantes disposições.

5a Ao ter apreciado o pedido na perspectiva global de que o Município A. questiona todos os artigos do DL n.° 104/2014 e ao tomar o todo pela parte, afirmando a improbabilidade de todo um Decreto-Lei se reconduzir à definição de acto administrativo, o Despacho reclamado perfilhou um entendimento redutor, assente num juízo de valor meramente conclusivo, e absteve-se de aprofundar os fundamentos da impugnação requerida.

6a A decisão reclamada deveria ter-se pronunciado individualmente sobre cada um dos actos impugnados, devidamente discriminados na petição inicial do processo, e caracterizar a sua natureza de acto administrativo ou legislativo; não o tendo feito, o Tribunal deu prevalência à forma sobre a substância e omitiu a pronúncia sobre as questões suscitadas no processo; salvo o devido respeito, desrespeitou-se a garantia da tutela jurisdicional efectiva, que não admite derrogações à impugnabilidade perante a jurisdição administrativa.

O Despacho reclamado nem sequer tomou em consideração que as disposições do Decreto-Lei n.° 104/2014, versam, por um lado, sobre algumas disposições do Decreto-Lei n.° 53/97, e, por outro lado, sobre algumas disposições dos estatutos da sociedade comercial A……….., SA; tratam-se de disposições com uma natureza distinta que até poderá, por princípio, justificar uma diferente interpretação e aplicação do direito em relação a cada um dos grupos daquelas disposições.

8a Ao assentar a decisão reclamada num juízo de valor formalista, meramente conclusivo e não fundamentado individualmente em relação a cada um dos actos administrativos impugnados, tomando-os, ao invés, como um todo, e atribuindo a mesma natureza jurídica a todos eles, o Tribunal incorreu, salvo o devido respeito, em erro e omissão de pronúncia sobre as questões suscitadas no presente processo.

Acrescenta-se a total omissão de pronúncia sobre as implicações e consequências da emissão da “resolução fundamentada” pela entidade demandada, junta ao processo cautelar que precedeu a propositura desta acção para tentar obstar ao efeito suspensivo da apresentação do processo cautelar; o Tribunal nem sequer questionou a razão de ser de semelhante procedimento por parte da entidade demandada, que tem necessariamente subjacente o reconhecimento da prática de actos administrativos no diploma legal em apreço, pois nada justificaria emitir uma resolução fundamentada se estivessem apenas em causa actos legislativos.

10a Na decisão reclamada reconhece-se a possibilidade de, dentro dessa actividade legislativa, se ter anormalmente insinuado a prática de actos administrativos «próprio sensu», mas não são depois extraídas as devidas e necessárias implicações, isto é, a apreciação casuística em relação a cada uma das disposições do Decreto-Lei n.° 104/2014, quer as que alteram o Decreto-Lei n.° 53/97, quer as que alteram os estatutos da sociedade comercial A………., SA, sobre se estão em causa actos administrativos, ou não.

11a A tese perfilhada no Despacho reclamado tem subjacente uma consequência juridicamente inaceitável: em bom rigor, o Tribunal admite que se o Município A. tivesse intentado não uma, mas várias, acções judiciais de impugnação contra cada um dos actos administrativos praticados nas disposições do Decreto-Lei n.° 104/2014, então já o Tribunal se debruçaria nessa multiplicidade de processos sobre o mérito de cada uma das impugnações, uma vez que já não ocorreria a "insistência em olhar-se todo um diploma legal”, ora, até por uma razão de economia processual, parece indefensável a tese decisão reclama que penaliza o Município A. pelo simples facto de ter impugnado globalmente, num único processo judicial, todos e cada um dos actos administrativos praticados no Decreto-Lei n.° 104/2014.

12a As alterações introduzidas pelo DL n.° 104/2014, de 2 de Julho, ao DL n.° 53/97, de 4 de Março, versam sobre situações concretas do Govenance e da vida interna da sociedade A…………, SA, por sua vez reflectidas e reproduzidas nos próprios estatutos da sociedade, pelo que, jamais se lhes poderá reconhecer a natureza de actos normativos; certamente, o meio idóneo para proceder a alterações sobre estas matérias não é através da emissão de actos legislativos, mas por deliberação da assembleia geral da sociedade.

13a Não pode, assim, aceitar-se que se denegue o direito de impugnação judicial contra tais alterações às regras internas da sociedade A………… a pretexto de terem sido “encaixadas” num decreto-lei emitido por um sócio da sociedade (o Estado, titular único da sócia C…………….), furtando-se ao crivo da assembleia geral e das regras sobre quorum e maioria necessários para a tomada de deliberações.

14a Quanto às alterações concretas e directamente introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 104/2014, de 2 de Julho, aos estatutos da A………….. cumpre, desde logo, tirar uma conclusão apodíctica: caso essas alterações dos estatutos da A………. tivessem sido realizadas por acto legislativo, como se defende no Despacho reclamado, não careceriam de expressa consagração ulterior nos estatutos da sociedade aprovados em anexo ao DL n.° 53/97, de 4 de Março; a força jurídica que teriam enquanto lei, a sua aplicabilidade directa, geral e abstracta na ordem jurídica tornariam dispensável a necessidade da sua concretização nos próprios estatutos da A………., como veio a suceder, por vontade de um dos sócios à revelia da participação dos restantes.

15a A questão que se coloca com acuidade, e que o D. Despacho reclamado não apreciou, é a da necessidade do abuso da forma legislativa, para conseguir um resultado que propicia, ilegal e inconstitucionalmente, a modificação da legalidade vigente para a alteração dos estatutos; daqui resulta que a necessidade de proceder a alteração dos estatutos da A………. advém, precisamente, do facto de não se tratarem de actos materialmente legislativos, mas de actos que só poderão determinar a vida interna da sociedade e vincular os sócios e os órgãos sociais depois de serem introduzidos nos estatutos da A…………..; para tanto, nos termos da lei (do Código das Sociedades Comerciais e da redacção original do Decreto-Lei n.° 53/97, de 4 de Março), só podem alterar-se os estatutos da sociedade mediante deliberação da assembleia geral.

16a Em consequência, os actos que foram praticados (no DL n.º 104/2014) em substituição das deliberações sociais que deveriam ter sido tomadas para consagrar as alterações aos estatutos da A…………. só podem revestir a natureza de actos administrativos praticado em diploma legislativo, pelo que a sua legalidade e constitucionalidade é sindicável pelos Tribunais Administrativos.

17a Ao contrário do referido no D. Despacho reclamado, nunca foi reconhecido o carácter legislativo dos actos praticados no DL n.° 53/97, de 4 de Março, nomeadamente enquanto “puro acto de soberania, do exercício de um poder livre e unilateral do Governo”; a questão da natureza jurídica dos actos praticados no DL n.° 53/97, de 4 de Março, não foi invocada, nem sequer suscitada, no processo.

18a Ainda que assim não fosse, não pode acompanhar-se o silogismo defendido na decisão reclamada no sentido de o “DL n.° 104/2014 seria um acto administrativo se o DL n.° 53/97 ao constituir a sociedade A………. e aprovar os seus estatutos em anexo, também já contivesse um acto administrativo.”; pelo menos no que respeita às concretas alterações aos estatutos da A……….., jamais poderão ser consideradas como actos legislativos, mas deverão ser qualificadas como actos materialmente administrativos praticados em diploma legislativo, até pela simples...

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