Acórdão nº 01053/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução18 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A………. recorreu para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 24.04.14, invocando para o efeito o n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

1.1.

A recorrente apresentou alegações, concluindo, no essencial, quanto ao mérito da acção, do seguinte modo (fls 271 e ss): “D) O MP estribou a sua acção de oposição à aquisição, pela recorrente, da nacionalidade portuguesa no entendimento de que não se verificaria efectiva ligação desta à Comunidade Portuguesa.

  1. O Tribunal de primeira instância entendeu, a nosso ver bem, que cabia ao MP a prova dos elementos que permitissem a não verificação de ligação à comunidade portuguesa, prova essa que, entendeu também o MP não fez, julgando, por tal, improcedente a acção.

  2. O Venerando TCAS, chamado a pronunciar-se acerca da acção, em sede de recurso, anulou a decisão proferida em primeira instância, colhendo o entendimento de que a Recorrente não fizera prova dos elementos comprovativos da efectiva ligação à comunidade portuguesa.

  3. As alterações legislativas ocorridas em 2006, seja as ocorridas com a entrada em vigor da Lei 2/2006, de 17 de Abril (que veio alterar a Lei da Nacionalidade, designadamente no seu artigo 9º), seja as ocorridas com a entrada em vigor do DL 237-A/2006, de 14 de Dezembro (Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, particularmente os artigos 56.º e 57.º deste diploma), alteraram substancialmente o regime anteriormente vigente, acometendo ao MP o ónus da prova da não verificação dos elementos comprovativos de efectiva ligação à Comunidade Portuguesa nas acções por si interpostas a manifestar a oposição à aquisição da nacionalidade.

  4. Nos presentes autos, a lógica da legislação vigente foi invertida, ou simplesmente ignorada, visto que o Conservador não invocou quaisquer factos ao MP passíveis de configurar falta de ligação à Comunidade, o MP na acção não invocou também quaisquer factos a tal propósito, antes se sustentando a acção na alegada insuficiência de prova trazida pela recorrente para comprovar tal ligação. O procedimento seguido foi o que seria de esperar quando estavam em vigor as anteriores redacções dos preceitos atrás citados.

  5. O TCAS, apesar de no passado recente ter proferido diversos e já atrás citados acórdãos no sentido de atribuir ao MP o papel da prova da não ligação à comunidade, nestes autos optou por entendimento diverso, como que ignorando as alterações legislativas ocorridas em 2006, das mesmas não extraindo qualquer consequência interpretativa.

  6. É, permita-se, espantoso para a recorrente constatar a divergência insanável de entendimentos entre o acórdão ora sindicado e um outro, proferido pelo mesmo Tribunal, TCAS, no processo n.º 10893/14, acórdão de 6-3-2014, no qual foi Relatora a mesma Veneranda Desembargadora destes autos.

  7. Com efeito, subscrevendo o entendimento do Professor Rui Manuel Moura Ramos, in Estudos de Direito Português da Nacionalidade, pp. 299 a 309, a aquisição derivada pela mera vontade, como forma de realização do princípio da unidade da nacionalidade familiar, faz-se sem a intervenção conformadora da vontade do Estado, através de uma simples declaração do interessado.

  8. Esta possibilidade tem subjacente a ideia de que todos os membros da família (agregado nuclear constituído pelo casal e pelos filhos) devem ter a mesma nacionalidade, servindo o instituto da oposição à aquisição da nacionalidade para evitar a extensão deste direito às situações de casamentos instrumentalizados, que, durante anos, assolaram o registo civil nacional. Este instituto deverá ser, pois, a excepção e não a regra.

  9. Daí que o legislador tenha decidido atribuir ao MP o ónus da prova da inexistência de elementos comprovativos da ligação efectiva à Comunidade portuguesa, o que ocorrerá em situações pontuais e excepcionais.

  10. Sucede, porém, que a interpretação plasmada no aresto sindicado é totalmente contraditória com este entendimento.

  11. Além do mais, já invocado, verifica-se neste processo uma clara contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação plasmada no acórdão recorrido.

  12. O acórdão recorrido refere que a Recorrente, para prova da ligação efectiva à Comunidade, apenas alegou ter casado com o marido português, ter tido uma filha portuguesa e ter manifestado a vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa. Isto quando na matéria de facto dada por provada constam outros elementos fácticos relevantes, sustentados até em documentos, que o Tribunal a quo deu na fundamentação como não verificados. Além da prova testemunhal arrolada e que foi sendo sucessivamente ignorada pelas várias instâncias, administrativas e judiciais que sobre o caso se debruçaram.

  13. A interpretação propugnada pelo Tribunal a quo, segundo a qual o artigo 9.º, al. a) da Lei da Nacionalidade continua a exigir aos requerentes da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade a prova da sua ligação à comunidade portuguesa, para além de ofender expressamente a Lei da Nacionalidade, padece de inconstitucionalidade por violação do direito constitucional à cidadania - artigos 16.º e 228.º da CRP.

  14. A aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do cônjuge estrangeiro casado com nacional português há mais de três anos é um direito fundamental, a que se aplica o regime do artigo 18.º da Constituição.

  15. À oposição da nacionalidade com base nesse fundamento não pode o Ministério Público oferecer oposição sem que, para tanto, tenha a certeza e tenha provas da indesejabilidade da integração do indivíduo em causa na comunidade nacional.

  16. A oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte desse cônjuge, para mais ainda quando não é sustentada em nenhum elemento concreto, constitui uma manifestação de censura à constituição da própria família concreta, ofendendo também o princípio constitucional do artigo 36º, n.º 3 da CRP, que consagra que «Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política (...)».

  17. A interpretação do artigo 9.º, al. a) da Lei da Nacionalidade no sentido de que o requerente da aquisição da nacionalidade pelo casamento está obrigada a comprovar a sua ligação à comunidade nacional, como efectivamente estava em conformidade com os textos anteriores da Lei e do Regulamento, é inconstitucional, por manifesta violação do artigo 111.º da Constituição da República, na medida em que redunda num expediente de fraude à alteração legislativa, no sentido de manter os mesmos efeitos da norma revogada.

  18. Mais, tendo a alteração legislativa, operada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, sido, em boa parte, justificada pela necessidade de conformação da Lei da Nacionalidade com a Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, aquela interpretação da norma do artigo 9.º, al. a) é também inconstitucional por violação do disposto nos artigos 8.º, 16.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa, que impõem o respeito...

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