Acórdão nº 6145/16.8T8ALM.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelHIGINA CASTELO
Data da Resolução17 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–Relatório: FUNERÁRIA...

, ré no processo indicado à margem em que são autores Paula...

e Sérgio...

, notificada da sentença que julgou a ação parcialmente procedente, proferida em 4 de setembro de 2017, e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.

Os autores tinham intentado a presente ação contra a ré recorrente e dois sócios-gerentes desta pedindo que os réus fossem condenados solidariamente a pagar-lhes a quantia global de € 16.000 (dezasseis mil euros), sendo € 1.500 (mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais e € 14.500 (catorze mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Para tanto alegaram, em síntese, que na qualidade de filhos de A..., falecida a 24 de Março de 2016, celebraram com a 1.ª Ré um contrato de prestação de serviços fúnebres, no âmbito do qual esta se obrigou a transportar o cadáver desde o Hospital Garcia de Orta até às suas instalações e, bem assim, a preparar, arranjar e vestir o corpo, tendo em vista a celebração das exéquias e posterior cremação.

Mais alegaram que a 1.ª Ré não cumpriu integralmente com as obrigações a que se vinculou, considerando que não preparou e vestiu o cadáver, mantendo-o num saco de plástico e impedindo os Autores de abrirem a urna durante o funeral, para tanto justificando que o cadáver continha perigo de infeção e risco para a saúde pública, circunstância que é refutada pelos Autores.

Regularmente citados, os réus contestaram conjuntamente a ação, excecionando a ilegitimidade passiva dos 2.º e 3.º réus, impugnando motivadamente os factos vertidos pelos autores na petição inicial e concluindo pela improcedência da ação.

Os Autores responderam à matéria de exceção, desistindo da instância quanto ao 2.º e 3.º réus, desistência que por estes foi aceite, tendo sido homologada.

Após a audiência final foi a ação julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar aos autores a quantia de € 260 (duzentos e sessenta euros), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento do capital em dívida; e a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios vincendos, computados à taxa supletiva legal de 4% ao ano, desde a data da prolação da presente sentença (04.09.2017) até efetivo e integral pagamento; tendo sido absolvida do demais peticionado.

Com esta sentença não se conforma a ré, que dela interpõe o presente recurso.

A recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo: «Da ilegitimidade dos Autores i.

– Do apurado em julgamento ressalta, essencialmente e cabalmente, que os Autores não lograram provar, conforme lhes competia, terem contratado e formalizado em seu nome os serviços funerários, facto que nunca foi aceite pela aqui Recorrente.

ii.

– Pelo que é clarividente que se encontra incorretamente apreciada e julgada a questão da legitimidade dos AA que a Ré submeteu expressamente à apreciação e foi levada a tema da prova.

iii.

– Já que sindicada a sentença e perscrutada a prova não têm os Autores – de facto ou de direito – legitimidade para invocar efeitos derivados de um contrato do qual não foram contraentes, cujo ónus da prova lhes caberia.

iv.

– Consequentemente deverá ser levado aos factos provados Nº 8 Que dia 24 de Março de 2016, a primeira autora contactou a Ré, na qualidade de filha e em representação do seu pai L..., cônjuge sobrevivo, solicitando a prestação de serviços àquele, relativos à organização e realização do velório de A..., incluindo a obtenção de documentação, remoção do cadáver do Hospital Garcia de Orta e transporte para as exéquias fúnebres, preparação do cadáver com o objetivo de ser limpo e vestido e encerrado em caixão de madeira e cremação do corpo.

Nº 9.

Em consequência das indicações da primeira Autora, o contrato foi estabelecido entre L... e a Ré, que emitiu todos os documentos oficiais em nome do cliente e cônjuge sobrevivo L..., e recebeu deste em contrapartida dos serviços mencionados em 8) a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

v.

– Ora, sendo a ilegitimidade das partes, uma exceção dilatória, ou seja, uma deficiência do processo que obsta a que o tribunal conheça do mérito, deverá a sentença ser revogada e substituída por decisão que determine a absolvição da instância (art. 288º e 493º do CPC); Do incumprimento contratual vi.

– Sem conceder, o presente recurso é igualmente interposto com impugnação da matéria de facto e reapreciação da prova gravada, por subsistirem contradições e ambiguidades que tornam a decisão ininteligível, na parte em que atento o acervo da factualidade dada como provada, julga que a Ré incorreu em incumprimento parcial, porquanto assumiu a obrigação de preparar o cadáver (na vertente de limpar e vestir) e não executou tal prestação, tendo a urna permanecida fechada durante as exéquias fúnebres, porquanto tout court se provou que o manuseamento e exposição aeróbica do cadáver em urna aberta durante a celebração das exéquias fúnebres não acarretava (na realidade) risco de contaminação para a coletividade e perigo para a saúde pública [cfr. facto E)] ainda que o cadáver tivesse sido entregue acompanhado de um cartão a indicar RISCO BIOLÓGICO: SIM X AGENTE: ESTAFILOCOS E PSEUDENOMAS INFECTADO [CFR facto 12)] e ainda que a Ré tenha informado que devido à informação do cartão, que o cadáver poderia ser vestido e manuseado, bem como a urna ser aberta durante a celebração das exéquias fúnebres, caso os Demandantes obtivessem junto do Hospital Garcia de Orta uma declaração médica a permitir expressamente a preparação do cadáver e a abertura da urna. [cfr. facto 19] vii.

– Ora, devidamente reapreciada a prova, não pode deixar de se concluir que: a)- o referido cartão não indicava o nível de risco ou grupo dos mencionados agentes biológicos; b)- os agentes biológicos estafilococos (Staphylococcus) e pseudomonas são reconhecidamente infeciosos para o ser humano e constam da Lista dos agentes biológicos classificados nos grupos 2, 3 e 4 anexo à Portaria nº 1036/98 de 15 de Dezembro; c)- os funcionários da ré receberam indicação do funcionário da casa mortuária para vestirem luvas, máscaras, e bata. (o que só acontece quando efetivamente há um risco biológico que impeça o manuseamento do cadáver); d)- à data dos factos, os médicos do Hospital Garcia de Orta não faziam constar qualquer anexo às guias de transporte de cadáveres infetados e/ou com risco biológico; e)- as Funerárias guiarem-se também em matéria de proteção e segurança pelas informações insertas nos cartões de óbito; f)- não terem as funerárias acesso ao certificado de óbito eletrónico; viii.– Concomitantemente levando-se aos factos provados: que os AA não contactaram nem se dirigiram ao Hospital Garcia de Orta por forma a obter esclarecimentos que apenas aos próprios seria facultada, a fim de obter um outro documento hospitalar que assegurasse que o corpo podia ser manuseado e exposto sem cautelas.

ix.– E consequentemente concluindo-se que recairia obviamente sobre os familiares, a obrigação de obterem declaração médica que expressamente clarificasse que o cadáver podia ser preparado e a urna aberta (derrogando o dever de zelo que no caso se fazia sentir) uma vez que se trataria de informação que só pelos mesmos poderia ser obtida.

Sem conceder, x.– Atenta a matéria provada a sentença enferma de erros de julgamento já que é insofismável que 1) o cadáver foi entregue com indicação de risco biológico, 2) que a Ré não tem acesso a informações clínicas confidenciais, 3) e que solicitou a entrega de uma declaração médica (que podia ter sido obtida em tempo útil) pelo que a conclusão retirada pelo Tribunal de que a Ré incorreu em incumprimento parcial é incompreensível e manifestamente errada.

xi.– Já que naquelas circunstâncias: entrega do corpo com um cartão de óbito a indicar risco biológico com agentes de grupo de risco 2, 3, e 4, fazendo apelo a critérios de boa-fé, de experiência e de razoabilidade, mostra-se legitimada a cautela da Ré em não manusear/vestir o cadáver, informando que a urna deveria permanecer fechada, não a fazendo, por isso, incorrer em incumprimento por não ter preparado o cadáver.

xii.– Relevando e não podendo de se deixar de ter em conta a inércia dos familiares na obtenção de esclarecimentos junto do Hospital Garcia de Orta, que devendo e podendo fazê-lo, contribuíram para a desconformidade contratual, provocada única e exclusivamente pela errada informação que o Hospital fez constar do dito cartão de óbito.

xiii.– E assim será porque nos presentes autos a Ré demonstrou que não vestiu o cadáver, porque o mesmo foi entregue com uma informação de risco biológico e se limitou a cumprir os procedimentos habituais.

xiv.– De facto, a Ré provou que esse incumprimento não derivou de culpa sua, que foi cautelosa e usou do devido zelo, em face das circunstâncias concretas do caso, tal como faria uma pessoa, normalmente, diligente.

xv.– Tendo indubitavelmente afastado a presunção de culpa quando demonstrou que o incumprimento da prestação não derivou de culpa sua, posto que foi devido a falta de terceiro (no caso ao Hospital Garcia de Orta) que fez constar uma informação errada/imprecisa no cartão de óbito.

xvi.

– Para cuja consequência concorreu igualmente a conduta omissiva dos familiares, que devidamente informados e interpelados, não obtiveram em tempo útil esclarecimentos ou declaração médica a derrogar as medidas cautelares que se impunham perante aquela informação de risco biológico.

xvii.– Não sendo despiciente convocar que ou há risco ou não há, e que um corpo pode estar infetado sem risco biológico. (como se veio a revelar ser o caso da mãe dos AA) xviii.– Pelo que...

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