Acórdão nº 01201/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução14 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 133/2014-T 1. RELATÓRIO 1.1 A………. (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD em 29 de Setembro de 2014 no processo n.º 133/2014-T, invocando contradição entre essa decisão e o acórdão (fundamento) da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Março de 2007, proferido no processo n.º 982/06, relativamente à questão que enunciou nos seguintes termos: «

  1. Da inaplicabilidade do art. 3.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) às gratificações atribuídas ao sujeito passivo em razão da prestação do seu trabalho, e não atribuídas pela entidade patronal, devendo qualificar-se as mesmas como rendimentos da categoria A.

  2. Por consequência, da aplicabilidade do n.º 3 do art. 2.º do CIRS, que considera rendimentos do trabalho dependente proventos que não se consubstanciam, explicitamente, em remuneração de trabalho prestado, mas que têm relação com ele, por ser a existência de uma prestação de trabalho que proporciona as condições para tais rendimentos serem auferidos».

    1.2 O Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Aqui como adiante, porque usaremos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão em tipo normal.

    ): «1. Como consta expressamente dos factos dados por provados, o Recorrente é trabalhador da sociedade comercial B………, Lda., empresa que se dedica ao comércio por grosso e a retalho de bebidas.

    1. Não se alegou, e não se provou, que o Recorrente desempenhasse qualquer outra actividade profissional – ou seja, que praticasse quaisquer outros actos materiais ou jurídicos com o objectivo de obter um proveito económico – senão aquela que realiza no âmbito do supra referido contrato de trabalho, ou seja, no interesse, às ordens e sob a supervisão exclusiva daquela sua empregadora, e integrado na sua organização, recebendo, em contrapartida, uma retribuição, subsídio de refeição, ajudas de custo, comissões e prémios de desempenho.

    2. Provou-se que o Recorrente, no seu horário de trabalho, e no exercício da sua prestação laboral – e como lhe compete por força da sua categoria profissional e das instruções dadas pela sua empregadora – visita restaurantes, bares, hotéis e discotecas, com vista a, nesses locais, promover e/ou acordar, com os donos desses estabelecimentos, a venda a estes, de bebidas armazenadas e comercializadas pela sua empregadora, ou seja, daquelas bebidas que a sua empregadora adquire aos seus fornecedores para revenda aos respectivos clientes, com fins lucrativos, e de que dispõe em armazém.

    3. Provou-se, também, que os fornecedores da sua empregadora, nomeadamente as sociedades “C……..”, “D……..” e “E……….”, com o fim de incrementar e incentivar as vendas dos seus diversos produtos, propuseram à sociedade comercial B………, Lda. que lhes indicasse quais os seus trabalhadores que exercem o tipo de funções desempenhadas pelo Recorrente, propondo-se atribuir-lhes “prémios” para, nos casos acima referidos, estes efectuarem aos clientes da empregadora do Recorrente, e nas circunstâncias acima referidas, recomendações de consumo, de entre a gama de produtos vendidos por cada um daqueles fornecedores à empregadora do Recorrente.

    4. Provou-se que a empregadora do Recorrente indicou a esses seus fornecedores o nome do Recorrente como potencial destinatário desses “prémios”, oferecidos por aquelas, tendo assim, o Recorrente, a solicitação e por indicação da sua empregadora, passado a recomendar aos clientes da sua empregadora, no exercício da sua actividade laboral, que comprassem à sua empregadora produtos de determinadas marcas que a empregadora do ora Recorrente tinha adquirido àqueles seus supra referidos fornecedores.

    5. E provou-se que, em resultado do incremento das vendas dos sobreditos fornecedores da sua empregadora, resultantes das recomendações de consumo efectuadas pelo Recorrente, no exercício da sua prestação de trabalho, e em benefício directo desta – pois os bens vendidos por efeito das recomendações do Recorrente eram da sua empregadora e o correspondente preço foi recebido por esta – veio o Recorrente a receber diversas quantias em dinheiro, pagas pelo referidos fornecedores da sua empregadora, nos anos de 2009 a 2012, de cujo recebimento deu, para efeitos fiscais, a competente quitação.

    6. Não se provou que o Recorrente se tenha obrigado perante os fornecedores da sua empregadora a qualquer prestação, seja de meios, seja de resultado; não se provou que o Recorrente tenha outorgado, com aqueles, qualquer contrato; não se provou que o Recorrente tenha alguma vez invocado [(Permitimo-nos aqui corrigir o manifesto lapso de escrita.

      )], perante os fornecedores da sua empregadora, qualquer direito, ou sequer, que o Recorrente entenda dispor do direito a exigir daqueles as referidas gratificações, caso, por qualquer razão, estes entenderem não lhas entregar.

    7. Considerada a matéria provada, os valores em apreço, (i) por se tratarem de gratificações (“Pagamento adicional, não condicionado à obrigação contratual, concedido a um funcionário como manifestação de gratidão em relação à sua colaboração ou como prémio aos resultados do seu trabalho” in Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Lisboa 2005); (ii) por serem atribuídas ao Recorrente por fornecedores da sua empregadora, em razão, e por efeito directo, exclusivo e necessário, de resultados obtidos por este por efeito da prestação de trabalho realizada, por este, para a sua empregadora, e (iii) por força da qualificação injuntiva dessa actividade do Recorrente como trabalho dependente, nos termos do art. 12.º do Código de Trabalho, são necessariamente enquadradas como rendimentos da categoria “A” (trabalho dependente), nos termos expressamente previstos na al. g) do n.º 3 do art. 2.º do Código do IRS.

    8. Porém, a douta decisão recorrida, com fundamento no facto de existir uma relação directa entre o aumento das vendas das entidades fornecedoras de bebidas e os prémios recebidos, e de estes não terem o “carácter de liberalidade e ocasionalidade que caracteriza as chamadas gratificações” (sic) enquadrou o supra referido rendimento no âmbito da categoria “B” do IRS, ou seja, como um rendimento “empresarial” ou “profissional”.

    9. Tal fundamentação manifestou, por um lado, uma incompreensão pelo objecto jurídico do processo, pois, naturalmente, a relação entre incremento de vendas das entidades que pagaram a gratificação e o respectivo recebimento nunca foi posta em causa, poios resulta da própria noção de “gratificação” que mesma só existe quando tais resultados existam e, por outro lado, uma inexplicável redução do âmbito semântico e jurídico do termo “gratificação”.

    10. Ao omitir da sua apreciação o facto provado de os rendimentos resultarem por inteiro de actos materiais praticados pelo Recorrente no exercício da sua actividade profissional e no interesse directo da sua empregadora, a decisão recorrida não acolhe a jurisprudência do acórdão do STA, datado de 12.10.2005, no âmbito do Processo n.º 0725/05, e de 21.03.2007, no âmbito do processo n.º 0928/06, ambas pela 2.ª Secção do Contencioso Tributário [(Permitimo-nos aqui corrigir o manifesto lapso de escrita.

      )], que a propósito da mesma questão de Direito haviam decidido que “no n.º 3 do art. 2.º do Código do IRS consideram-se como rendimentos do trabalho dependente proventos que não se consubstanciam, explicitamente, em remuneração de trabalho prestado, mas que têm relação com ele, por ser a existência de uma prestação de trabalho que proporciona as condições para tais rendimentos serem auferidos” e que “as gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela entidade patronal”, previstas na alínea g^) do n.º 3 do art. 2.º do CIRC, “representam para quem as aufere um benefício patrimonial real e é a prestação do trabalho (…) que permite que elas sejam auferidas”, referindo ainda que “a fórmula utilizada na alínea h) do n.º 3 do art. 2.º do C.I.R.S. [actual alínea g)] é susceptível de abranger as gratificações atribuídas a quaisquer trabalhadores e não apenas aos das salas de jogos”».

    11. A contradição com a jurisprudência dos doutos arestos supra citados é assumida expressamente pela decisão recorrida, que, primeiro qualifica (vd. fls. 9) tal jurisprudência (que cita) como “tendo subjacente uma particular situação de trabalhadores” – tentando, por essa via, sugerir que a mesma não é transponível para quem não trabalhe em salas de jogos e/ou que a alínea g) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS, se destina apenas a tributar esses rendimentos (contrariando expressamente o douto aresto supra citado e indo ao encontro da posição oposta, que entendia que a referida norma era inconstitucional); e, de seguida, sem qualquer suporte, seja nos arestos em apreço, seja num dicionário, enuncia que “as gratificações que vimos sinalizando, consideradas face ao disposto na alínea g) do art. 2.º do CIRS como rendimentos do trabalho dependente deverão entender-se como meras liberalidades” e “têm subjacentes actos de simpatia” , não podendo ser concedidas “em função de um determinado resultado”.

    12. Estamos, assim, perante uma manifesta contradição entre decisões numa questão essencial de Direito, com duas soluções jurídicas diferentes, aplicadas à mesma questão de Direito, e no âmbito da mesma legislação: Uma – a jurisprudência desse Tribunal – que entende que “no n.º 3 do art. 2.º do Código do IRS consideram-se como rendimentos do trabalho dependente proventos que não se consubstanciam...

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