Acórdão nº 01313/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução14 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.

A………, SA, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 15/05/2014, no processo que aí correu termos sob o n.º 07369/14.

1.2.

Termina as alegações formulando as Conclusões seguintes: 1.ª Em 15 de março de 2010, a ora RECORRENTE deduziu Impugnação Judicial contra os atos concretizados no apuramento dos montantes de € 312.144,82, relativamente ao mês de setembro de 2009, de € 312.812,90, relativamente ao mês de outubro de 2009, de € 628.836,06, relativamente ao mês de novembro de 2009 e, por último, de € 317.292,39, relativamente ao mês de dezembro de 2009, devidos a título da contribuição devida à CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P. («CGA»), prevista no n.º 3 do artigo 6.º-A, do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro (Estatuto da Aposentação), tal como aditado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009).

  1. Neste contexto, o Tribunal Tributário de 1.ª instância veio declarar-se materialmente incompetente para apreciar os pedidos oportunamente formulados pela RECORRENTE, sufragando, para o efeito, em síntese, que “Reportando-se o pedido da Impugnante a atos administrativos que pressupõem uma relação jurídico administrativa e não, como alega, a atos tributários, este Tribunal não dispõe de competência para conhecer do pedido [cf. alínea a) do n.º 1 do art. 49.º do ETAF a contrario sensu], ou sequer de outras questões prévias, designadamente referentes à correta forma de processo, sobrepondo-se logicamente a questão da (in)competência material a qualquer outra indagação de natureza formal”.

  2. Inconformada com aquela decisão, a RECORRENTE interpôs recurso jurisdicional para o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, o qual veio confirmar a decisão de incompetência material da jurisdição tributária para apreciar a validade dos atos de apuramento de contribuições para a CGA através do Acórdão notificado à RECORRENTE no passado dia 19 de Maio de 2014, onde aquele Tribunal entendeu, em suma, que os atos de apuramento das contribuições devidas pela ora RECORRENTE à CGA, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º-A Estatuto da Aposentação, não consubstanciam atos de natureza tributária, mas, tão-somente, atos de natureza administrativa, sendo a jurisdição tributária consequentemente incompetente para a apreciação da sua (i)legalidade.

  3. Perante o contexto que ficou traçado nos pontos antecedentes perfila-se, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, a questão que se impõe submeter à apreciação do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO no âmbito do presente recurso de revista: qual a natureza – tributária ou meramente administrativa – dos atos de apuramento de contribuições para a CGA? 5.ª A este propósito – e antecipando as conclusões que demonstrará aprofundadamente de seguida –, entende a RECORRENTE que as contribuições para a CGA assumem natureza tributária, atento o seu caráter unilateral e coativo, destinado a financiar despesas públicas; pelo contrário, tanto o Tribunal Tributário de 1.ª instância, como o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – no Acórdão aqui recorrido –, entenderam que tais contribuições assumem natureza meramente administrativa, razão pela qual a jurisdição tributária seria materialmente incompetente para a sua apreciação.

  4. Por seu turno, e já quanto aos requisitos de admissibilidade do presente recurso de revista, sublinha-se que uma resposta cabal à questão enunciada pela RECORRENTE não se encontra, ainda, sedimentada na jurisprudência tributária, o que se demonstra, inequivocamente, pela querela interpretativa em causa nos presentes Autos. Acresce ao anterior que a clarificação da natureza das contribuições para a CGA é essencial para a correta identificação da jurisdição competente para a sua apreciação, pelo que o entendimento que vier a ser sufragado pelo presente SUPREMO TRIBUNAL permitirá não só esclarecer a jurisdição competente no caso concreto da RECORRENTE, mas igualmente em todas as outras situações em que esteja (ou venha a estar) em causa a apreciação da (i)legalidade de contribuições para a CGA.

  5. O mesmo é dizer, portanto, que se encontram preenchidos os requisitos fixados pelo artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos para a admissão do presente recurso de revista, na medida em que a clarificação jurisprudencial da dúvida suscitada não só contribuirá para o esclarecimento de uma questão de evidente repetição social (i.e.

    , uma questão suscetível de se repetir sempre que esteja em causa a apreciação da legalidade de contribuições para a CGA), como, de igual forma, será suscetível de promover, salvo melhor opinião, uma melhor aplicação do direito, permitindo uma clara identificação, no futuro, dos meios de reação ao dispor dos contribuintes para sindicar a validade de tais contribuições.

  6. Prosseguindo com a análise da natureza das contribuições para a CGA, sublinha-se a título preliminar que, historicamente, a par do regime geral de segurança social que cobre a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem, sempre se manteve um sistema de proteção social autónomo aplicável ao funcionalismo público, sistema este que tem por responsável a CGA. Não obstante ambos os regimes previdenciais — tanto público, como privado – partilharem, atualmente, uma lógica comum, impõe-se destacar que a principal diferença entre ambos residia, fundamentalmente, no facto de o regime de proteção previdencial da função pública não exigir, como regra, uma contribuição do empregador, assentando as receitas da CGA, essencialmente, nas quotizações dos subscritores e na contribuição do Estado (pelo contrário, o financiamento do regime geral de segurança social assentou, desde o seu início, quer no pagamento de contribuições por parte do empregador, quer no pagamento de cotizações por parte do trabalhador).

  7. Contudo, o método de financiamento do regime previdencial público gerido pela CGA foi acumulando, de forma progressiva, um défice de financiamento, referindo-se no Parecer n.º 12/2003, da Procuradoria-Geral da República, que “Na verdade, o crescente agravamento do desequilíbrio financeiro da Caixa motivou a procura de soluções alternativas para a questão do seu financiamento (como, aliás, da segurança social em geral)” (cf. Parecer n.º 12/2003, da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, II Série, de 5 de Agosto de 2004). Assim, “[n]um primeiro momento foram adotadas medidas corretoras de vária ordem, destacando-se a instituição da “contribuição obrigatória das Câmaras Municipais e outros serviços autónomos, na qualidade de entidades patronais”, e, num segundo, “com vista a alcançar os princípios da universalidade e da proporcionalidade na comparticipação da Administração Pública para o financiamento dos sistemas de aposentação e sobrevivência dos seus funcionários e agentes, a partir da entrada em vigor do Orçamento do Estado para 1989, todas as autarquias locais e respetivos serviços municipalizados, bem como todos os serviços e organismos da administração pública regional passaram a contribuir, para a Caixa Geral de Aposentações e para o Montepio dos Servidores do Estado, sem prejuízo das quotizações a cargo daqueles trabalhadores” (cf. Parecer n.º 12/2003, da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, II Série, de 5 de agosto de 2004). Neste contexto, e “na ausência de uma regra geral aplicável às diversas situações [contributivas para a CGA], o legislador tem [ainda] procedido à imposição pontual e casuística daquela obrigação, nos respetivos diplomas orgânicos ou estatutários, utilizando uma técnica legislativa não uniforme” (cf. Parecer n.º 12/2003, da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, II Série, de 5 de agosto de 2004).

  8. Ora, foi precisamente no indicado contexto de financiamento deficitário do sistema público de proteção social gerido pela CGA que o n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), veio consagrar, ex novo, a obrigação, “para entidades com pessoal relativamente ao qual a CGA, I.P., seja responsável unicamente pelo encargo com pensões de sobrevivência”, de contribuir para a CGA com um montante igual a 3,75% da remuneração do pessoal sujeita a desconto de quota. Esta obrigação contributiva manteve-se em 2008, tendo sido reproduzida no n.º 3 do artigo 18.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2008). Já no ano de 2009, esta mesma obrigação foi transposta para o n.º 3 do artigo 6.º-A do Estatuto da Aposentação (diploma que regula o regime de inscrição na CGA bem como o método de atribuição, e respetivo cálculo, das pensões de aposentação aos seus beneficiários), pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009).

  9. Decorre, pois, da evolução histórica do regime de proteção social público gerido pela CGA, que a ratio legis do n.º 3 do artigo 6.º-A do Estatuto da Aposentação (norma ao abrigo da qual foram exigidas à ora RECORRENTE as contribuições objeto dos presentes Autos) assenta, fundamentalmente – senão, mesmo, exclusivamente –, num propósito de financiar o regime previdencial público gerido pela CGA; por outras palavras.

  10. Perante o escopo contributivo subjacente ao n.º 3 do artigo 6.º-A do Estatuto da Aposentação, similar, portanto, ao das restantes contribuições previdenciais ou para a segurança social (igualmente destinadas a financiar o regime público de proteção social aplicável aos trabalhadores por conta de outrem), impõe-se então averiguar a natureza das contribuições para a CGA à luz do enquadramento que se tem vindo a consolidar, quer na doutrina, quer na jurisprudência, quanto às contribuições para a segurança social.

  11. Neste domínio, transcreve-se a seguinte – lapidar – observação feita pelo...

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