Acórdão nº 0186/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução18 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – A………… SA, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a reclamação por ela deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa que indeferiu o pedido de levantamento das penhoras e hipotecas efectuadas no âmbito do processo de execução fiscal nº 3336201101085840.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «I - Foram instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa 6 vários processos executivos melhor identificados nos autos, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, IRC e IRS, COIMAS e IMI, que totalizam € 1.057.603,72, a que acrescem juros e custas.

II - O Serviço de Finanças supra, efectuou hipotecas legais, sobre imóveis que são propriedade da recorrente, até ao valor de € 1.062.124,13 III - No Tribunal de Comércio de Lisboa foi instaurado um Plano Especial de Revitalização por parte da recorrente, o qual deu entrada, correndo seus termos sob o n° 406/13.5 TYLSB - 2° Juízo.

IV - A Autoridade Tributária participou nas negociações a elas aderiu e votou-o inclusive favoravelmente, concordando com a dispensa de garantia.

V - No PER foi aprovado e ficou expressamente consignado que à recorrente seria permitida a dispensa de garantia ao abrigo do artigo 52° n° 4 da LGT e do artigo 170° do CPPT.

VI - O “thema decidendum” prende-se com a legalidade da decisão de não levantar as penhoras e hipotecas legais, consumadas antes da homologação do PER.

VII - O despacho de 1410312014, proferido pela Autoridade Tributária, contendo a decisão de conservar as garantias constituídas unilateralmente, apesar do Plano homologado judicialmente, e por si votado favoravelmente, contemplar a dispensa de garantia é ilegal.

VIII - A sentença do Tribunal “a quo” que entende que por serem anteriores à homologação do PER, as garantias constituídas não devem ser levantadas não pode pois permanecer na ordem jurídica é ilegal.

IX - A decisão violou o regime de fundamentação dos actos tributários, preconizado no artigo 77° da LGT com os efeitos daí decorrentes.

X - Não se vislumbra dos autos o iter cognoscitivo seguido pela Autoridade Tributária, que razão de ciência, de experiência, permite aferir donde se retira a conclusão que não devem ser levantadas as garantias, apesar do PER o prever taxativamente.

XI - Do despacho ora em crise ressalta a insuficiência e incoerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão na perspectiva do homem médio e num juízo de prognose, como é que anuindo à dispensa de garantia no âmbito dum Plano que votou favoravelmente, a Autoridade Tributária as mantém, desrespeitando a compromisso por si assumido.

XII - O Processo Especial de Revitalização, introduzido no CIRE pela Lei 16/2012, de 20 de Abril tem por fim a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa e cuja eficácia pressupõe a respectiva aprovação por uma maioria qualificada de créditos que torne o acordo vinculativo para a generalidade dos credores.

XIII - Com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, se alterou o paradigma, passando a integrar como objectivo principal o da possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação.

XIV - A Autoridade Tributária deve intervir activamente no PER, participar dos sacrifícios e fazer parte integrante da solução, votada á recuperação do devedor e à sua manutenção no giro comercial, e não que coarcte as legítimas expectativas de ver concretizada a sua revitalização.

XV - Sem embargo, o princípio da igualdade dos(Sic.) nada impede a possibilidade de se estabelecerem diferenciações desde que não exista arbitrariedade.

XVI - Atendendo aos fins que o PER se propõe alcançar, seria desproporcional que este fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal, tendo sido, por esse motivo, alargado o número de prestações admitido no âmbito deste até às 150 (cento e cinquenta), conforme o disposto no n.º 6 do artigo 196.º do CPPT.

XVII - A supremacia do PER face ao processo de execução fiscal, traduz-se na aplicação do Plano Homologado, que prevê a dispensa de garantia para pagamento das dívidas tributárias.

XVIII - Se o Plano não admite garantias, dispensa-as, as que unilateralmente foram constituídas têm de ser extintas, sob pena de não ser respeitado o Plano com crivo judicial de aprovação.

XIX - A dispensa de garantia configura no ordenamento tributário português, uma dupla vertente, implicando por um lado a escusa da sua prestação a partir da data em que se verificam os pressupostos da dispensa, e por outro o levantamento das garantias que anteriormente foram feitas seja a que titulo.

XX - No CPPT estabelece-se uma dicotomia em sede de garantias ou há dispensa ou garantia, não admitindo a norma dispensa e manutenção de garantia em simultâneo, excepto, quando seja prestada garantia parcial e se dispense apenas a garantia remanescente.

XXI - Não consta expressamente nem implicitamente do PER, que as garantias já prestadas se devem manter.

XXII - A Autoridade Tributária ao aderir aos condicionalismos do Plano, que prescinde das garantias, deve ter como implícito que as mesmas não podem subsistir, sob pena de se violar o princípio da igualdade plasmado no artigo 194.° do CIRE.

XXIII - O princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência.

XXIV- A par do princípio da igualdade, surge o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio co-envolvidos na actuação fundada na legalidade do exercício de direitos e deveres.

XXV - A recorrente necessita de ter os seus bens livres de ónus ou encargos, para poder cumprir o Plano.

XXVI - Ao não serem levantadas as garantias o próprio PER será um malogro e a recorrente entrará indubitavelmente em insolvência, por impossibilidade absoluta de cumprimento do mesmo.

XXVII - A deliberação de homologação, assente no Plano de Recuperação, que tem subjacente um Plano de Negócios, trave mestra demonstrativa da viabilidade da empresa, obriga a Autoridade Tributária, nos exactos termos estipulados nesse Plano.

XXVIII - O Plano de Recuperação, o qual não será despiciendo frisar, reveste conteúdo judicial e vincula terceiros após o seu trânsito em julgado, nos mesmos moldes do que uma sentença.

XXIX - A Autoridade Tributária ao recusar a dispensa de garantia, em clara violação de decisão judicial que faz parte integrante do presente Plano de Recuperação, está a impelir a recorrente para a insolvência por inviabilização culposa do próprio PER.

XXX- Ao pretender manter uma garantia que conseguiu coercivamente obter em momento anterior à aprovação do PER, a Autoridade Tributária está a violar o princípio da igualdade.

XXXI - A Autoridade Tributária anuído ao Plano o mesmo é eficaz, no que a si concerne, o que implica legalmente “in casu”, o levantamento das penhoras e dos ónus a favor da Autoridade Tributária.» 2 – A Fazenda Pública não contra alegou.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer, com a seguinte fundamentação, que, na parte mais relevante se transcreve: «(…) Apreciando a questão da falta de fundamentação da decisão da AT de indeferimento do levantamento das penhoras e hipotecas o Mmo. Juiz “a quo” considerou que na referida decisão “são descritos os factos, enunciados os princípios de direito entendidos como aplicáveis e expostas as razões que motivaram a decisão, tendo o reclamante apreendido os motivos da decisão, ainda que deles venha discordar”. E citando o Prof. Vieira de Andrade (in ”O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”), considerou que “para avaliar da correcção formal do acto, não está em causa a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão”.

E afigura-se-nos que nada há a censurar nesta parte à decisão recorrida. Com efeito e ao contrário do que alega a recorrente são perceptíveis os motivos que subjazem à decisão da AT e que estão patentes na informação dos Serviços que serve de suporte à decisão em causa. Outra coisa, como se refere na decisão recorrida, é concordar com esses fundamentos e nesta parte é patente a discordância da recorrente.

Daí que importe analisar as razões dessa discordância, o que nos leva a apreciar a segunda questão colocada pela recorrente e que consiste em saber se decisão de manter as garantias constituídas anteriormente à homologação do plano especial de revitalização (PER) por parte da AT e não levantar as hipotecas constituídas sobre os imóveis pertença da insolvente é ou não ilegal, por violar o plano de insolvência homologado por sentença.

A este propósito na sentença recorrida considerou-se que “… a manutenção das penhoras e hipotecas legais cujo levantamento foi peticionado pela reclamante não contende com o teor do plano de recuperação aprovado, pois nele não se prevê, expressa ou implicitamente, que as penhoras e hipotecas legais efectuadas no âmbito dos processos de execução fiscal tenham de ser levantadas e canceladas”. E acrescentou-se em reforço desta asserção: “… a dispensa de garantia não implica a extinção das garantias anteriormente prestadas, porquanto, mantendo-se os processos de execução fiscal pendentes - ainda que suspensos durante o cumprimento do plano de recuperação - as penhoras e hipotecas legais anteriormente constituídas destinar-se-ão a garantir o pagamento das dívidas fiscais, em caso, por exemplo, de incumprimento do referido plano”.

3.2 Da sentença recorrida resulta que o plano de revitalização prevê entre outras as medidas a redução dos créditos por perdão e moratória, sendo que a Fazenda Nacional viu os juros de mora vencidos reduzidos em 80% e ser dispensada a garantia dos créditos “ao abrigo do nº4 do artigo 52º da Lei Geral Tributária e do nº1 do...

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