Acórdão nº 0239/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | COSTA REIS |
Data da Resolução | 26 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A……………, L.da e outros intentaram, no TAF de Loulé, acção administrativa especial contra, entre outros, a Comissão do Campeonato do 10.º Sport TV/Caixa Geral de Depósitos World Corporate Golf Challenge e a Direcção da Federação Portuguesas de Golf, onde formularam os seguintes pedidos: “1- A anulação e declaração de nulidade de todas as decisões deliberações, omissões, comportamento e actos praticados pelos RR tendo em conta os fundamentos acima expostos, com todas as consequências legais daí resultantes, e nomeadamente: 2) De se anularem os resultados do Torneio de Golfe – 100 Sport TV/Caixa Geral de Depósitos World Corporate Golf Challenge - Fase Regional de Qualificação - Sul, do ano de 2007, realizado no dia 20/07/2007, no campo de Golfe da Quinta da Ria; 3) De se anularem os resultados no Torneio de Golfe 10° Sport TV/Caixa Geral de Depósitos World Corporate Golf Challenge - Final Regional Sul, do ano de 2007, realizado no dia 23/09/2007, no campo de Golfe da Quinta de Cima; 4) De se anularem os resultados no Torneio de Golfe 10° Sport TV/Caixa Geral de Depósitos World Corporate Golf Challenge - Final Nacional, do ano de 2007, realizado nos dias 10 e 11/11/2007, no campo de Golfe de Porto Santo; 5) De se anularem os resultados no Torneio de Golfe 10° Sport TV/Caixa Geral de Depósitos World Corporate Golf Challenge - Final Mundial, que os Autores desconhecem onde esta final se realizou, por não terem recebido informação sobre a mesma; 6) Condenarem-se as 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5.º Réus nesta acção, a organizarem um outro Torneio de Golfe com as mesmas equipas concorrentes incluindo também a Autora, para disputarem a Fase Regional de Qualificação - Sul, do ano de 2007, em substituição do realizado no dia 20/07/2007; 7) Condenarem-se as 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4ª, e 5° Réus nesta acção, a organizarem a Final Regional Sul, do ano de 2007, em substituição do realizado no dia 23/09/2007, no campo de Golfe da Quinta de Cima, em que estarão presentes as equipas que conseguirem classificarem-se no torneio da qualificação, referido no nº anterior, e de acordo com o regulamento; 8) Condenarem-se as 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5° Réus nesta acção, a organizarem a Final Nacional, do ano de 2007, em substituição da realizada nos dias 10 e 11/11/2007, no campo de Golfe de Porto Santo, em que estarão presentes as equipas que conseguirem classificarem-se, no torneio da qualificação, referido no n.º anterior, e as que obtiveram a classificação nas diversas regiões do país, de acordo com o regulamento; 9) Condenarem-se as 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4 e 5°, Réus nesta acção, a organizarem a Final Mundial, do ano de 2007, em substituição da realizada - não se conhece os dias em que se realizou, mas que as Rés terão de informar nos autos quais os dias, em que estará presente a equipa que conseguir classificar-se, no torneio da qualificação, referido no n.º anterior, e as que obtiveram a classificação nos diversos países, de acordo com o regulamento; 10) Anularem-se todos os resultados obtidos em torneios realizados após a realização do Torneio que deu causa a esta acção, nomeadamente o que foram realizados no Algarve para apuramento das Fase Regional e Final Regional, das equipas que disputaram estas fases, para apuramento da Final Mundial; 11) Repetindo-se a final Nacional, no Campo de Golfe de Porto Santo, na Ilha de Porto Santo, para apuramento da equipa que representará Portugal na final Mundial; 12) O vencedor do Torneio em que se disputa a final Nacional, representará Portugal na final Mundial, tudo de acordo com o regulamento da prova; 13) Condenarem-se todos os Réus nesta acção, a suportarem solidariamente todos os custos, com a repetição dos torneios, e o mesmo será jogado de acordo com o regulamento, pois foram todos os Réus que deram causa a esta acção, ao não decidirem as questões apresentadas pelos Autores, de forma atempada e de forma a que ant da realização das provas, tivessem sido decididas todas questões, que não permitiram que a Autora e os Autores tivessem estado presentes na prova.
4) Condenarem-se as Rés nas custas da acção." O TAF de Loulé julgou-se materialmente incompetente para julgar esta acção e, em consequência, absolveu os RR da instância por considerar que “a matéria trazida aos autos é uma questão estritamente desportiva, fora da competência material deste Tribunal. Além disso os Autores pretendem impugnar decisões não só da FPG como também de pessoas e entidades que não pertencem à Administração Pública, logo não poderão ser apreciadas por este Tribunal, cuja competência material é definida no art.º 4.º do ETAF.” Os Autores recorreram dessa decisão para o TCA Sul, mas sem êxito já que este com a fundamentação que a seguir se transcreve negou provimento ao recurso.
“A questão única trazida a recurso consiste em saber se o objecto da causa é subsumível no conceito de “questão estritamente desportiva”, vazado no art.° 47º n.º 2 da Lei 30/2004 de 21/07 e que permanece no diploma ora vigente na matéria, a Lei 5/2007 de 16.01, no artigo 18º, nºs 2 e 3, cujo teor é o seguinte: “2. Não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.
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São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições.”.
*No tocante ao objecto da causa, sustenta a sentença sob recurso que “(...) o que está em causa é a definição do handicap dos AA (...)”, assistindo-lhe razão.
Decorre do art.° 39° da petição inicial mediante a transcrição do correio electrónico datado de 16.07.2007 enviado pelos 3.º, 4° e 5° RR aos ora Recorrentes, junto por fotocópia a fls. 90 dos autos, em conjugação com os artigos 40° a 42° da p.i., que a discordância entre as partes se centra no facto de os referidos RR pretenderem que os Recorrentes aceitem por escrito a “(..) possibilidade de a Organização poder modificar os handicaps de jogo dos participantes (..)“ - fls. 18 dos autos.
Pelo contrário, os Recorrentes sustentam que “(..) tais exigências são anti-regulamentares e violam todas as leis do golfe nacional e internacional, onde se aplicam as regras do Handicap EGA, como era o caso neste torneio de golfe (..)” - cfr. artigo 41° da petição inicial.
E assim alegam no tocante ao conteúdo do regulamento da prova no que respeita à “C.) parte reservada a handicaps e modalidades de jogo (..
)” - artigos 43 a 49 da petição inicial.
Originando as reclamações referidas nos artigos 50° a 53° da p.i., com resposta dos RR e resposta do Presidente da ora Recorrida Federação, alegadas nos artigos 56° e 58° da p.i.
De modo que, declarando-se afectados nos seus interesses desportivos, os ora Recorrentes peticionam a anulação dos actos identificados, conforme transcrição supra da sentença sob recurso.
*Pela expressão inglesa “handicap” entende-se o mesmo que pela expressão portuguesa “inabilidade” e no contexto do desporto em causa, o golf, assinala as “inabilidades” dos jogadores menos experientes na modalidade e que, como tal, jogam sem o domínio da técnica dos jogadores de longa data, sendo que no green estão todos em competição.
De modo que, como as partes amavelmente explicam aos leigos na matéria, “(..) O handicap é uma regra técnica específica da modalidade do golfe que consiste na atribuição, a cada jogador, de um abono de pancadas que permite nivelar os resultados.
Para melhor exemplificar, tome-se como paradigma o facto de um jogador profissional, cujo abono será, em princípio, igual a zero - handicap 0 - poder jogar contra um jogador principiante que, em Portugal, beneficiaria de um abono de 28 pancadas - handicap 28.
Durante o jogo, o praticante menos qualificado poderia realizar mais 28 pancadas do que o jogador mais experiente e qualificado e, mesmo assim, terminar empatado o jogo. (..)“.
Por sua vez decorre do Acórdão do STA de 10.07.2013 tirado no proc. nº 119/13, fazendo referência a Ac. anterior, de 10.09.2008, in proc. nº 120/08, que “(..) Por leis do jogo deve entender-se o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico-desportivas que ordenam a conduta, as acções e omissões dos desportistas nas actividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.
(..)“.
É o caso, no que respeita ao estabelecimento da vantagem de número de pancadas atribuída ao jogador menos experiente, o tal jogador portador de handicap, factor cuja modificação naturalmente que contende, directamente, com as leis do jogo do torneio em concreto.
Decorrendo o cerne do litígio trazido a juízo da questão de saber se a Organização do torneio em causa nos autos podia ou não podia reservar-se o “poder [de] modificar os handicaps de jogo dos participantes” e exigir a correspondente aceitação desse poder de modificação a cada um desses participantes, a conclusão que compete extrair, em via de lógica, é que o objecto da causa é subsumível no conceito de “questão estritamente desportiva”, vazado no art.° 47º nº 2 da Lei 30/2004 de 21.07, actual art.° 18° nº 3 da Lei 5/2007 de 16.01.
Dado que em matéria de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal vigora a regra de que os critérios estabelecidos nos art.° 1°, n.º 1 e 4°, do ETAF cedem perante determinação expressa em sentido diferente contida em lei avulsa, temos que, por aplicação conjugada do disposto nos nºs 2 e 3 do art.° 18° da Lei 5/2007 de 16.01, o litígio trazido a juízo nos presentes autos extravasa a competência em razão da jurisdição administrativa e fiscal dos Tribunais do Estado, o que implica a incompetência absoluta do Tribunal e consequente absolvição dos RR, ora Recorridos, da...
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