Acórdão nº 01841/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A……………, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico que interpusera do indeferimento do pedido de anulação da liquidação de juros de mora na importância de € 289.709,32, referente a introduções no consumo de produtos de tabaco manufacturado durante o mês de Dezembro de 2008.

1.2. Termina com a formulação das conclusões seguintes: 1. A sentença recorrida, salvo o devido respeito, errou na subsunção dos factos ao direito, fazendo uma errónea interpretação da lei e carecendo as suas conclusões de devida fundamentação e base legal.

  1. Contrariamente ao propugnado pelo tribunal a quo, a obrigação tributária de pagamento do imposto foi tempestivamente cumprida pela recorrente, em virtude de ter sido feita com data-valor de 30 de Janeiro de 2009 (facto dado como provado) e, nos termos do art. 3º DL 18/2007, se considerar efetiva nessa data, o que significa que o pagamento do imposto foi efetivamente feito dentro do prazo legal de pagamento (que terminava em 30.01.2009), pelo que não são devidos juros de mora.

  2. Ao ter sido dado como provado o facto de a transferência ter sido ordenada com data-valor de 30.01.2009 (logo dentro do prazo de pagamento) a lei exige (art. 3º DL 18/2007) como consequência direta, imediata e necessária, que se considere “efetiva” a transferência, o mesmo é dizer, que produz todos os seus efeitos, nomeadamente a extinção da obrigação e imediata liberação do devedor.

  3. Visto que tanto em caso de transferência bancária como em caso de pagamento por cheque, os fundos seriam sempre disponibilizados na conta da Fazenda Pública após o prazo limite de pagamento (já que assim o determina o DL nº 317/2009 e a Instrução nº 5/2008 do Banco de Portugal) não se pode aceitar o argumento utilizado pela sentença recorrida de que, no caso sub judice, a recorrente “nunca iria compensar o Credor Estado pela falta de disponibilidade do imposto na data limite” isto é, a 30 de Janeiro de 2009, nem sequer se pode daí retirar a existência de mora por parte da recorrente, pois o Estado não contesta que se consideram efetuados dentro do prazo os pagamentos efetuados com cheque ou transferência bancária no último dia do prazo de pagamento o Estado e nestes o Estado também não terá a disponibilidade do montante às “18 horas do último dia do prazo de pagamento” como a sentença recorrida exige.

  4. Para mais, as regras de cálculo dos juros na interpretação dada pela Fazenda Pública e propugnada pelo Tribunal a quo, enfermam, por um lado, de erro de direito e, por outro, violam a Constituição da República Portuguesa.

  5. Neste sentido, mesmo considerando que a recorrente se teria constituído em mora – o que só por dever de patrocínio se equaciona – esta teria o seu termo inicial no primeiro dia útil do mês seguinte, isto é, dia 02 de Fevereiro de 2009 (segunda-feira), por ser esse o primeiro dia útil em que poderia ser efetuado o pagamento, posterior ao termo do prazo de pagamento do imposto [e nunca no dia 31 de Janeiro de 2009 (sexta-feira) como entende o tribunal a quo].

  6. O entendimento vertido na sentença recorrida de que a mora “se inicia do dia seguinte àquele em que devia ser paga a divida tributária” carece de fundamento legal e contraria o disposto nos artigos 804º nº 2, 792º nº 1 e 806º nº 1 CC que devem ser interpretados no sentido de que o termo inicial da mora de um prazo fixado em dias úteis (porque não é possível efetuar o pagamento nos serviços nos dias não úteis) só se inicia no momento em que for possível o pagamento, não existindo mora enquanto o devedor estiver impedido de cumprir.

  7. Assim, a existir mora, os juros teriam de ser calculados em função de apenas 1 (um) dia (segunda-feira, dia 02-02-2009 - data em que cessou a impossibilidade de cumprimento) e não de dois dias de calendário, pelo que deve ser anulada a liquidação de juros de mora por ter sido calculada erroneamente, nunca podendo exceder a aplicação da taxa de 0,5% a um dia de calendário.

  8. Por outro lado, a sentença recorrida erra ainda quando considera justificada a liquidação de juros correspondentes a 2 meses de calendário (60 dias), quando mesmo na tese do tribunal a quo– que se equaciona sem conceder – a mora se teria iniciado no dia 31 de Janeiro de 2009, sendo, portanto, de apenas 2 dias.

  9. É inconstitucional a decisão recorrida na parte em que aplica uma taxa de juro de mora de dois meses (0,5%+0,5%) à recorrente, por um alegado atraso de dois dias no pagamento do imposto, uma vez que tal interpretação do art. 3º nº 3 do Decreto-Lei nº 73/79 viola princípios basilares consagrados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o princípio da igualdade (cf.

    art. 13° e 366º nº 1 CRP), o princípio da proporcionalidade (cf.

    art. 266º nº 1 CRP) e o princípio da justiça (ínsito no Estado de Direito Democrático previsto no art. 2º CRP) porque trata de forma desigual o atraso de 2 dias que ocorra dentro de um mês de calendário (ao qual se aplica a taxa de 0,5%) e o atraso de 2 dias que ocorra no último dia de um mês e no primeiro dia de outro mês (ao qual se aplica uma taxa de 0,5+0,5% que é a taxa aplicável a atrasos de 60 dias e não de dois dias), não existindo nenhuma razão objetiva que justifique esse tratamento desigual já que a ratio do preceito é a de compelir o devedor a pagar de forma célere e não a desincentivar o pagamento (como ocorre na interpretação do tribunal a quo que beneficia o devedor inadimplente permitindo que uma mora de 30 dias seja menos penalizadora que uma mora de 2 dias que ocorra no final de um mês e início do outro, como foi o caso da recorrente).

  10. A título subsidiário, admitindo-se que houve mora da recorrente impõe-se adotar uma interpretação da lei conforme aos princípios constitucionais, o que implica a contagem de juros de mora ao dia e não ao mês, seguindo-se, aliás, a posição do legislador nas alterações ao art. 3º e 4º do DL nº 73/99, de 16 de Março, que substituiu a aplicação da taxa de 1% que era calculada ao mês (12% ao ano) por uma taxa anual cujo apuramento depende da média das médias mensais das taxas EURIBOR a 12 meses, verificadas nos últimos 12 meses, acrescida de um diferencial de cinco pontos percentuais.

  11. Assim, caso se não entenda pela ilegalidade da cobrança de quaisquer juros, a cobrança de juros apenas poderia ser feita à taxa de 0,017% [resultante do apuramento do valor diário da taxa de juros mensal de 0,5% fixada pelo art. 3º nº 3 do DL nº 73/99 (ou seja 0,5% : 30 = 0,017)] e não de 1%, o que leva a concluir que a eventual cobrança de juros à recorrente – o que se admite apenas a título subsidiário – nunca poderia ultrapassar o valor de € 4.925,06, correspondentes à aplicação da taxado 0,017% sobre o montante de imposto de € 28.970.932,31.

    Termina pedindo a procedência do recurso e se revogue a decisão recorrida.

    1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

    1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes: «1. As questões a apreciar são resumidamente as seguintes, conforme resulta das conclusões apresentadas pela recorrente: - se ocorre erro na subsunção dos factos ao direito e se foi efetuada uma errónea interpretação da lei, nomeadamente, nos termos do previsto no art. 3.º do Dec.-Lei n.º 18/2007, e instrução n.º 5/2008 do Banco de Portugal; - se as regras de cálculo dos juros enfermam de erro de direito, em face do disposto nos arts. 804.º n.º 2, 792.º n.º 1 e 806.º n.º 1 do C. Civil, e ainda por violação do princípio da igualdade (arts. 13.º e 366.º n.º 1 da CRP), do princípio da proporcionalidade (art. 266.º da CRP) e do princípio da justiça ( art. 2.º da CRP); e - a título subsidiário, se é de aplicar o disposto nas alterações aos arts. 3.º e 4.º do Dec-Lei n.º 73/99, de 16 de Março.

  12. Emitindo parecer: O pagamento de imposto encontra-se sujeito ao previsto no art. 40.º n.º 1 da L.G.T., no Dec.-Lei n.º 191/99, de 5/6, pelo qual se aprovou o regime de tesouraria do Estado, e na Portaria n.º 1414-I/2003, de 31/12 que regulamenta a aplicação do mesmo através de “Documento Único de Cobrança”.

    No art. 2.º n.º 4 desta última Portaria, encontram-se previstos os elementos essenciais ao controlo da cobrança, no caso de constar documento de liquidação, que são, entre outros, o ano, a entidade liquidadora, o tipo de receita e o valor.

    Por outro lado, é no art. 4.º desta Portaria que se encontra previsto os termos em que é emitido o “comprovativo do pagamento”: documento emitido pela entidade cobradora (n.º1); carimbo comprovativo aposto no documento de liquidação (n.º2); ou ainda o que constar do suporte informático, o qual deve disponibilizar todos os elementos essenciais ao controlo da cobrança (n.º 3).

    Nos termos do previsto no art. 51.º n.º 2 do Dec.-Lei n.º 191/99, de 5/6, esse regime prevalece sobre qualquer outro.

    Ora, a nenhum desses comprovativos de pagamento corresponde o documento referido nas als. c) e d) do probatório, que é relativo a uma transferência com a data de movimento e a data-valor de 30-1-2009, de que foi beneficiário o “Inst Gestão Financeira Cred Público”, por valor igual ao DUC a que se refere a liquidação que no caso consta ter sido emitido.

    Contudo, a recorrente diligenciou posteriormente no sentido de serem satisfeitos tais elementos, de modo a que transferência fosse efetuada a favor da Alfândega do Jardim do Tabaco com data-valor de 2009/02/03, conforme consta da al. b) do probatório.

    Assim, é tal data que é de considerar como aquela em que ocorreu o pagamento, pese embora constar que o comprovativo de pagamento foi posteriormente emitido.

    Por outro lado, e quanto às regras de cálculo, é aplicável o disposto no art. 44.º n.º 3 da L.G.T., 86.º n.º 1 do C.P.P.T. e 3.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 73/99, de 16/3.

    Esta disposição foi objeto de alteração pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de...

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