Acórdão nº 0713/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução27 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório-1 – A……….., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada de 4 de Março de 2015, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2004 da sociedade irregular B……….., A………., C………..

, D………..

, E……… e F………, para o que apresentou as seguintes conclusões: 1ª O mero pedido de licenciamento de uma operação de loteamento não constitui manifestação de vontade de exercício da actividade económica de exploração de loteamentos, nem, por maioria de razão, expressão de intenção societária dos respectivos requerentes.

  1. Só com a emissão do alvará de loteamento se manifesta a intenção do exercício da actividade empresarial consistente na exploração comercial de loteamentos.

  2. A intenção societária dos requerentes do licenciamento de uma operação de loteamento esgota-se na sociedade que entre si hajam regularmente constituído para exercer a actividade económica de exploração do mesmo.

  3. Tendo os requerentes do licenciamento de uma operação de loteamento constituído entre si, de forma regular, uma sociedade comercial destinada ao exercício da actividade económica de exploração desse loteamento, a posterior emissão do respectivo alvará de licença não faz nascer entre si uma nova sociedade irregular, para o exercício da mesma actividade.

  4. A emissão do alvará de licença de loteamento em nome dos sócios de uma sociedade regularmente constituída para o exercício da actividade económica de exploração do loteamento em causa não é materialmente imputável a uma nova sociedade irregular, mas tão-só à sociedade regular preexistente.

  5. A inexistência de sociedade irregular determina a ilegitimidade do sujeito passivo da liquidação impugnada, não podendo manter-se a douta sentença recorrida que em diferente entendimento laborou.

  6. Ainda que se pudesse entender que, não obstante os requerentes do licenciamento do loteamento terem constituído entre si uma sociedade regular destinada à respectiva exploração, estes teriam vindo a constituir uma outra com o mesmo objecto, mas irregular, esta nunca poderia perdurar para além da integral alienação, pelos mesmos requerentes, dos lotes licenciados.

  7. Tendo todos os lotes licenciados sido alienados a favor da sociedade regularmente constituída, em 12 de Abril de 2004, a sociedade irregular alienante, a existir, teria nessa data forçosamente cessado a sua actividade.

  8. A cessação da actividade de uma sociedade irregular determina o fim do seu período de tributação.

  9. O prazo de caducidade do direito á liquidação dos impostos periódicos conta-se do termo do ano fiscal em que se verificou o facto tributário, e não do termo do ano civil, quando ambos não coincidem.

  10. Tendo a pretensa sociedade irregular cessado a sua actividade em 12.04.2004, o direito à liquidação de IRC sobre o seu pretenso lucro caducou em 12.04.2008, nos termos conjugados do artigo 8.º do CIRC e do artigo 45.º da LGT, não podendo manter-se a sentença que assim não entendeu.

  11. Ainda que não tivesse caducado o direito à liquidação do imposto impugnado, não poderia ser liquidado qualquer imposto à pretensa sociedade irregular por esta ser, reconhecidamente pela própria administração tributária, sujeita ao regime da transparência fiscal, cuja matéria colectável só pode ser tributada na esfera individual dos seus sócios nos termos dos artigos 6.º, n.º 1 alínea a) e 12.º do CIRC.

  12. A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidos sobre a interpretação das normas tributárias, independentemente da forma de comunicação das orientações genéricas, nos termos do artigo 68.º e 68.º-A da LGT, na sua redacção à data dos factos.

  13. É por isso ilegal a recusa dos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Setúbal em seguir e aplicar essa doutrina administrativa.

  14. Sendo, além disso, essa recusa motivada pela concentração num único sujeito passivo domiciliado na área de competência territorial da Direcção de Finanças de Setúbal, nos termos do artigo 16.º, n.º 1 b) do RCPIT, dos procedimentos de inspecção e liquidação que a vários contribuintes dizem respeito, está ferido de vício de desvio de poder o acto de liquidação impugnado.

  15. Sendo nula a sentença recorrida que sobre essas ilegalidades não se debruçou.

  16. A determinação do lucro tributável segundo o regime simplificado não pode ser unilateralmente imposta pela administração tributária ao contribuinte, salvo nos casos legalmente previstos.

  17. A administração tributária está vinculada à realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, nos termos do artigo 58.º da LGT e 6.º do RCPIT, como seja determinar o regime de avaliação do lucro tributável que melhor reflicta o rendimento real.

  18. É entendimento sancionado pela administração tributária que o lucro tributável da sociedade irregular corresponde à diferença entre o valor de mercado dos lotes à data de afectação à sociedade irregular e o valor de alienação (despacho de 13 de Outubro de 1998 do Subdirector-Geral dos Impostos).

  19. A administração tributária, ao optar pela determinação do lucro tributável segundo o regime simplificado, visou tão-só maximizar a matéria colectável da sociedade irregular, numa clara manipulação desse regime fiscal com a consequente desconsideração do custo de afectação dos lotes.

  20. É nula a sentença ora recorrida que, em face dessa ilegalidade, se bastou em reproduzir uma extensa passagem do relatório de inspecção, nada mais dizendo.

  21. A pretensa sociedade irregular jamais exerceu a actividade que a administração lhe imputou – “Construção de Edifícios” – pelo que nela não pode ter realizado qualquer lucro tributável, determinando a ilegalidade do acto de liquidação.

  22. O domicílio fiscal dos sujeitos passivos corresponde, na falta de designação estatutária, ao lugar em que funciona normalmente a administração principal (artigos 19º nº 1 alínea b) da LGT e 159.º do Código Civil).

  23. O domicílio fiscal tem de ser o efectivo, “entendido não como qualquer escolha arbitrária mas o verdadeiro centro de actividade do contribuinte” (Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, pág. 119).

  24. Sendo os elementos do conhecimento da administração tributária suficientes para determinar o verdadeiro centro de actividade da pretensa sociedade irregular, incumbe àquela analisá-los, sob pena de violação dos artigos 58.º da LGT e 6.º do RCPIT, que a obrigam, no procedimento, a realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.

  25. Os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, ao fixarem a sede da sociedade irregular no Montijo, quando todos os indícios apontavam para Olhão, local da situação dos prédios rústicos loteados com que a administração tributária justificou a existência de uma sociedade irregular, atribuíram a si próprios uma competência que de outro modo não lhes caberia (artigo 16.º, n.º 1 alínea b) do RCPIT).

  26. Também por isso, o acto de liquidação, além de ferido de vício de violação de lei, também está ferido de vício de desvio de poder, determinante da sua ilegalidade, sendo nula a sentença recorrida que, em face dessa circunstância, se bastou em reproduzir uma passagem do relatório da inspecção, nada mais dizendo.

  27. A sede dos sujeitos passivos determina a incidência de derrama sobre a colecta do IRC (artigos 16.º alínea a) da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto).

  28. O município de Olhão não lançou qualquer derrama sobre o IRC de 2004, ao contrário do município do Montijo, que lançou derrama à taxa máxima de 10% (Ofício-Circulado n.º 20101/2005, de 25 de Janeiro, da Direcção de Serviços do IRC).

  29. Ao atribuir arbitrariamente ao município do Montijo a sede da pretensa sociedade irregular, a administração tributária determinou a liquidação ilegal de derrama no montante de €13.574,80, acrescido de juros compensatórios.

  30. No direito de audiência, os interessados podem suscitar elementos novos, de facto ou de direito, que a fundamentação da decisão deve obrigatoriamente mencionar e apreciar, sob pena de violação do dever de fundamentação (artigos 60.º n.º 7 e 77.º da LGT).

32.º A administração tributária ignorou os elementos novos invocados pelo sujeito passivo que lhe permitiriam determinar a sede da pretensa sociedade irregular, ferindo de vício de forma o acto de liquidação, não podendo manter-se a sentença que assim não entendeu.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogada a douta decisão recorrida e anulado o acto tributário impugnado com todas as legais consequências, ou, caso assim não se entenda, declarada nula, por omissão de pronúncia, ordenando-se a baixa dos autos à 1.ª instância, nos termos do estatuído no artigo 684.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Exmo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos: «(…) O recorrente assaca à sentença recorrida o vício formal de omissão de pronúncia quanto aos erros imputados à liquidação consistentes na desconsideração do regime da transparência fiscal, indevida utilização do regime simplificado de tributação e incorreto domicílio fiscal do contribuinte. (conclusões 16.ª, 21.ª e 27.ª).

Existe omissão de pronúncia quando se verifica a violação do dever processual que o tribunal tem em relação às partes, de se pronunciar sobre todas as questões por elas suscitadas.

Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou de direito sobre que existem divergências, formuladas com base em alegadas razões de facto e de direito (acórdão do STA, de 1995.06.28 – P. 14611 AP –...

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