Acórdão nº 0612/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução06 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal 1 – A…………, S.A., com os demais sinais dos autos, vem interpor neste Supremo Tribunal recurso da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças, que lhe indeferiu o pedido de reconhecimento da nulidade da hipoteca prestada na qualidade de garante da dívida da devedora original “B…………, Ldª”.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «A) — Na douta sentença, entendeu a Meritíssima Juiz do tribunal “a quo” que, no caso concreto, a hipoteca foi constituída voluntariamente pela reclamante, a qual não fez prova da impugnação da deliberação que autorizou a constituição da hipoteca, entendendo que tal deliberação tem-se por válida e eficaz, não podendo a eventual violação do art.° 6° do CSC ser invocada perante o órgão de execução fiscal.

  1. — A recorrente, porém, não concorda com o doutamente decidido, porquanto o pedido formulado contra a administração tributária, de reconhecimento da nulidade da garantia prestada por hipoteca, apenas afecta a própria administração tributária, no âmbito de um processo de execução fiscal, em que é devedora originária a sociedade B…………, Lda., sendo a reclamante terceiro, interveniente na execução enquanto garante hipotecário.

  2. — Pelo que, estamos na presença de uma relação jurídico-fiscal, disciplinada pelo direito público, e em que o Estado (na pessoa da AT) intervém na defesa de interessas colectivos (cobrança de receitas públicas).

  3. — Acresce que se atentarmos à posição dos sujeitos da relação jurídica estabelecida, é claro que a AT intervém com uma qualidade que lhe confere, por lei, e em razão do interesse publico que prossegue, a posição de sujeito activo, tendo aceite a hipoteca de um bem, para se garantir de uma dívida de que é credora.

  4. — Ora, tratando-se de acto (prestação de garantia) praticado no âmbito de uma execução fiscal, deve ser submetido à apreciação da jurisdição administrativa fiscal, por serem os tribunais de competência especializada e por estar em causa o conhecimento e decisão da validade da garantia prestada na execução fiscal.

  5. — Aferindo-se a competência de um tribunal de acordo com a relação jurídica tal como é apresentada pelo autor, e visando a reclamante obter a declaração de nulidade de uma garantia/hipoteca constituída a favor da AT/Fazenda Nacional, a apreciação de tal pretensão e consequente validade ou/não da garantia cabe ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

  6. — Assim, face à natureza dos interesses em causa impõe-se que os litígios verificados a este nível se dirimam no tribunal tributário.

  7. — Donde, para ver reconhecida a nulidade da garantia prestada a favor da AT, com fundamento da falta de capacidade da sociedade garante, a ora recorrente teria que ver apreciada a questão pelo OEF, e do indeferimento deste, apreciada a decisão pelo douto tribunal “a quo”.

  8. — Na verdade, se o que a recorrente pretende é afastar a hipoteca e respectivo registo predial sobre os seus prédios, no âmbito de um processo de execução fiscal, constituída ao abrigo do art. 153°, n.º 1 do CPTT, então a reacção ao seu dispor é a reclamação (nos termos do art 276° do CPTT), acção própria de um processo a correr perante os tribunais tributários e não nos tribunais comuns.

  9. — Entende-se, assim, que a jurisdição apropriada ao conhecimento da acção em que é pedida a nulidade da garantia prestada através de hipoteca, com fundamento na incapacidade da sociedade garante, é a administrativa e fiscal.

  10. — Donde, face à pretensão da reclamante/recorrente sempre cabia ao OEF a apreciação da validade da garantia prestada, designadamente a apreciação de saber se quem a constituiu tinha capacidade e legitimidade para tal acto.

  11. — Em discussão nos autos colocou-se a questão de saber se a hipoteca prestada assentou em pressupostos válidos e eficazes, o que, implica a apreciação da nulidade da deliberação societária que lhe esteve subjacente.

  12. — Ora é certo que a lei permite, genericamente, a prestação de garantia por terceiro, que não o executado originário, conferindo, assim, legitimidade àquele para praticar tal acto.

  13. — Mas, também é certo que a garantia tem de ser prestada cumprindo os demais pressupostos e requisitos processuais, designadamente, o da capacidade de quem presta.

  14. — O artigo 6.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais exclui, em princípio, a possibilidade de as sociedades comerciais prestarem garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, por serem contrárias ao seu fim, mas ressalva a existência de justificado interesse próprio da sociedade garante ou existência de uma relação de domínio ou de grupo.

  15. — Assim, a AT/OEF ao apreciar a garantia apresentada pelo terceiro garante, terá que emitir um juízo, não apenas sobre a idoneidade da garantia, mas também verificar da capacidade e idoneidade da sociedade garante que assumiu a obrigação do devedor/executado originário.

  16. — No caso concreto, a AT aceitou a garantia apresentada sem cuidar de verificar a capacidade da recorrente para a prestar, expondo-se à eventual ocorrência de vicissitudes no que toca a este pressuposto.

    S)— Sabendo que a constituição de hipoteca sobre bem imóvel por parte de uma sociedade depende de deliberação societária, apreciar a nulidade da hipoteca depende da apreciação do acto que a autorizou.

  17. — Efectivamente, feita a apreciação da garantia em causa nos autos, constata-se que a mesma padece de nulidade porque a recorrente não tinha capacidade para constituir hipoteca sobre os seus bens imóveis para garantir dívidas de terceiro.

  18. — Como se alegou, não se verifica nenhuma das excepções ao princípio da especialidade, estabelecido nos n.ºs 1 e 3 do artigo 6° do Código das Sociedade Comerciais, pois não existiu justificado interesse próprio da sociedade garante, nem a recorrente tem uma relação de domínio ou de grupo com a executada.

  19. — Ou seja, a prestação de garantia pela reclamante/recorrente a favor da executada “B…………, Lda.”, é um acto nulo, proibido por lei, faltando à reclamante/recorrente o requisito da capacidade jurídica para a prática do mesmo.

  20. — A douta sentença recorrida não apreciou o requisito da capacidade da recorrente para prestar a garantia, e da existência ou inexistência de alguma das excepções ao princípio da especialidade.

  21. — Daí que, a douta sentença recorrida tenha incorrido em erro de julgamento ao entender que a nulidade da hipoteca prestada, com fundamento na violação do princípio da especialidade do art.° 6° do CSC, não podia ser apreciada pela jurisdição administrativa-fiscal.

    AA) — Ao decidir pela improcedência da reclamação, a Meritíssima Juiz ‘a quo” violou o disposto nos artigos 151º do CPPT, 4º, nº 1 al...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT