Acórdão nº 01051/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução13 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

O Município de Lisboa, notificado do despacho saneador de fls. 440 a 449, que declarou “… a incompetência deste STA, para conhecer da matéria em causa nestes autos absolvendo os réus da instância”, vem reclamar para a conferência, ao abrigo do art. 27º, nº 2, do CPTA, concluindo: “I- Através da leitura do despacho saneador não se vislumbra o alcance e fundamentação da decisão que o mesmo encerra, resultando o mesmo ininteligível.

II- O despacho saneador da relatora do processo, não procedendo à apreciação da matéria trazida aos autos pelo Autor, foi em grande medida, decalcado do conteúdo de um outro despacho que terá sido proferido em autos judiciais estranhos aos presentes.

III- O aproveitamento do texto de autos diversos dos presentes, foi de tal forma extensivo, que acabou por redundar nas nulidades de obscuridade, contradição, falta de fundamentação, ininteligibilidade e consequente omissão de pronúncia, previstas nas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, em violação do disposto no artigo 154.º n.º 1 do CPC e do previsto no artigo 205.º da CRP.

IV- A falta de fundamentação e omissão de pronúncia quanto à matéria e base legal que o Autor suscitou quanto à caracterização da natureza administrativa do acto impugnado e quanto à exceção de incompetência absoluta suscitada pela ED, transmite aliás a ideia de que o despacho em causa não foi precedido da devida leitura, atenta, da petição inicial e do requerimento de resposta à exceção de incompetência absoluta julgada verificada, ideia esta incutida pelo facto de o despacho em causa fazer referência a diplomas não aplicáveis à matéria dos presentes autos, nem tão pouco invocados pelo Autor, e a imputar ao Autor invocações e fundamentações a que este não recorreu.

V- No despacho saneador ora reclamado, posteriormente à transcrição parcial do Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 951/14 (página 4 do despacho), procede-se à exposição da fundamentação da decisão de verificação da excepção de incompetência material absoluta do STA, sem se estabelecer qualquer relação entre aquela transcrição e o raciocínio que se lhe segue de suposta apreciação dos fundamentos em que o Autor baseia a presente acção administrativa especial.

VI- Não procede igualmente à apreciação da fundamentação aduzida pelo Autor na sua resposta à excepção de incompetência material suscitada pela ED.

VI- Ao longo de praticamente 4 páginas de um total de 10, a relatora do processo imputa ao Autor invocações de normas legais e fundamentação a que este não recorreu, sendo que das repetidas referências aos Decretos-Lei nºs 53/97 e 104/2014, se conclui que foi vertido em grande parte, no despacho saneador de que se reclama, o teor de um despacho proferido em autos diversos dos presentes relativos à alteração de estatutos da A…………, S. A.

VII- Com efeito o Autor, contrariamente ao que lhe é imputado no douto despacho saneador nunca invocou os prazos de concessão entre os seus fundamentos de impugnação do acto administrativo que procedeu à alteração dos estatutos da B…………; bem como nunca invocou a violação do DL 58/97 pelo DL 104/2014 (nem tão pouco a violação do DL 68/2010 pelo DL 108/2014); não se limitou a impugnar a alteração dos estatutos na parte em que do mesmo resulta que a titularidade da maioria do capital passe para entidades privadas; nunca se referiu a “transformação extintiva” para caracterizar a alteração de estatutos processada através do DL 108/2014; VIII- E não tendo o Autor invocado a violação do DL 68/2010 pelo DL 108/2014, quando, por referência ao DL 53/97 e ao DL 104/2014, no despacho saneador se refere que “a recorrente ter(á) qualificado erradamente o fundamento invocado e sendo que era a mesma que tinha o ónus de fazer corresponder um concreto vício relativo a uma verdadeira natureza administrativa”, tal apreciação de erro imputado ao Município de Lisboa, na qualificação do fundamento invocado, não tem qualquer correspondência com a matéria trazida aos autos pelo Autor, ora reclamante.

IX- Mesmo que se estabelecesse um paralelismo entre os diplomas aplicáveis exclusivamente à A………… e os equivalentes aplicáveis à B…………, a fundamentação do despacho saneador relativa a esta matéria, não tem qualquer correspondência com a matéria levada aos autos na p.i., entrando aliás em contradição com o seu próprio primeiro parágrafo onde se pode ler que “O Município de Lisboa veio mover uma acção administrativa especial impugnando o acto administrativo praticado pelo Governo de Portugal através do DL 108/2014, publicado no DR, N. 125, I S., de 2.7, que alterou o DL 68/2010, de 15.6 e os Estatutos da Sociedade B…………, S.A. invocando a violação dos art.s 2.º, 165.º, n.º1 al. U), e 235.º, n.º2 da CRP, os arts. 14.º, n.º1, 36.º e 38.º, n.º2 do DL 133/2013, de 3.10 e os art.s 2.º, 7.º, 85.º, 375.º, n.º2 e 386.º, n.º3 do Código das Sociedades Comerciais.” X- Igualmente o Autor, contrariamente ao que lhe vem imputado no douto despacho saneador identificou os vícios geradores da nulidade do acto impugnado, quer através da indicação das normas legais e constitucionais ofendidas quer através da indicação da cominação da nulidade prevista no artigo 133.º do CPA XI- Já na parte decisória do despacho, determina-se que o STA é efectivamente incompetente para conhecer da ilegalidade/ inconstitucionalidade do DL 104/14 aplicável exclusivamente à A…………, determinando este despacho que o STA é incompetente para conhecer a ilegalidade/inconstitucionalidade de um diploma cuja legalidade/ inconstitucionalidade o Autor não pôs nem poderia pôr em causa.

XII- A ilegalidade/inconstitucionalidade que o Autor invocou foi a do ato administrativo que procedeu à alteração dos estatutos da B………… contido nos artigos 4.º a 6.º do DL 108/2014, conforme se encontra enunciado na parte da identificação do litígio (sétimo parágrafo da página 2) do despacho saneador.

XIII- Pelo que a presente decisão se reporta à incompetência desse Venerando Tribunal para conhecer da ilegalidade/inconstitucionalidade do DL 104/14 e não do acto administrativo que procedeu à alteração dos estatutos da B………… através do DL. 108/2014 que constitui o acto impugnado, encontrando-nos desta feita numa situação enquadrável na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, uma vez que a decisão acabou por recair sobre objecto diverso do do pedido.

XIV- Na sua globalidade o despacho em causa acaba por se apresentar ininteligível, o que determina a sua nulidade nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

XV- O despacho de que ora se reclama invoca assim fundamentos que servirão de fundamentação aos autos interpostos pela entidade que invocou a violação do Decreto-Lei n.º 53/97, mas não aos presentes autos em que se invocou a violação no disposto nos art.s 2.º, 165.º, n.º1 al. U), e 235.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), os arts. 14.º, n.º1, 36.º e 38.º, n.º2 do DL 133/2013, de 3.10 e os art.s 2.º, 7.º, 85.º, 375.º, n.º2 e 386.º, n.º3 do Código das Sociedades Comerciais.

XVI- E ao invocar fundamentação que se reporta a matéria que o Autor não trouxe aos presentes autos, constante de autos diversos destes, desconhecendo o Autor, nem tendo qualquer obrigação de conhecer, os termos e teor desses outros autos reveste-se de especial ambiguidade e obscuridade resultando ininteligível para o Autor, não se alcançando na sua integralidade o sentido daquela decisão, o que se enquadra na nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

XVII- Mais, ao reportar-se a questões que são objecto de autos diferentes dos presentes, e ao pronunciar-se sobre questões que não têm qualquer equivalência com as questões trazidas aos autos pelo Autor, acabando por declarar a incompetência do STA para conhecer da ilegalidade/inconstitucionalidade de diploma legal que não se encontra posto em crise nos presentes autos, não se pronunciando sobre o acto efectivamente impugnado, acabou a relatora por proferir decisão não fundamentada, assim incorrendo em nulidade, nos termos previstos nas alíneas b) d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Por todo o acima exposto, encontrando-se o despacho saneador em causa ferido das nulidades previstas nas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, e consequentemente levando a sua falta de fundamentação à violação do preceito constitucional contido no artigo 205.º da CRP e do artigo 154.º do CPC, deverá a presente reclamação ser julgada totalmente procedente por provada, devendo, em Conferência, o despacho ora reclamado, ser objecto de declaração de nulidade, nos termos conjugados do previsto no n.º 2 do artigo 27.º do CPTA e do n.º 4 do mesmo artigo 615.º do CPC com devidas consequências legais e constitucionais.” A PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS, notificada da reclamação para a Conferência, veio arguir, e, em conclusão, que: “Sendo inegável que o douto despacho reclamado contém certos lapsos notórios na identificação dos diplomas relevantes — fruto, aliás, da compreensível necessidade de dar célere vazão à grande quantidade de providências cautelares e ações administrativas especiais com pedidos e causas de pedir essencialmente idênticos, intentadas pelo Reclamante e por outros municípios, que deram entrada num curto espaço de tempo —, tais lapsos em nada prejudicam a inteligibilidade, a coerência e completude da decisão em crise, que não padece de qualquer vício suscetível de afetar a sua validade.

  1. A nulidade de decisão judicial com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto apenas ocorre, segundo a jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores, quer da jurisdição civil, quer da jurisdição administrativa, nos casos em que falta em absoluto qualquer fundamentação, não bastando que esta seja errónea ou insuficiente — sendo certo que nem esse é o caso. A nulidade constitui um desvalor extremo que se destina a reagir contra situações em que falta um elemento essencial da decisão.

  2. O douto despacho...

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