Acórdão nº 0720/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelASCENS
Data da Resolução29 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 - RELATÓRIO A…………, Ldª, com os demais sinais dos autos, veio deduzir reclamação contra o despacho proferido em 13 de Novembro de 2015 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Torres Vedras, que indeferiu o pedido de prestação de garantia sobre bens móveis e créditos, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1589201501117335, contra ela instaurado por dívidas de IVA dos anos de 2008 e 2009.

Por decisão de 18 de Março de 2016, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa julgou procedente a presente reclamação e anulou o despacho sob recurso.

Inconformada com o assim decidido, veio a Fazenda Pública interpor o presente recurso com as respectivas alegações resumindo-as nas seguintes conclusões: «A. No presente recurso pretende-se reagir contra a douta decisão que julgou totalmente procedente a reclamação já identificada, apresentada no âmbito do processo de execução fiscal n° 1589201501117335, a correr no Serviço de Finanças de Torres Vedras onde, em síntese, o Tribunal a quo considerou procedente a reclamação do acto do órgão de execução fiscal, por preterição do direito de audição prévia do executado numa decisão do indeferimento de um pedido seu de prestação de garantia através do penhor de diversos bens móveis, B. A fundamentação apresentada na sentença prende-se essencialmente com a qualificação do acto decisório aqui em causa como um acto materialmente administrativo o que, considerou o Tribunal a quo, implica a sua sujeição ao regime previsto no Código do Procedimento Administrativo, incluindo o direito de participação do destinatário na formação da decisão que directamente o afecte.

  1. Que não teve efectivamente lugar neste caso concreto, o que levou à declaração de invalidade do acto já referido, situação com a qual, salvo o devido respeito, não nos podemos conformar e daí a interposição do presente recurso.

  2. O problema aqui em causa é o de estabelecer se um acto praticado pelo órgão de execução fiscal num processo de execução fiscal, como o que está aqui em causa, tem natureza administrativa e, por consequência, deverá estar sujeito às regras do Código do Procedimento Administrativo ou se, pelo contrário, como se trata de um acto praticado no âmbito de um processo de natureza judicial que, se assim for considerado, não estará sujeito ao regime procedimental mas sim ao do processo judicial, onde não está prevista a audição prévia do executado, figura típica do acto administrativo.

  3. O Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre este assunto em várias ocasiões mas, no nosso entendimento, de uma forma não uniforme. Senão, vejamos: 1.Conforme se aponta na sentença do Tribunal a quo (fls. 15), no Acórdão n.º 01315/14 de 17.12.2014 lá citado e em outros dois acórdãos lá referidos, a posição lá adoptada foi que “(...) o oferecimento de bens à penhora é um acto administrativo em matéria tributária e não um acto do processo de execução fiscal, (...) razão pela qual não há fundamento legal para se ter excluído o direito de audição prévia ao indeferimento de bens à penhora ex vi do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária”.

    1. Mas também já se entendeu a questão de uma forma bem diversa. No Acórdão n.º 0520/13 de 04/23/2013 diz-se que “De acordo com o decidido pelo acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Outubro de 2012, em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art° 148.º do CPTA, no processo n.º 708/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2012, «Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia) — acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual — é de concluir que não há, no caso, lugar ao exercido do direito de audiência previsto no art. 60.º da LGT».

    2. Ou ainda, numa outra decisão, no Acórdão produzido no processo n.º 803/12 de 08.08.2012, o S.T.A veio pronunciar-se ainda num outro sentido nestes termos: I — O n° 1 do artigo 103° da LGT, ao referir que «o processo de execução fiscal tem natureza judicial», exprime literalmente o sentido de que a execução fiscal se realiza através de um «processo» e não de um «procedimento administrativo», no pressuposto hoje indiscutível que estamos perante realidades com natureza distintas.

    II — Da alínea h) do n° 1 do artigo 54° da LGT e da alínea g) do n° 1 do artigo 44° do CPPT resulta que apenas se inclui no âmbito do procedimento tributário a «cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial».

    III — Como o processo de execução fiscal é todo ele de natureza judicial, independentemente da natureza materialmente administrativa ou jurisdicional dos actos que nele sejam praticados, a conclusão lógica é que as normas previstas para o procedimento não se aplicam à categoria processo de execução fiscal.

    IV — Pelos efeitos produzidos, o acto de indeferimento do pedido de prestação de garantia é um acto predominantemente processual: impede o efeito suspensivo da execução, procedendo-se de imediato à penhora ou à compensação de dívidas (cfr, n° 2 do art. 169° n° 1 do art, 89° do CPPT).

    V — Por isso, à formação desse acto processual não se aplicam as regras do procedimento tributário designadamente a do artigo 60° da LGT.

  4. Pelo que, salvo melhor opinião, pelo menos, nos parece de todo o interesse para melhor aplicação em concreto das normas aqui em causa que a questão aqui em causa seja definitivamente estabelecida.

  5. Quanto ao problema da qualificação do processo de execução fiscal, o Tribunal Constitucional já veio esclarecer que “(...) A asserção que se afigura pertinente será, abandonando qualquer critério dualista puro, a de que estaremos perante actos e operações que são praticados por diferentes serviços dentro de uma dimensão de colaboração operacional com a administração da justiça segundo os termos em que esta se encontra cometida pela Constituição aos tribunais” (Acórdão n.º 80/2003 de 12 de Fevereiro de 2003).

  6. Ou seja, aqui foi considerada a vertente jurisdicional como claramente preponderante, funcionando aqui o órgão de execução fiscal como colaborador do Tribunal, o titular do poder de autoridade sob o qual a cobrança coerciva decorre, e para onde o executado tem possibilidade de reclamar nos termos dos artigos 276.º e seguintes do CPPT, num processo considerado urgente, uma vez que “o processo de execução fiscal tem natureza judicial” (artigo 103°, n.º 1 da LGT).

    I. Parece-nos até ser esta a razão pela qual a lei chama “reclamação” e não “recurso à figura referida, como alguns autores defendem como é, por exemplo, o caso do regime das contra ordenações tributárias onde, contrariamente ao processo de execução fiscal, coexistem claramente delimitadas duas fases, a fase administrativa (Subsecção I — Da fase administrativa, artigos 87.° e seguintes do RGIT) e a fase judicial (Subsecção — Da fase judicial, artigos 80.° e seguintes do RGIT).

  7. Por outro lado, se estivéssemos perante uma realidade enquadrável no procedimento administrativo, haveria lugar a reclamação e/ou recurso hierárquico, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, o que, é ponto assente, não se verifica.

  8. E nem poderia ser porque estamos perante um “processo judicial” e não um “procedimento administrativo” como muito melhor que nós se explica no Acórdão n.º 803/12 de 08.08.2012 do S.T.A.

    “A estruturação da execução fiscal segundo o modelo dos processos judiciais, apesar de impulsionada e movida por um órgão administrativo, afasta qualquer tentativa de o enquadrar na categoria jurídica de procedimento administrativo. O que bem se compreende porque actualmente procedimento e processo são realidades teleológicas e formalmente diferenciadas. O procedimento surge não só como um instrumento de racionalização da actividade decisória da Administração, mas também como instrumento de legitimação da Administração, enquanto entidade que determina e regula os interesses em conflito, e assim, tomando decisões em que está pessoalmente empenhada. Ora, não isso que acontece na execução fiscal, em que o órgão de execução fiscal evidencia um estatuto supra partes, intervindo no exclusivo interesse da paz jurídica, obrigado a apreciar e decidir as questões enquanto autoridade exterior e neutra perante o litígio, mesmo que tenha que decidir contra si próprio, como acontece com o reconhecimento oficioso da prescrição.

    (…) (Por outro lado) Constata-se que as lacunas do processo de execução fiscal são integradas pelas normas do processo civil, o que bem acentua a natureza de «processo judicial» e não de «procedimento tributário». Relativamente aos principais actos que compõem a execução, como a citação, penhora, venda, convocação de credores, verificação e graduação de créditos, o CPPT remete para as normas congéneres do CPC e não para quaisquer normas procedimentais (cfr. n° 4 do art. 190°, nº 1 do art. 191°, n° 1 do art. 192°, nº 3 do art. 223°, 246°, 252° al. c) do n° 1 do art. 257° e 258°). Daqui decorre a qualificação da execução fiscal como um meio processual, um instrumento criado pela ordem jurídica para a cobrança coerciva de obrigações tributárias (e das pecuniárias impostas por acto administrativo) mediante um processo e não mediante um procedimento administrativo.

    L. A doutrina também se pronuncia no sentido pela natureza processual e não administrativa do processo de execução fiscal, designadamente nas anotações ao artigo 103.º da LGT tanto por parte de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4. Ed., 2012, pag.890) e Lima Guerreiro (Lei Geral Tributária — Anotada — Editora, Rei dos Livros, 2000, pág. 421 e 422) já reproduzidas.

  9. Pelo que, com todo o respeito pela opinião...

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