Acórdão nº 0201/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução16 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

A………………, devidamente identificada nos autos, inconformada com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCA/S], datado de 19.06.2014, que, negando provimento ao recurso, manteve a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [«TAC/L»] que havia julgado procedente a ação de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra a mesma movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e que determinou o arquivamento do processo relativo ao registo pendente na Conservatória dos Registos Centrais, veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência nos termos do art. 152.º do CPTA, apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 672 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]: “… I. Tem pleno fundamento o pedido de uniformização de jurisprudência sobre a seguinte questão fundamental de direito: continua a ser exigível, tomando em consideração a alteração legislativa introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril que o requerente da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade apresente provas de ligação à comunidade nacional, conforme era determinado pelo art. 9.º, al. b) da Lei da Nacionalidade Portuguesa? II. Verifica-se que há uma clara contradição entre a resposta dada a essa questão pelo tribunal a quo, no acórdão sob recurso e a solução constante do acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 19/06/2014, no Proc. n.º 0103/14.

III. Verifica-se ainda que o mesmo tipo de contradição, sobre a mesma questão de direito, se encontra entre o acórdão sub judice e os demais acórdãos supra citados.

IV. Tendo em consideração todo o exposto, deve ser proferido acórdão uniformizador de jurisprudência no seguinte sentido, aliás já expresso por este Supremo Tribunal Administrativo, no referido acórdão: a. A partir da entrada em vigor da Lei 2/2006 passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade «a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional» (nova redação da al.ª a) do art. 9.º) a qual, como decorria da Exposição de Motivos dessa Lei, tinha de ser provada pelo M.P..

  1. Nos termos do disposto na Lei da Nacionalidade (Lei 37/81, de 3/10, na redação que lhe foi dada pela Lei 2/2006, de 17/4, aqui aplicável) a aquisição da nacionalidade portuguesa pode resultar de uma de três circunstâncias: de uma declaração de vontade, da adoção plena e da naturalização (vd. seus arts. 3.º a 5.º) sendo que cada uma dessas formas de aquisição da nacionalidade obedece a requisitos próprios.

  2. A aquisição da nacionalidade em razão da vontade - pressupõe que o interessado esteja casado ou viva em união de facto há mais de três anos com o cidadão nacional (O art. 3.º daquela Lei tem a seguinte redação: i. «1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.

    ii. 2 - A declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o contraiu de boa fé.

    iii. 3 - O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível») .

    Ou seja, depende não só de uma realidade - a constância de um casamento (ou união de facto) por mais de três anos - e de manifestação de uma vontade - o querer ser cidadão português.

    d.

    O que quer dizer que o fator decisivo nessa aquisição de nacionalidade não é a constância do casamento por mais de três anos - esse é um mero pressuposto - mas a declaração de vontade manifestada pelo interessado visto essa aquisição não ocorrer se o cônjuge estrangeiro, apesar de preencher aquele requisito, não estiver interessado em ser cidadão nacional e, por essa razão, não formular o necessário pedido.

  3. Todavia, a aquisição da nacionalidade por essa via não se produz automaticamente com a simples reunião daqueles pressupostos já que essa pretensão pode ser contrariada pelo M.P. através da propositura de uma ação especial fundamentada num dos seguintes factos: (1) a ausência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional por parte do interessado, (2) este ter sido condenado por sentença transitada pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a 3 anos e (3) ter prestado funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou prestado de serviço militar a Estado estrangeiro (art. 9.º da citada Lei) (Nos termos do art. 9.º da Lei 37/81, na versão que lhe foi dada pela Lei 2/2006: f. «Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: i. a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional; ii. b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa; iii. c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro»).

  4. … De acordo com a redação inicial da Lei 37/81 «o estrangeiro casado com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento» (art. 3.º/1) sendo fundamento de oposição a essa aquisição «a manifesta inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional» [art. 9.º, al.ª a)]. A jurisprudência posta perante a redação dessas normas, considerou que, tendo em conta os princípios gerais do ónus da prova inscritos no art. 342.º do CC e tratando-se de factos impeditivos, cabia ao M.P. - na ação a propor a coberto do disposto nos arts. 10.º daquela Lei e 56.º do DL 237-A/2006 - provar que o interessado não tinha qualquer ligação a Portugal.

  5. Todavia, o legislador, provavelmente na tentativa de neutralizar os eventuais efeitos negativos decorrentes da facilidade com que se podia adquirir a nacionalidade por ato de vontade, resolveu alterar a redação de tais normas por forma a dificultar essa aquisição pelo que, a partir da entrada em vigor da Lei 25/94, de 19/08, só o estrangeiro casado com nacional português «há mais de três anos» é que podia adquirir a nacionalidade por essa via, passando a ser fundamento de oposição «a não comprovação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional» - vd. as novas redações dos citados preceitos - o que significa que a nova redação das apontadas disposições dificultou a aquisição da nacionalidade por ato de vontade na medida em que, por um lado, só a constância do casamento por, pelo menos, três anos dava direito a essa aquisição e, por outro, atribuía ao pretendente da nacionalidade o ónus da prova da sua ligação efetiva a Portugal.

  6. Nesta conformidade, a partir dessa alteração legislativa, ficou claro que cabia ao interessado a obrigação de provar a sua ligação efetiva à comunidade nacional dispensando o M.P. de fazer essa demonstração.

    j.

    No entanto, o legislador, considerando que o equilíbrio na atribuição da nacionalidade passava por uma previsão de regras que, «garantindo o fator de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objetivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000», resolveu, uma vez mais, alterar a redação da mencionada norma com vista a que, no procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, se invertesse «o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público. Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro» - Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 32/X.

  7. E, porque assim, a partir da entrada em vigor da Lei 2/2006 passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade «a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional» (nova redação da al.ª a) do art. 9.º a qual tinha de ser provada pelo M.P.

    l.

    A partir da entrada em vigor da nova redação do art. 9.º da Lei 37/81, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, cit. é ao M.P. que cabe provar que ao/à requerente casado/a com nacional português, não têm qualquer ligação efetiva à comunidade portuguesa.

    m.

    Sendo assim, se uniformiza a jurisprudência declarando que incumbe ao M.P. alegar e provar a inexistência de ligação à comunidade nacional, nos termos do disposto no art. 9.º da Lei da Nacionalidade …”.

    1.2.

    Devidamente notificado o MINISTÉRIO PÚBLICO não veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 703 e segs.

    ].

    1.3.

    Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

    DE...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT