Acórdão nº 0182/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelASCENS
Data da Resolução31 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1-Relatório: A recorrente, A………………, SA, vem discordar da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 22 de Dezembro de 2015, exarada a fls. 214/239, que julgou improcedente reclamação por si deduzida contra o despacho do Director de Finanças de Viseu, que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia mediante penhor mercantil e hipotecas sobre vários prédios e dispensa parcial de prestação de garantia.

Apresentou alegações com as seguintes conclusões (fls. 251/253) «

  1. A reclamação julgada improcedente pela Douta Decisão de que ora se recorre, funda-se no facto do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Frades não ter admitido, por inidóneos e insuficientes, os bens que a Recorrente se dispunha a dar de garantia, bem como pelo facto de não ter concedido a isenção de concessão de garantia em tal eventualidade, conforme resulta do despacho junto tal reclamação como doc. n° 1.

  2. A Recorrente propôs-se liquidar a sua dívida tributária em plano prestacional decorrente da aprovação e homologação judicial da sua proposta de plano de recuperação em processo especial de revitalização que correu termos na Secção de Comércio da Comarca de Viseu, Juiz 1, com o n° 3272/14.OT8VIS.

  3. Tal plano prestacional obteve o voto favorável da Autoridade Tributária, conforme decorre aliás da Douta Sentença ora recorrida.

  4. O pagamento da dívida tributária irá ser efectuado em 150 prestações, conforme resulta do plano de recuperação, encontrando-se no mesmo devidamente identificados os bens que a Recorrente se dispõe a oferecer em garantia.

  5. Do mesmo plano resulta e é requerido que seja concedida à Recorrente a isenção de prestação de garantia na eventualidade dos bens que se predispõe entregar de garantia não sejam considerados suficientes, por tal facto lhe causar, naturalmente, um prejuízo irreparável.

  6. Face ao supra exposto, é manifesto que a Autoridade Tributária bem como todos os restantes credores estão vinculados aos efeitos produzidos pela homologação do plano de recuperação.

  7. Com efeito, dispõe o artigo 17° F n° 6 do CIRE que “A decisão do Juiz (de homologar o plano de recuperação) vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações -…”.

  8. Sendo que o artigo 217° n° 2 do mesmo Código refere que “A sentença homologatória confere eficácia a quaisquer actos ou negócios jurídicos previstos no plano de insolvência, independentemente da forma legalmente prevista, desde que constem do processo, por escrito, as necessárias declarações de vontade de terceiros e dos credores que o não tenham votado favoravelmente...” I) Assim, temos forçosamente de concluir que a Sentença homologatória do plano de recuperação vincula a Autoridade Tributária aos seus exactos termos e, desta forma, esta está compelida a aceitar não só os bens constantes do plano de recuperação e que a Devedora se predispõe a “oferecer-lhe” de garantia, bem como a aceitar a isenção de prestação de garantia quanto ao valor remanescente.

  9. Refere a Meritíssima Juiz “a quo” de que o crédito fiscal é indisponível e de que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes.

  10. Porém, a verdade é que “in casu”, não está minimamente em causa o princípio da indisponibilidade do crédito tributário e assim, o disposto nos artigos 36° n° 2 e 3 da LGT, nem tão pouco o n° 3 do artigo 85° da LGT.

  11. E tanto assim é que a Autoridade Tributária aprovou o plano de recuperação apresentado pela Recorrente.

  12. O que está em causa é a obediência a um plano de recuperação, que foi judicialmente homologado por uma Sentença transitada em julgado e que cumpriu de forma escrupulosa com a legislação tributária e que, por tal facto, deve ser respeitado, “in totum” por todos os credores, Autoridade Tributária incluída.

  13. Acresce que a prossecução das execuções fiscais trazem à Recorrente um prejuízo irreparável evidente, dado que a eventual penhora de bens, saldos bancários e créditos de clientes criar-lhe-ão uma “asfixia” financeira tal que a impedirá de implementar o plano de recuperação judicialmente homologado, pondo inclusivamente em causa o próprio pagamento que vem sendo implementado, pela Recorrente, à própria Recorrida.

  14. A Meritíssima Juiz “a quo” violou o disposto nos artigos 17° F nº 6 e 217° n° 2 do CIRE bem como os artigos 36° n°2 e 3 e 85° n°3 da LGT.

Termos em que, revogando a Douta Sentença ora recorrida e substituindo-a por Douto Acórdão que considere que a Recorrida se encontra vinculada ao plano de recuperação homologado e assim julgue idóneas as garantias que dele constam, estarão V. Exas. a fazer a tão habitual e costumada Justiça.» Não foram apresentadas contra alegações da Autoridade Tributária e Aduaneira.

O Ministério Público emitiu parecer a fls. 272/277 do seguinte teor: «A recorrente A……………., SA, vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 22 de Dezembro de 2015, exarada a fls. 214/239, que julgou improcedente reclamação deduzida contra o despacho do Director de Finanças de Viseu, que indeferiu pedido de prestação de garantia mediante penhor mercantil e hipotecas sobre vários prédios e dispensa parcial de prestação de garantia, no entendimento de que os créditos tributários são indisponíveis, razão pela qual a AT, embora tenha dado do seu acordo ao Plano de Recuperação aprovado no âmbito do PER, definiu no ofício 2131, de 02/12/2014, remetido pela Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, as suas condições, ou seja, a constituição de garantia idónea nos termos do estatuído no artigo 199.° do CPPT ou o reconhecimento dos pressupostos de isenção de prestação de garantia, de que a garantia oferecida nem é idónea nem suficiente para garantia de pagamento da obrigação exequenda e de que a decisão, na parte em que indeferiu o pedido de dispensa parcial de prestação de garantia não sofre de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e direito.

A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 251/253, que, como é sabido, salvo questões de conhecimento oficioso e desde que dos autos constem todos os elementos necessários à sua integração, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 635.°/4 e 639.°/1 do CPC.

A recorrida, Fazenda Pública, não contra-alegou.

A nosso ver o recurso não merece provimento.

Vejamos.

Os créditos tributários são indisponíveis, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária (artigo 30.°/2 da LGT).

O princípio atrás referido prevalece sobre qualquer legislação especial (artigo 30.°/3 da LGT, aditado pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro).

A Administração Tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei (artigo 36.°/3 da LGT).

Os prazos de pagamento dos tributos são regulados nas leis tributárias, sendo certo que, nos casos em que tais leis não estabeleçam prazos, será de 30 dias contados da notificação para pagamento (artigo 85.°/1/2 do CPPT).

A concessão de moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade subsidiária (artigo 85.°/3 do CPPT).

Findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido na lei será extraída certidão de dívida para efeitos de instauração da competente execução (artigo 88.° e 188.° do CPPT).

É permitido o pagamento em prestações desde que seja prestada garantia (artigos 196.°, 197. e 199.° do CPPT), sendo certo que a suspensão da execução fiscal, apenas é permitida nos termos regulados no artigo 169.º do CPPT.

Como resulta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei 39/XII, que procede a alterações ao CIRE «... Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que seja respeitada a legislação aplicável à regulamentação de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários».

No mesmo sentido vai o 3.º parágrafo da mesma Exposição de Motivos, onde se diz que «As alterações que se propõem ao art. 1.º visam, por um lado, sublinhar que a recuperação dos devedores é, sempre que possível, primacial face à sua liquidação, desde que, obviamente, tal não prejudique a satisfação tão completa quanto possível dos credores do devedor insolvente, designadamente a administração fiscal e a segurança social».

Constata-se, assim que, apesar da alteração do CIRE, operada pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, dando prevalência à recuperação económica do devedor e relegando para um plano secundário a liquidação do respectivo património, através do PER (artigos 1.°/1 e 17.°-A do CIRE), a LGT consagra a indisponibilidade dos créditos tributários e a prevalência do seu regime sobre qualquer legislação especial, designadamente no âmbito do processo de insolvência (acórdão do STJ, de 13 de Novembro de 2014, proferido no recurso n.º 3970/12 e do STA, de 2015.03.25-P. 0278/15, 2015.04.15-P. 0302/15 e de 2015.04.15-P. 0331/15, todos eles disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).

Assim sendo, como nos parece que é, o estatuído no artigo 17.°-E/1 e 17.°-F/6 do CIRE, não tem aplicação aos créditos tributários.

E, por assim ser, é que, como resulta do probatório, a Administração Tributária, embora tenha dado o seu acordo ao Plano de Recuperação, no âmbito do PER, definiu no ofício 2131, de 02/12/2014, remetido pela Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários as suas condições, ou seja, a constituição de garantia idónea e suficiente, nos termos do estatuído no artigo 199.º do CPPT ou o reconhecimento dos pressupostos legais de dispensa de prestação...

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