Acórdão nº 084/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução12 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: RELATÓRIO O BANCO A…………., S.A, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (TAF), acção administrativa comum, na forma ordinária, contra o MUNICIPIO DE LOUSADA, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 239.180,06 € - acrescida dos juros moratórios vencidos e vincendos – relativa a créditos devidos pelo réu à empresa “B……………. Ld.ª”, que lhos cedera através de um contrato de “factoring”.

Por saneador-sentença daquele tribunal, a acção foi julgada totalmente procedente, tendo-se condenado o R. a pagar à A. o capital em dívida no montante de €239.180,06, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos.

O R. recorreu desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) que a confirmou.

É contra este acórdão do TCAN que, a coberto do disposto no art.° 150.º do CPTA, vem o presente recurso, interposto pelo Município de Lousada, que, na respectiva alegação, formulou as seguintes conclusões: “I) O cerne do presente libelo prende-se com um alegado ou eventual não pagamento de créditos, no valor € 239.100,06, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, por parte do Município de Lousada, então Réu e ora Recorrente, na posição de Devedor/Cedido, ao Banco A………….., S.A, então Autor e ora Recorrido, na posição de Factor/Cessionário; II) Defendendo o Autor, ora Recorrido, que a sua alegada pretensão resulta, tão só, da (suposta) observância do «Contrato de Factoring», anteriormente celebrado com B……………., Lda, que, na posição de Aderente/Cedente, lhe transmitiu todos os créditos «presentes e futuros» dos quais fosse titular, no âmbito das suas «relações comerciais» estabelecidas com o Município de Lousada; III) A 29 de Agosto de 2005, este «instrumento» de transmissão de créditos passou a produzir efeitos relativamente ao Município de Lousada, agora na qualidade de Devedor Cedido, visto ter sido nessa data que tomou conhecimento da sua existência, tal como determina o n.° 1 do artigo 583.° do Código Civil, sendo certo que tais créditos cedidos, a cuja titularidade o Banco A…………., S.A., continuou a arrogar-se, encontravam-se titulados pelas facturas n.° 2006072, no valor de € 231.344,76, e n.° 2006091, no valor de € 7.835,30, emitidas pelo Cedente/Aderente ao Município de Lousada, vencidas, respectivamente, a 6 de Novembro de 2006 e a 7 de Julho de 2007; IV) Esses créditos cedidos correspondiam, tão só e apenas, ao preço a pagar, pelo Devedor - Município de Lousada, à Cedente – B……………, Lda., ou seja, tinham sido gerados única e exclusivamente contrapartida pela realização de trabalhos no âmbito da execução de um contrato administrativo de empreitada de obras públicas; V) Como resultado do incumprimento contratual dos prazos de execução da empreitada, por parte do Co-Contratante, o Município de Lousada, legitimamente investido na sua posição «exorbitante» de Contraente Público, determinou a aplicação de multas contratuais ao Consórcio, no montante global actualizado de € 447.587,85, impendendo sobre a B…………. o valor de € 223.793,94, por deliberações da Câmara Municipal tomadas a de 4 de Dezembro de 2006 e a 2 de Janeiro de 2007, em cumprimento do imperativo legal, consagrado no artigo 201.° do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março; VI) Actuando, ainda e sempre, em conformidade com a injunção legal constante do n.° 1, do artigo 233° daquele Regime Jurídico de Empreitada de Obras Públicas, as quantias correspondentes às «multas contratuais» foram obrigatoriamente «retidas» pelo Município de Lousada, Dono da Obra, que procedeu ao «desconto» ou «dedução» dos valores correspondentes, aquando do primeiro pagamento, resultante do respectivo Auto de Medição, que se seguiu à aplicação daquelas sanções pecuniárias; VII) Em consequência, se até esse momento, todos os créditos, porque cedidos, tinham vindo a ser pontualmente pagos ao Banco A…………, S.A, não deixa de ser verdade que o mesmo não veio a suceder relativamente às somas constantes daquelas duas facturas supramencionadas, se bem que o Factor/Cessionário tivesse continuado a invocar a sua percepção, ainda na suposta qualidade de Factor/Cessionário, mesmo depois de lhe ter sido dado conhecimento do destino que tais montantes haviam seguido, por imposição da Lei administrativa; VIII) Em sede de Despacho Saneador-Sentença, decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que «todos os meios defesa» articulados pelo ora Recorrente, «na sua contestação provêm de factos ocorridos posteriormente ao momento em que ficou a conhecer a cessão (os contratos de factoring)», mais acrescentando que «toda a defesa do R. assenta em acontecimentos ocorridos depois de Agosto de 2005, significando isto que não são oponíveis ao A., não servindo, com efeito, para o ímpertrado [impetrado?] se eximir ao cumprimento da prestação de pagamento»; IX) Mas como se tal decisão não fosse inconsequente, veio o próprio Tribunal Central Administrativo Norte, sem atender um pouco que fosse às alegações, muito em particular, de direito, apresentadas pelo Recorrente, a proferir o inusitado Acórdão aqui em crise que, na prática, se limitou a confirmar a decisão do Tribunal de primeira instância; X) De facto, concluiu aquele Tribunal que «(...) não sendo oponíveis a multas deliberadas contra a sociedade cedente a título de contra crédito, terceiro-devedor cedente, emergem como exigíveis na sua totalidade os créditos transmitidos no âmbito da cessão financeira, tal como decidido pelo tribunal a quo, pelo valor total de € 239,180,06, mais juros». Isto porque, «(...) em bom rigor, o discutido nos autos não foi a execução do contrato de empreitada, mas o contrato de factoring, em face do que nunca se poderia reconduzir a presente acção à apreciação das vicissitudes da empreitada e da liquidação do respectivo saldo, que por serem posteriores ao contrato de cessão, não podem ser invocados pelo cessionário, nos termos do estabelecido no artigo 585.º do Código Civil»; XI) Dando como certa e reconhecida a importância fundamental da questão de direito emergente da relação material controvertida, pela sua insuspeita relevância jurídica e social, bem como da indubitável necessidade de apreciação jurisdicional superior da mesma, para efeitos de uma melhor aplicação do Direito é deste último Acórdão que o Município de Lousada vem agora interpor junto deste Alto Tribunal, recurso excepcional de revista; XII) Peticionando a revogação e substituição do Acórdão recorrido, por erro de julgamento de direito do qual resultou, a título principal, a inevitável violação de diversos normativos e princípios jurídicos fundamentais, como se verá; XIII) Nos termos do artigo 2.°, do Decreto-Lei n.° 171/95, de 18 de Julho, o «contrato de factoring» ou contrato de cessão financeira consiste «na aquisição por intermediário financeiro (ou cessionário) de créditos a curto prazo (30, 90 e 180 dias) resultantes da venda de produtos ou da prestação de serviços nos mercados interno e externo», pelo que o «factoring visa (..) a gestão e cobrança desses créditos pelo intermediário financeiro, constituindo ao mesmo tempo uma operação de financiamento a curto prazo, na medida em que permite ao aderente obter uma antecipação dos fundos correspondentes aos créditos cedidos» - (cfr. Luís Telles de Menezes Leitão, Cessão de Créditos, Almedina Coimbra, 2005, p. 511); XIV) É certo que se encontra prescrito no n.° 2, do artigo 7.° daquele Decreto-Lei que, «a transmissão dos créditos ao abrigo do contrato de factoring deve ser acompanhado pelas respectivas facturas (...)», razão pela qual tem todo o sentido afirmar que a tradição das facturas acompanha a transmissão dos créditos - (cfr., por todos neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Junho de 2003); XV) Ainda que, de acordo com a Jurisprudência daquele Tribunal Superior, o «contrato de factoring visa a gestão e cobrança de créditos, e, quando se se trata de factoring próprio [o mais usado entre nós], envolve a cobertura dos riscos do crédito, e a obtenção pelo aderente de um financiamento por parte do factor, resultante da antecipação de fundos» - (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Janeiro de 2002); XVI) Em face da estrutura e função deste contrato, afigura-se incontestável a sua proximidade com a cessão de créditos, tout court, seja ao nível conceptual, seja quanto ao respectivo regime jurídico, tal como se encontra consagrada e regulada no artigo 577.° e segs. do Código Civil, mau grado certas «características próprias» que conformam o regime da cessão financeira - (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 813, nota 2); XVII) Deste modo, pese embora a sua «natureza essencialmente comercial, assume tal contrato a natureza de uma cessão de créditos, sendo-lhe, como tal, subsidiariamente aplicável o regime jurídico contemplado nos artigos 577º e segs. do Código Civil» - (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Junho de 2003); XVIII) Assim, qua tale, o contrato de factoring «importa uma transmissão continuada de créditos subordinada aos princípios da globalidade e da exclusividade, de que decorre que, na vigência do contrato celebrado com o factor, o aderente só pode ter relações de factoring com ele, e deve submeter todos os créditos de curto prazo à aceitação do mesmo» - (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 e Janeiro de 2002); XIX) Nessa medida, considerando que no âmbito da estrutura do factoring encontram-se sucessivas “cessões de crédito”, bem tem entendido a Jurisprudência e a Doutrina que se aplica integralmente a este contrato o regime jurídico estabelecido nos artigos 577.° e seguintes do Código Civil, assume aqui especial relevância, o estatuído no n.° 1, do artigo 582.°, segundo o qual «A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe se/a notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite», razão pela qual, se não ocorrer...

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