Acórdão nº 01519/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução22 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO Veio o SINDICATO DOS REGISTOS E NOTARIADO – SUL E ILHAS (STRN), interpor recurso de revista para este STA do acórdão do TCAS que a) negou provimento ao recurso por si interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que se julgou incompetente para conhecer da ação administrativa comum, por si interposta, de condenação da Região Autónoma da Madeira, a pagar aos seus associados, os subsídios de compensação e fixação e passagens aéreas previstas no art. 3º, 1 e 2 do Dec. Lei 171/81, de 24 de Março e nos artigos 1º e 2º do Dec. Lei 66/88, de 1 de Março e que b) negou provimento ao recurso do despacho do TAF do Funchal que indeferiu o pedido de ampliação da causa por si formulado.

Para tanto alega, em conclusão: “A) Em 27/03/2013, o Recorrente propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal ação administrativa comum, ao abrigo do disposto nos arts. 37.º, n.º 1 e 2, al. e) do CPTA, deduzindo, contra a RAM, pedido de condenação da entidade empregadora pública no pagamento aos seus trabalhadores, associados do Recorrente, colocados nos quadros dos serviços transferidos para aquela Região Autónoma pelo Decreto-Lei n.º 247/2003, de 8 de outubro à data da sua entrada em vigor, dos subsídios de fixação e compensação e passagens aéreas a que se referem o art. 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 171/81, de 24 de junho e os arts. 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 66/88, de 1 de março, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos até ao efetivo e integral cumprimento da obrigação.

B) Para sustentar o pedido assim deduzido articulou, como causa de pedir, o facto de serem seus associados trabalhadores que, por força do Decreto-Lei n.º 247/2003, transitaram para os quadros dos serviços da RAM; b) a circunstância de a esses trabalhadores serem devidos subsídios de compensação e de fixação e o pagamento de passagens aéreas para o continente, por força das disposições previstas no art. 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 171/81, de 24 de junho e nos arts. 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 66/88, de 1 de março; e c) o facto de o art. 111.º, n.º 1 e 2 OE2013 (e o art. 110.º, n.º 1 e 2 OE2014), que pretendeu suspender a aplicação das mencionadas normas jurídico-administrativas durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira da Região Autónoma da Madeira, ser inconstitucional, e por isso nulo, estando o Tribunal a quo proibido de o aplicar, nos termos previstos nos arts. 204.º CRP e 1.º, n.º 2 ETAF.

C) O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal veio a proferir despacho que indeferiu o pedido de ampliação da causa de pedir do Recorrente, formulado com fundamento na superveniente entrada em vigor das normas do OE2014; saneador-sentença pelo qual se julgou absolutamente incompetente, em razão da matéria, e absolveu a Ré da instância, tendo ambas as decisões vindo a ser confirmadas pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, com um voto de vencido.

D) Das decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos em segunda instância cabe recurso para este Supremo Tribunal Administrativo quando se discutam questões que, pela sua relevância jurídica ou social, se revistam de importância fundamental ou quando a sua apreciação seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

E) In casu, são duas as questões sobre que se pronunciou o acórdão recorrido e relativamente às quais se reclama a intervenção deste STA: a) saber se a jurisdição administrativa é competente para conhecer dos pedidos de condenação da Administração (no caso, a entidade empregadora pública) no cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, que tenham por objeto o pagamento de uma quantia nos termos do art. 37.º, n.º 2, al. e) CPTA, quando se invoque, incidentalmente, a inconstitucionalidade das normas que determinaram a suspensão da sua vigência, por se tratar ainda de proceder à fiscalização concreta da constitucionalidade que se impõe a todos os Tribunais, nos termos previstos no art. 204.º CRP e no art. 1.º, n.º 2 ETAF; e b) saber se é possível, por força do disposto nos arts. 588.º e 611.º CPC aplicável ex vi art. 42.º, n.º 1 CPTA, na pendência da ação administrativa comum, ampliar a causa de pedir, com fundamento na superveniente entrada em vigor de normas de conteúdo material idêntico àquelas cuja constitucionalidade se requereu fosse incidentalmente apreciada na petição inicial, mas com diferente período de vigência.

F) É jurisprudência consolidada deste STA que se reveste de importância jurídica fundamental a questão que revele uma complexidade superior ao comum ou que venha suscitando dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina; e que existe clara necessidade de admissão da revista quando o caso concreto configure a possibilidade de ser visto como um tipo, passível de se repetir em casos futuros, revelando necessidade de uniformização do direito ou, ainda, quando a matéria tiver sido tratada de forma ostensivamente errada pelas instâncias.

G) ..., salvo o devido respeito, o acórdão recorrido, a que ademais foi aposto voto de vencido, tratou a matéria de forma ostensivamente errada, reclamando-se a intervenção deste STA para melhor aplicação do direito.

H) No que tange a decisão de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, o Tribunal a quo errou ostensivamente: i) ao tratar o pedido especificamente deduzido pelo Recorrente como se de impugnação de normas, emanadas da assembleia da República (que não foi sequer demandada nos autos), se tratasse, concluindo depois pela sua incompetência para conhecer de pedido que não foi, de facto, formulado; ii) ao concluir que a competência para conhecer do objeto do pedido deduzido em juízo é do Tribunal Constitucional; e iii) ao convocar para a solução do caso concreto jurisprudência deste STA a que não se subsume o objeto dos autos ou que, sendo aplicada, implicaria precisamente solução contrária.

I) De igual modo, no que tange a decisão de não admissão da ampliação da causa de pedir com fundamento na superveniente entrada em vigor do art. 110.º, n.º 1 e 2 OE2014, salvo o devido respeito, é também ostensivo o erro de julgamento, porquanto resulta expressamente da lei processual aplicável, concretamente dos arts. 588.º, n.º 1 e 611.º CPC, a possibilidade (e desejabilidade) de ampliar a causa de pedir em articulado posterior à petição inicial quando ocorram factos que, por serem supervenientes, o Autor não podia antes alegar, desde que o faça até ao encerramento da discussão, assim se cumprindo o propósito de fazer corresponder a decisão à situação existente no momento do julgamento.

J) Por outro lado, a possibilidade de a questão sub judice ser vista como um tipo, passível de se repetir em casos futuros, de onde decorre a necessidade de uniformização do direito, justifica também a clara necessidade de melhor aplicação do direito, porquanto a solução encontrada servirá como orientação para todas pretensões potencialmente apresentadas junto dos Tribunais Administrativos que tenham como pedido a condenação da Administração no cumprimento de deveres de prestar decorrentes de normas jurídico-administrativas e como causa de pedir a desaplicação de normas reputadas inconstitucionais (extravasando os limites do universo dos trabalhadores que, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 247/2003, de 8 de outubro, estavam colocados nos quadros dos serviços transferidos para a RAM).

K) Por último, será ainda de admitir a revista com fundamento na complexidade superior ao comum da questão do âmbito da jurisdição administrativa e nas dúvidas sérias que vem suscitando na jurisprudência sabido que é que é jurisprudência deste STA que se trata de questão indissolúvel do sistema de garantias jurisdicionais dos administrados e coloca questões de difícil resolução prática, a valorar à luz do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.

L) O Autor propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal ação administrativa comum, de harmonia com o previsto nos arts. 37.º, n.º 1 e 2, al. e) CPTA, contra a RAM, tendo pedido a condenação desta última, na qualidade de empregadora pública, no pagamento aos seus associados colocados nos quadros dos serviços transferidos para a RAM pelo Decreto-Lei n.º 247/2003, de 8 de outubro dos subsídios de compensação e fixação e passagens aéreas previstos no art. 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 171/81, de 24 de junho e nos arts. 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 66/88, de 1 de março.

M) Compete aos Tribunais Administrativos o julgamento das ações que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídico-administrativas, como sejam as relações de emprego público (arts. 212.º, n.º 3 CRP e 1.º n.º 1 ETAF) e, nomeadamente, apreciar litígios que tenham por objeto a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares diretamente fundados em normas de direito administrativo (art. 4.º, n.º 1, al. a) ETAF).

N) Ora, o que se reclama nos autos é, precisamente, que seja apreciado litígio que surge no âmbito de relação de emprego público, disciplinada por normas de direito administrativo, concretamente, as normas que constam do art. 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 171/81, de 24 de junho e dos arts. 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 66/88, de 1 de março.

O) Pelo que, inquestionavelmente, os tribunais administrativos são absolutamente competentes para, aplicando as normas jurídico-administrativas previstas art. 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 171/81, de 24 de junho e nos arts. 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 66/88, de 1 de março, condenar a RAM, entidade empregadora pública, no pagamento aos associados do Recorrente de quantias certas – cfr. art. 212.º, n.º 3 CRP, arts. 3.º, n.º 1 e 37.º, n.º 2, al. e) CPTA e arts. 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. a) ETAF.

P) Sendo certo que em nenhum momento o Recorrente impugnou (ou quis impugnar) normas constantes de...

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