Acórdão nº 10610/11.5TBOER.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução01 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - Relatório.

N…, S.A.

, com sede na Rua …, intentou a presente ação declarativa condenatória, na forma sumária, contra F…, Lda., com sede na Rua …, e M…, residente na Avenida …, pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento das quantias de € 5.505,36, a título de restituição da comparticipação publicitária e de € 8.638,00, a título de indemnização por café não consumido, acrescidas de juros de mora, calculados às taxas supletivas legais, sucessivamente em vigor para créditos de que são titulares empresas comerciais, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.

Para o efeito alegou, resumidamente, que no exercício da sua atividade celebrou com a 1ª Ré, em 9 de Fevereiro de 2006, para o estabelecimento desta, “Pastelaria F…”, um contrato de fornecimento de café e comparticipação publicitária, a que foi atribuído o n.º 2006001373, no âmbito do qual a 1ª Ré se obrigou a não publicitar outras marcas de café e a adquirir, com carácter de exclusividade, um mínimo mensal de 25 quilogramas de café da marca “S…”, lote “Superior”, comercializado pela Autora, durante um período de 60 meses, com início em 7 de Janeiro de 2006 e termo a 7 de Janeiro de 2011. Como contrapartida, a Autora entregou à 1ª Ré, a título de comparticipação publicitária, a quantia de € 6.500,00 acrescida de I.V.A. à taxa então em vigor, no valor global total de € 7.865,00. A 2.ª Ré outorgou o contrato na qualidade de fiadora e principal pagadora solidária à Autora das obrigações contratuais assumidas pela 1ª Ré.

Porém, a 1ª Ré incumpriu a obrigação de adquirir uma quantidade mínima mensal de 25 quilogramas de café, deixando de fazer aquisições desse produto a partir de Abril de 2007, não mais tendo retomando o seu consumo, sendo que, durante a vigência contratual, consumiu apenas 266 quilogramas dos 1500 quilogramas a que se havia obrigado, o que motivou a resolução do contrato pela Autora, comunicada à 1ª Ré por carta registada com aviso de receção, datada de 29 de Junho de 2007, recebida pela 1ª Ré em 5 de Julho de 2007. Em consequência, e face ao acordado, as Rés estão obrigadas a restituir-lhe a quantia de € 5.505,36, correspondente à comparticipação publicitária paga antecipadamente, deduzida do montante proporcional ao período contratual decorrido e € 8.638,00 a título de indemnização, correspondente ao valor de € 7,00 por cada quilograma de café não consumido (1234 quilogramas).

Citada editalmente, a Ré F…, Lda. não contestou, e citado o Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 15º, n.º 1 do Código de Processo Civil, na sua redação então em vigor, não deduziu oposição.

Citada pessoalmente, a Ré M… contestou, sustentando ter sido sócia e gerente da 1ª Ré, tendo cedido a sua quota e renunciado à gerência em 19 de Abril de 2007, sendo que, desde então, não mais acompanhou a vida societária da 1ª Ré, nem teve qualquer comunicação ou informação sobre o assunto que constitui o objeto da presente ação, admitindo ter assinado, em Fevereiro de 2006, o contrato invocado pela Autora. No entanto, à data em que foi formalmente celebrado por escrito o contrato em causa já estava a ser executado, considerando que apesar de datado de 9 de Fevereiro de 2006 teve o seu início, como ali expressamente referido, em 7 de Janeiro de 2006, e que o clausulado que veio a ser formalizado foi elaborado exclusivamente, na sua substância e forma pela Autora, sem qualquer intervenção material ou formal, das 2ª e 3ª outorgantes, Rés na presente ação, a não ser a mera aposição de assinaturas, tratando-se de um contrato de adesão, que se destinou a formalizar um acordo verbal já em execução e que o contrato a formalizar deveria ter-se limitado a plasmar o que realmente foi ajustado pelas partes, não tendo a Autora, a quem coube a sua elaboração, comunicado ou informado a Ré das estipulações e condições por si introduzidas, violando os deveres de comunicação e informação ínsitos nos artigos 5º, n.ºs 1 e 2 e 6º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

E terminou pela sua absolvição do pedido, requerendo que seja declarada a ilicitude da resolução contratual operada pela Autora, por falta de fundamento, que seja declarada a nulidade da cláusula penal ou, assim não se entendendo, que seja reduzida, segundo juízos de equidade e justiça.

A Autora respondeu às exceções, pugnando pela sua improcedência, alegando que a 2ª Ré assinou o contrato na qualidade de legal representante da Autora e de fiadora, tendo sido consigo que a Autora negociou o contrato junto aos autos, cujo conteúdo lhe foi comunicado, informado e explicado desde o início das negociações, em todos os seus termos e condições, tendo sido aceite pela 2ª Ré, que assinou o contrato de forma voluntária, consciente, livre e informada.

Foi proferido despacho saneador, onde foi dispensada a seleção da matéria de facto, a que se seguiu a realização da audiência de julgamento e prolação da sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré “F…, Lda.” a pagar à Autora N…, S.A., a quantia de € 14.143,36, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados às taxas supletivas legais sucessivamente em vigor para créditos de que são titulares empresas comerciais, desde 10 de Maio de 2012 até integral e efetivo pagamento e absolveu a Ré M… do pedido.

Desta sentença veio a Autora interpor o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1.ª – A presente apelação vem interposta da decisão de absolvição da ré M… do pedido contra ela deduzido na ação.

  1. - A questão que se coloca, no caso sub judice, saber-se se o regime da comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais previsto nos artigos 1º, 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com os efeitos referidos no respetivo artigo 8º é de aplicar ao fiador.

  2. - A ré M… constitui-se fiadora e principal pagadora, para com a autora, dos montantes em dívida resultantes do contrato em causa nos autos; 4ª- O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, caso o devedor não cumpra; 5ª - Remete-nos, isto, para algumas observações acerca da realidade «cláusulas contratuais gerais/contratos por adesão», que poderão colaborar na dissipação de uma certa auréola de “demoníaca” que envolve esta modalidade de contratação.

  3. - Porém, há que pôr de parte a ideia, que muitos deixam transparecer, de que a contratação com recurso a cláusulas contratuais gerais ou através de contratos por adesão está sempre envolvida em ilicitude.

  4. - De igual modo, será bom afastar-se o preconceito de que os predisponentes de tais cláusulas ou modelos contratuais são sempre abusadores ou aproveitadores das debilidades económicas, sociais e culturais e das necessidades dos aderentes com quem celebram contratos.

  5. As disposições dos art.s 5.º e 6.º do DL 446/85 de 25 de outubro não são aplicáveis ao fiador que garante as obrigações decorrentes de contratos celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais ou por adesão.

  6. - Além do mais, mesmo que se entendesse eu os deveres de comunicação e informação referidos abrangem o fiador, tais deveres têm uma abrangência limitada e deve ser aferida para cada caso concreto, decorrendo esta circunstância do dever de diligência que também se impõe ao aderente nos casos de contratação por adesão ou através de cláusulas contratuais gerais.

  7. - No caso sub judice deveria ter-se por suficientemente comunicado o conteúdo da fiança por esta figura ser do conhecimento do cidadão comum.

  8. - Foram erroneamente interpretados e aplicados os art.s 5.º, 6.º e 8.º do DL 446/85 de 25 de outubro, bem como os art.s 627.º, 634.º e 640.º do Código Civil.

Deve, assim, ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, ser a 2ª ré condenada no pedido.

*** Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*** II - Direito processual aplicável.

No caso concreto, estamos em presença de ação instaurada em 8 de dezembro de 2011 e a decisão recorrida foi proferida em 18/ de fevereiro de 2014.

Aos recursos de decisões proferidas a partir de 1 de setembro de 2013, em processos instaurados após 1 de janeiro de 2008, é aplicável o regime de recursos do atual C. P. Civil aprovado pela Lei n.º41/2013, de 26 de junho, nos termos do seu art.º 5.º/1 (posição assumida igualmente por Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 16).

Assim, será aplicável o regime do atual Código de Processo Civil.

III – Âmbito do Recurso.

Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a questão essencial decidenda consiste em saber se a Ré M… é ou não solidariamente responsável pelo pagamento da...

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