Acórdão nº 250/09.4TNLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelCRISTINA COELHO
Data da Resolução28 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação do Lisboa: RELATÓRIO.

G, SA, intentou, no Tribunal de …, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra H (Portugal) –, Lda.

e AP, SA, pedindo a condenação das RR. a pagarem-lhe a quantia de €57.785,07, pelos prejuízos causados, em regime de obrigação solidária.

A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese: A autora, que se dedica à comercialização e distribuição de produtos alimentares e outros de consumo corrente, explorando diversos espaços de venda por grosso, designados CC, espalhados pelo país, incluindo na Ilha .., comprou, em ….07.2007, carne de bovino embalada à B, LTDA, com sede …, em regime de FOB, no valor total de €45.838,80, sem IVA.

O transporte tinha de ser necessariamente efectuado por mar, o que veio a suceder, tendo o mesmo sido feito e assegurado pelo transportador V- TM, S.A., tendo a mercadoria sido transportada no contentor frigorífico pertencente à 1ª R.

O embarque ocorreu no dia 20.07.20…, com partida do Brasil, e chegada ao porto do … no dia 16-08-20…, tendo a A. tomado todas as medidas necessárias ao transporte do contentor frigorífico, via marítima.

O conhecimento de embarque, assinado em 13.08.20…, continha, para além das restantes indicações, as seguintes condições de transporte: "carne bovina refrigerada; temperatura requerida: -1,4º; mercadoria embalada no Brasil, …, …”.

O contentor foi transportado até ao porto do…, por mar, sendo que antes de chegar às instalações da A. na…, ficou parqueado no porto do…, o qual pertence à 2ª R., desde o dia 16.08.20… até ao dia 29.08.20…, data em que chegou à posse da autora.

A partir do dia 23.08.20… verificou-se uma avaria no regulador da temperatura do contentor, tendo a temperatura aumentado para valores superiores aos devidos, e só em 29.08.20… é que a A. teve acesso ao contentor, ficou a saber da sua avaria e que a carne que se encontrava no interior estava completamente putrificada e com cheiro nauseabundo.

Esta avaria apenas foi constatada nos seis dias subsequentes aos registos de anomalias detectados no regulador da temperatura, não tendo o porto do … alertado a autora para este facto.

Desde a entrega pela transportadora no porto que ninguém fiscalizou nem zelou pelo bom funcionamento do contentor.

No porto do…, apenas a 2ª R. tinha poderes para proceder a uma vistoria diária do contentor.

A autora diligenciou pela destruição da carne estragada que vinha no contentor e suportou todos os custos inerentes a esse procedimento, tendo instado as RR. para assumirem a sua responsabilidade no pagamento do prejuízo causado, mas sem sucesso.

A 1ª R., enquanto proprietária do contentor em causa, é responsável pela sua manutenção e bom funcionamento.

A 2ª R., enquanto proprietária e exploradora do espaço onde esteve parqueado o contentor, tinha o dever de vigilância sobre as condições em que o mesmo se encontrava, tanto mais que foi paga para esse efeito bem como para fornecer energia eléctrica ao mesmo.

Para além do valor da mercadoria deteriorada, gastou a A. o montante de €9.307,27 nos procedimentos normais de um transporte por mar deste tipo de mercadorias (incluindo a sua destruição), bem como a quantia de €1.106,88 com os honorários e despesas dos peritos que elaboraram o relatório junto aos autos.

Regularmente citadas, contestaram as RR.

- a 1ª, por excepção, invocando a incompetência absoluta do tribunal para conhecer da acção, e a caducidade do direito da A., , e por impugnação, e termina requerendo a procedência da excepção de incompetência com a sua absolvição da instância, ou caso assim não se entenda, a procedência da excepção de caducidade com a sua absolvição do pedido, e, em qualquer caso a improcedência da acção.; - a 2ª R., por impugnação, propugnando pela improcedência da acção.

A A.

replicou, propugnando pela improcedência das excepções deduzidas.

Foi proferido despacho que julgou procedente a excepção de incompetência territorial deduzida e determinou a absolvição das RR. da instância.

Requerida a remessa dos autos ao tribunal competente, foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para final o conhecimento da excepção de caducidade invocada, elaborou-se matéria de facto assente e base instrutória, as quais não sofreram reclamações.

Procedeu-se a audiência de julgamento, vindo, oportunamente, a ser proferida sentença, que julgou a acção parcialmente improcedente, absolvendo a 1ª R. do pedido, e parcialmente procedente, condenando a 2ª R. a pagar à A. a quantia de €55.145,87, acrescida de juros de mora vencidos à taxa legal, no montante de €2.639,20 e vincendos à mesma taxa até integral pagamento.

Não se conformando com esta decisão, apelou a R. AP, tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões, que se reproduzem: 1.

O Facto 22º da Base instrutória, considerando o texto da Alínea A) dos Factos assentes, a resposta aos Factos 23º e 24º da Base instrutória, a fundamentação das respostas à matéria de facto e o depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, deveria ter sido dado como “não provado”.

  1. Do texto do referido Facto 22º consta “Qualquer contentor frigorífico, incluindo o destes autos, tem de ser objecto de verificação da temperatura que fornece, três vezes ao dia, em cada dia de utilização, e efectuada qualquer reparação que se imponha em caso de avaria”.

  2. Ora, da fundamentação da resposta ao Facto 22º da BI, não resulta que tenha sido feita prova de que qualquer contentor frigorífico tem de ser objecto de verificação da temperatura que fornece três vezes por dia; bem pelo contrário, a prova produzida foi no sentido de que tal verificação de temperatura não resulta de qualquer imperativo legal ou outro equivalente, não ocorre, ou ocorreu no caso dos autos.

  3. Acresce que o serviço solicitado à 2ª R., e pago pela A. foi apenas a “ligação à energia” (cfr. Alínea A) e resposta ao Facto 17º da BI).

  4. Deste modo, a resposta ao Facto 22º da Base Instrutória deveria ter sido “não provado”.

  5. Está em causa nestes autos um transporte internacional, por via marítima de um contentor entre o Brasil e Portugal, ao qual é aplicável o disposto na Convenção de Bruxelas de 1924, para unificação certas regras em matéria de conhecimento de carga e subsidiariamente o DL 352/86, de 21/10.

  6. “Neste contexto, avulta a norma contida no art. 18º do DL nº 352/86, o qual dispõe que “(...) o transportador deve entregar a mercadoria, no porto de descarga, à entidade a quem, de acordo com os regulamentos locais, caiba recebê-la, sendo a esta aplicáveis as disposições respeitantes ao contrato de depósito regulado na lei civil. Em todo o caso, é de salientar que as partes não estão impedidas de regularem diversamente a responsabilidade pelas mercadorias no porto, após a descarga, pois os artigos 2º da Convenção e 7º do DL nº 352/86, assumem carácter supletivo na fase não marítima do transporte (arts. 7º da Convenção e 2º do DL nº 352/86).” 8.

    Ao relacionamento que se estabelece entre o dono da mercadoria e a Administração portuária local - no caso a A. e a 2ª R. AP – entidade que procede à armazenagem da mercadoria na área portuária, são aplicáveis as disposições particulares constantes do Regulamento de Tarifas da AP, publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma, através da Portaria nº 8/2006, de 30 de Janeiro de 2006.

  7. Os serviços prestados pela AP encontram-se claramente identificados, estando a armazenagem de contentores contemplada nos arts. 35º e 36º do referido Regulamento de Tarifas 10.

    O Capítulo X, sob o título “Fornecimentos”, prevê o serviço de fornecimento de energia eléctrica a contentores frigoríficos e o respectivo custo, que incluía, de acordo com o disposto no art. 41º 2.2 o fornecimento de energia à hora, a ligação à rede e o aluguer do contador.

  8. Não estava contemplado no leque de serviços a prestar pela AP, o serviço de verificação de temperaturas.

  9. Assim, e nos termos do contrato celebrado com a A., a 2ª R. deu integral cumprimento às obrigações que assumiu: desde que o contentor entrou nas suas instalações, a 2ª R. forneceu energia ao mesmo, efectuou rondas para verificação de que este se encontrava ligado à corrente, não tendo detectado qualquer anomalia no seu funcionamento.

  10. A AP no âmbito do desenvolvimento da sua actividade de gestão concorrencial das infraestruturas portuárias, tem o dever de adaptar os serviços prestados às solicitações dos diversos intervenientes, razão pela qual, a partir de Setembro de 20…, mais de 6 (seis) anos após os factos aqui em causa, o serviço de verificação de temperaturas passou a estar disponível, sendo...

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