Acórdão nº 683/07.0TMLSB-B.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução09 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO MANUEL ------, residente na Rua ------, intentou contra ALZIRA -------, residente na-----------------, acção de prestação de contas (espontânea), por apenso ao processo de inventário em consequência de divórcio, através da qual requer a aprovação das contas respectivas e a condenação da ré no pagamento ao autor, do valor correspondente a metade do saldo apurado, que contabiliza em 13.276,31€.

Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de ter sido nomeado cabeça de casal no processo de inventário subsequente ao divórcio entre autor e ré e que, no desempenho das suas funções, tem vindo a realizar o pagamento de despesas atinentes à administração dos bens relacionados sob as verbas nºs 6 e 8.

Citada, a ré veio contestar, aceitando que são da responsabilidade de autor e ré as despesas constantes do ponto 8º e compreendidas entre 22.11.2007 e 30.10.2009, no montante de 3.820,32€ e ainda a despesa datada de 27.04.2013, no valor de 160€. Quanto às restantes, alega que em virtude do acordo de utilização da casa de morada de família, celebrado nos autos de divórcio e homologado judicialmente, nada deve, com relação às despesas com o pagamento de prestações mensais de crédito à habitação, condomínio, seguro e IMI, pois o autor acordou ser o responsável por esses pagamentos até à venda ou partilha do imóvel (o que ainda não ocorreu).

Concluiu a ré, pedindo que sejam as contas aprovadas quanto ao montante de 3.980,32€ e a ré condenada no pagamento de 1.990,16€, devendo ser absolvida do restante valor peticionado.

Produzida a prova documental e inquiridas as testemunhas arroladas pelas partes, o Tribunal a quo proferiu decisão, em 04.02.2014, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: Pelo exposto, decide o tribunal: A) julgar boas as contas prestadas pelo autor e fixar o respectivo saldo em 26.552,61€; B) julgo procedente a excepção peremptória deduzida pela R., limitando a sua condenação no Pagamento da quantia de 4.374,45€, que engloba 3.820,23€ reportada a despesas ocorridas entre 22/11/2007 e 30/10/2009 e 554,22€ reportada a despesas com as taxas anuais inerentes à semana de férias no Club ------; (…) A requerimento da ré, o Tribunal a quo proferiu, em 26.03.2014, o seguinte despacho, rectificando o lapso verificado na sentença de 04.02.1014: Assiste razão à r. quanto ao lapso de escrita que se verifica a fls. 193, despesa relativa a prémio de seguro de 22/9/2009, pois foi indicado o valor de 1,57€, em vez de 31,57€, o que bem se compreende do cotejo das restantes rúbricas relativas a esta despesa, sempre indicadas pelo valor de 31,57€ (conforme decorre dos respetivos documentos).

Já quanto às restantes despesas que a R. referem deverem acrescer às descritas na sentença, certamente deve-se a lapso da requerente, pois verifica-se que: - despesa de 4/3/2011, pagamento do condomínio de 2007, 2º semestre de 2008 e seguro global de 2008, no valor total de 560,06€; está relacionada a fls. 196 (constava das contas a fls. 9 e não sofreu impugnação); - despesa de 23/4/2012, pagamento das taxas anuais de 2010, 2011 e 2012, relativas a semana de férias Club ---- no total de 498,12€; consta da sentença a fls. 198; - despesa de 27/4/2013, pagamento da taxa anual de 2013, da semana de férias Club -----, no valor de 160€; consta da sentença a fls. 200.

Em suma, ao abrigo do disposto no art. 614º, nº 1 do CPC, a rúbrica a retificar é apenas a de fls. 193 acima mencionada.

Na sequência dessa retificação, o saldo final de 26.552,61€, indicado na al. A) da parte decisória da sentença, não sofre alteração, pois o valor considerado para a soma foi já de 31,57€ e não o de 1,57€.

Pelo exposto, ao abrigo do art. 614º, nº 1 do CPC, a fls. 193, na despesa de 22/9/2009, onde se lê “1,57€”, deverá ler-se “3,57€”.

E, por despacho de 28.05.2014, foi corrigido o valor para 31.57€.

Inconformado com o decidido na sentença de 26.03.2014, o autor interpôs recurso de apelação, relativamente à aludida sentença.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente: i.

O tribunal a quo deu como provados apenas os factos que se encontram enunciados nos pontos 1 a 11 de pág. 2 a 13 (não numeradas) da sentença.

ii.

Mal andou o tribunal a quo quando decidiu que “Conforme resulta da prova efectuada, é efectivamente o A. que residia e continua a residir na casa de morada de família, tendo a R. ido viver para uma casa arrendada” [cfr. pág. 17 (não numerada) da sentença].

iii.

Nesta acção de prestação de contas não está alegado - e muito menos provado - que a ré/recorrida tenha arrendado casa para viver com o seu filho, pelo que mal andou o tribunal a quo quando erradamente considerou provada esta factualidade [cfr. pág. 17 (não numerada) da sentença].

iv.

Mas andou bem quando decidiu que inexistem Factos Não Provados [cfr. pág. 13 (não numerada) da sentença], entre os quais se inclui que a ré/recorrida tenha ido viver para uma casa arrendada.

v.

O tribunal a quo também andou mal ao considerar que a compensação prevista pela utilização [atribuição provisória] da casa de morada de família foi o pagamento pelo ora autor/recorrente de despesas que também estariam a cargo da ré/recorrida e pelas quais, ao abrigo do artigo 1730º, n.º 1 do Código Civil, comparticiparia com metade.

vi.

Compensação que o tribunal a quo contraditoriamente afirma não ser possível quando se reporte a outra relação jurídica, porquanto a acção de prestação de contas não é a sede adequada para levar tal factualidade em conta como defesa por impugnação ou excepção.

vii.

O tribunal a quo não podia sequer considerar essa compensação como erradamente o fez, em violação do princípio do dispositivo, uma vez que a mesma não foi alegada ou requerida pela ré/recorrida.

viii.

Como foi decidido no acórdão do TRP de 05/02/2013, referido na sentença de que se recorre, "não disciplinando a lei, de forma especifica, como efectuar a atribuição provisória da casa de morada de família, nada impede que, como pano de fundo, se recorra ao regime arrendatício fixado no citado artigo 1793º [do Código Civil], o qual fixa os índices de referência quanto à atribuição provisória da casa de morada de família" (neste sentido, ac. STJ de 26/04/2012).

ix.

Regime esse sujeito a um processo próprio de jurisdição voluntária, com predomínio da equidade sobre a legalidade (artigo 1793º do Código Civil e artigos 1410º e 1413º do Código de Processo Civil).

x.

Fixando, assim, tal norma (o artigo 1793º do Código Civil) os índices de referência quanto à atribuição provisória da casa de morada de família, ou seja, "quer a atribuição do direito ao arrendamento, quer o quantum da renda, serão determinados de harmonia com o que o referido artigo 1793º prescreve, isto é, "considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal". A renda a fixar não deve, pois, atender, sempre e essencialmente, aos valores do mercado, devendo antes considerar a situação do caso concreto. De qualquer forma, a fixação da renda, atendendo aos factores referidos, não deve andar "muito longe do valor da renda condicionada" (cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, vol. I, 2ª ed., pág. 664)" (cfr. ac. STJ de 18/11/2008, processo n.º 08A2620, in www.dgsi.pt).

xi.

No presente caso, o tribunal a quo não fixou os índices de referência quanto à atribuição provisória da casa de morada de família, nos termos e para efeitos do artigo 1793º do Código Civil, nem considerou, nomeadamente, as necessidades do autor/recorrente e da ré/recorrida e o interesse dos filhos do casal.

xii.

Como também não ordenou a realização das diligências necessárias para fixar uma compensação pela atribuição provisória da casa de morada de família até à partilha dos bens comuns do casal, mas tal não sucedeu.

xiii.

Se a compensação prevista pela utilização [atribuição provisória] da casa de morada de família fosse o pagamento pelo ora autor/recorrente de despesas que também estariam a cargo da ré/recorrida, então estaríamos perante um enriquecimento ilegítimo da ré/recorrida e o correspectivo empobrecimento do autor/recorrente.

xiv.

A ré/recorrida não alegou, nem provou, que tenha arrendado casa para viver com o seu filho, pelo que as despesas reclamadas pelo autor/recorrente nesta acção de prestação de contas não revestem, nem podem revestir, a forma de compensação prevista pela atribuição da casa de morada de família e não constituem facto extintivo, pois tais despesas também estão a cargo da ré/recorrida e pelas quais, ao abrigo do artigo 1730º, n.º 1 do Código Civil, tem que comparticipar com metade.

Pede, por isso, o apelante, que seja julgada procedente a apelação e revogada a decisão recorrida, no âmbito delimitado pelo objecto do presente recurso, condenando-se a ré/recorrida conforme peticionado.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*** II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i. DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA E DOS ESPECÍFICOS ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO IMPOSTOS AO RECORRENTE.

ii. DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

*** III . FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Foi dado como provado na sentença recorrida o seguinte: (alegações do requerente) 1.

Por sentença proferida em 19/11/2009, transitada em julgado, no âmbito...

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