Acórdão nº 2362/14.3T2SNT.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelVITOR AMARAL
Data da Resolução16 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: * I – Relatório: “I...”, com sede na ..., intentou a presente acção declarativa com processo especial (de insolvência) contra M..., residente na ..., pedindo que a R. seja declarada em estado de insolvência, bem como o reconhecimento do crédito da A., no montante de € 21.958,98, e graduação respectiva, no lugar que lhe competir.

Alegou, para tanto, em síntese: - dedicar-se a A. ao comércio de vestuário, tendo vendido à R. diversas mercadorias, no valor total de € 18.930,93, que a mesma não pagou, tendo-se furtado ao cumprimento, pelo que a dívida se mantém – acrescem juros de mora, fixados na petição em € 3.028,05 – ante a manifesta incapacidade da devedora para pagar; - ter a R. pendente contra si uma execução, com o valor de € 30.248,55, e encontrar-se numa situação financeira que a impede de cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas; - encontrar-se vencido há mais de um ano o crédito da A., tendo a R., em grave situação económico-financeira, acumulado dívidas que determinam encontrar-se insolvente; - ter tal R. suspendido de forma generalizada as seus pagamentos e incumprido obrigações para com a A. que, pela sua dimensão e circunstâncias de incumprimento, revelam claramente a impossibilidade de satisfazer as obrigações; - mostrando-se, por isso, preenchidos os requisitos do art.º 20.º, n.º 1, al.ªs a) e b), do CIRE.

Determinada a citação da R., não foi conseguida a sua citação, por não se ter logrado apurar o seu paradeiro, nem a audição de algum parente ou pessoa com ela relacionada.

Dispensada a audição da R. (art.º 12.º do CIRE), foi designada data para audiência de discussão e julgamento, a que se reporta o art.º 35.º do CIRE, onde foi proferido despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, após o que se procedeu à produção da prova.

Foi depois proferida sentença – datada de 17/12/2014 –, julgando a acção improcedente, com a consequente absolvição da R. do pedido.

Inconformada, recorreu a A., apresentando alegação e formulando as seguintes Conclusões: «(…) 12) Por seu turno, o Douto Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos: − A Requerida deixou de pagar o crédito da Requerente como os créditos de outros credores, os quais se viram forçados a desencadear os competentes meios e procedimentos judiciais para tentarem ser ressarcidos.

−Da lista pública de execuções consta pendente contra a Requerida uma execução movida por Investments 2234 Lic., no Juiz 2 do Juízo de Execução de Sintra da Comarca da Grande-Lisboa Noroeste (Proc. 3587/04.5PCAMD), com o valor de € 30.248,55.

−A Requerida encontra-se em grave situação económica-financeira.

− A Requerida tem um passivo exigível e acumulou dívidas de uma forma tal que se conclui, inequivocamente, a impossibilidade de cumprir a generalidade das obrigações assumidas.

− A crise da Requerida é de tal forma grave, séria e notória que a sua apresentação à insolvência há muito deveria ter sido promovida.

− A Requerida suspendeu de forma generalizada os seus pagamentos.

− A Requerida encontra-se em situação de inviabilidade económica.

13) São estes factos aliás não provados, os quais por se considerar incorrectamente julgados, que motivam a impugnação da decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do artigo 640º do Código de Processo Civil.

14) A final, concluiu o Douto Tribunal a quo pela total improcedência da acção instaurada pela Requerente, ora Recorrente.

15) Ora, no presente recurso, a Recorrente pretende demonstrar e concluir que a Douta Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo enferma de erro de interpretação dos factos e de direito, os quais impõem sempre a sua total procedência e não a improcedência como ficou decidido.

16) Com o aliás muito e devido respeito, não se nos afigura correcta a decisão ora posta em crise, quer no que respeita à apreciação da matéria de facto, quer no que concerne à aplicação do Direito.

17) A Douta Sentença não fez, salvo o devido respeito, correcta aplicação do direito aos factos e não tomou em consideração toda a matéria relevante, bem como, por outro lado, se algumas das normas legais fossem aplicadas e interpretadas correctamente conduziriam, necessariamente a decisão diferente da tomada pelo Douto Tribunal a quo.

18) Como se procurará demonstrar, o Tribunal a quo, ao decidir nos termos em que decidiu, levou a um claro erro de julgamento, atendendo à matéria de facto dada como não provada na aliás Douta Sentença e sempre se inferiria decisão diferente da adoptada na questão em crise.

19) Efectivamente, e com base nos factos declarados pela testemunha e atento tudo quanto foi carreado para os autos, impunha-se uma decisão diferente, uma vez que, perante todo este conspecto fáctico é de deduzir uma outra decisão, que não, a proferida pela Douta Sentença.

20) Desde logo, foi desprezada pelo Douto Tribunal a quo a situação de muito precária solvabilidade financeira da Requerida, a qual a impede de honrar os compromissos assumidos válida e plenamente com credores, não relevante o facto de dever ser a própria Requerida, nos termos da Lei, a apresentar-se à insolvência, e não um credor que se viu na impossibilidade de receber o que lhe era devido.

21) Não relevou ainda, no entender da Requerente, ora Recorrente, a total impossibilidade de citação da Requerida, o que mostra cabalmente a fuga aos compromissos que assumiu e é um claro sinal de suspensão generalizada de pagamentos e da situação de inviabilidade económica.

22) Perdoará certamente o Douto Tribunal a crueza da seguinte expressão, mas não pode um devedor passar entre os pingos da chuva, como se nada fosse, e ficar um credor a arder, com o prejuízo dobrado de não receber o valor de tudo aquilo que forneceu, tendo, para mais, esse fornecimento sido solicitado, livre e espontaneamente, pelo devedor.

23) Há aqui, pois, um flagrante erro de julgamento e erro quanto à decisão ora posta em crise, que não deixará, estamos em crer, de ser reconhecida pelo Douto Tribunal ad quem, por forma a demonstrar que a Douta Sentença efectuou uma errada interpretação da prova produzida, cujas consequências se traduziram numa errada e injusta decisão, a qual colide, ostensivamente, com os mais elementares princípios da livre apreciação da prova e do Direito.

24) Na motivação descrita na Douta Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo é dito que “face à ausência de outra prova produzida e na medida em que não ficou demonstrada a existência de uma execução movida por outro credor (por não ter sido junto qualquer documento e por o tribunal ter pesquisado oficiosamente na lista pública disponível na internet e não ter conseguido confirmar esse facto), ficou, pois, por demonstrar o incumprimento generalizado das suas dívidas ou qualquer outro dos factos alegados a respeito da situação económica da Requerida”.

25) Ora, desde já, e no que à lista pública de execuções diz respeito, é verdade que, actualmente, não consta qualquer registo relativo à Requerida. Todavia, não é menos verdade que também actualmente, a dita lista pública contem apenas 109201 registos, os quais não são, nem por sombras, o número de execuções actualmente pendentes.

26) Mais, o próprio aplicativo de pesquisa CITIUS, no campo respeitante à consulta do Registo Informático de Execuções não é absolutamente rigoroso.

27) Mas a verdade é que mesmo à data de hoje, no Registo Informático de Execuções, in CITIUS, surge a informação relativa a um processo executivo pendente movido contra a Requerida, aqui Recorrida, aliás, tudo conforme documento n.º 1, que agora se junta e aqui se considera integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais.

28) Ora, está assim bom de ver, com o devido respeito, que mal andou o Douto Tribunal a quo na apreciação que fez dos factos, quando afirma que pela impossibilidade do conhecimento outros procedimentos movidos contra a Requerida e conhecimento de outros credores, se via impedido de admitir o incumprimento generalizado das dívidas e a situação económica da Requerida.

29) É certo que apenas a Requerida saberá, com rigor, quanto e a quem deve.

30) Mas, da nossa parte, sabemos que deve cerca de € 20.000,00 a um credor e cerca de € 30.000,00 a outro, ou seja, cerca de € 50.000,00, e não havendo na Lei um critério definido quanto ao valor no qual se considera em insolvência, uma pessoa singular ou colectiva, releva o critério do valor do activo e do passivo.

31) Ora, quanto ao activo, nada sabemos, desde logo, porque a Requerida não foi citada, por manifesta impossibilidade de localização, conforme aliás reconheceu o Douto Tribunal a quo.

32) Assim, teremos de recorrer ao disposto na Lei, nomeadamente o artigo 3º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o qual dispõe que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

33) E conforme ensinam LUIS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado – Ed. Quid Juris), “de há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos”.

34) E continuam: “com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser...

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