Acórdão nº 47/11.1TOLSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARGARIDA RAMOS DE ALMEIDA
Data da Resolução25 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


TEXTO I – relatório 1.

Por acórdão de 13 de Janeiro de 2015, foi proferida decisão condenando o arguido L.M.C., nos seguintes termos: A. Pela prática, como co-autor, de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 217º e 218º, nº2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; B. Pela prática, como co-autor, de um crime de burla qualificada, em co-autoria material e na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 217º, 218º, nº1, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; C. Pela prática, como autor material, de um crime de violação de segredo, qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 195º e 197º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; D. Pela prática, como autor material, de um crime de acesso ilegítimo, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 7º, nºs 1 e 3, da Lei 109/91, de 17 de Agosto, na pena de 6 (seis) meses de prisão; E. Em cúmulo, condenar o arguido L.M.C. na pena única de 5 (cinco) anos de prisão; F. Suspender pelo período de 5 (cinco) anos a execução da pena de prisão na qual foi condenado o arguido L.M.C., nos termos dos artigos 50º, nºs 1 e 5, e 53º, nº3, do Código Penal; G Condenar o arguido L.M.C. a pagar ao assistente BCP a quantia de € 28.975,47, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, vencidos e contabilizados no montante de €1.952,90, até 22 de Dezembro de 2012, bem como dos vencidos desde 23/12/2010 e vincendos, sobre a quantia de € 28.975,47, até efectivo e integral pagamento.

  1. Inconformados, vieram o arguido e o assistente BCP, s.a.

    interpor recurso, alegando em súmula o seguinte: A.

    Recurso interposto pelo arguido: a. Invoca ter ocorrido erro no que se refere aos factos provados 16, 17, 18, 24, 25, 28, 29, 32, 33, 34 e 35; b. Alega verificar-se contradição entre os factos provados 24, 25, 28, 29, 32 e 33 e os factos não provados em i), iv), v) e xx), x), xi) e xii; c. Como decorrência dos erros e contradições acima referidos, entende que não se mostram provados os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crimes pelos quais foi condenado.

    Termina pedindo que seja o acórdão revogado e o arguido absolvido (tanto em sede criminal como cível) ou, subsidiariamente, que as penas impostas sejam reduzidas.

    B.

    Recurso do assistente: Alega que, dadas as circunstâncias em que os crimes foram praticados (no âmbito do exercício de funções que o arguido desempenhava no BCP Comercial Português), a simples suspensão da pena mais não significa do que uma “condenação sem pena” e, não só o interesse do recorrente fica postergado como o efeito da prevenção geral fica gravemente diminuído, já que, em termos práticos, todos verão que a decisão condenatória em pouco ou (mesmo) nada altera a normalidade da vida do arguido.

    Termina pedindo que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido L.M.C. seja condicionada ao dever de pagamento – ainda que parcial – da quantia a que o mesmo foi condenado a indemnizar o demandante.

  2. Os recursos foram admitidos.

  3. Arguido e assistente responderam aos mesmos, pronunciando-se reciprocamente pela sua improcedência.

  4. Neste tribunal, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.

    II – questões a decidir.

    Questão prévia: Da admissibilidade do recurso interposto pelo assistente, desacompanhado do Mº Pº, nos casos em que este questiona a espécie ou a medida da pena imposta ao arguido.

    1. Questões relativas à matéria de facto provada e não provada.

    2. Ausência de preenchimento dos elementos constitutivos dos crimes e falta de requisitos fundadores de responsabilidade civil extracontratual.

    3. Alteração do quantum das penas impostas/imposição de condição de suspensão da pena.

    iii – fundamentação.

    Questão prévia: Da admissibilidade do recurso interposto pelo assistente, desacompanhado do Mº Pº, nos casos em que este questiona a espécie ou a medida da pena imposta ao arguido.

  5. O assistente, ao interpor o seu recurso, apresentou a seguinte nota prévia: Da legitimidade e interesse em agir do ora recorrente A pretensão do recorrente (de ver a referida suspensão da execução da pena condicionada à reparação do seu prejuízo) traduz um interesse concreto em agir, autónomo e directo, que se não reconduz a uma mera pretensão punitiva mas sim à reparação do prejuízo sofrido pela prática do crime.

    A doutrina e a jurisprudência têm vindo a caracterizar o chamado interesse em agir como a necessidade de apelo aos tribunais para proteger um direito ameaçado, carecido de tutela e que só por essa via se logra obter. Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.12.2006 (Processo 06P2040), o interesse em agir “traduz a necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção e reside na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em crise”.

    Deve assim considerar-se que o recorrente tem interesse em agir sempre que a decisão posta em crise seja proferida contra ele, lhe cause prejuízo ou frustre uma expectativa ou interesse legitimamente manifestado no processo.

    Foi precisamente esse o sentido do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 5/2011, que considerou que o assistente tem interesse em agir e legitimidade para recorrer de uma decisão, sempre que tenha “de lançar mão desse meio para reagir contra uma decisão que comporte para si uma desvantagem, que fruste a sua expectativa ou interesses legítimos”.

    Esta orientação tem sido, aliás, a posição maioritária seguida pelos Tribunais Superiores, expressa nos arestos que, a título meramente exemplificativo, se transcrevem: “Pretendendo a assistente acautelar o seu direito à indemnização, procurando com o recurso interposto a alteração das condições da suspensão da execução da pena imposta ao arguido (por crime público), de modo a subordinar-se aquela ao pagamento da indemnização devida, manifesta dessa forma um interesse concreto e próprio em agir, nos termos e para os efeitos do Assento 8/99, do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça”.

    Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.05.2001 (Processo n.º 603/01) “O assistente tem legitimidade (ou interesse em agir) quando exprima a pretensão de que a suspensão da pena suporte a condição de pagamento indemnizatório em determinado prazo ou a de um dever de reparação a cumprir em prazo fixado, pois que em tal situação visa-se o ressarcimento do lesado pelos danos sofridos (ou de reparar ao ofendido os prejuízos que o atingiram) em consequência do facto ilícito criminalmente praticado”.

    Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.03.2003 (Processo n.º 3127/02) “Carece de interesse em agir o assistente que interpõe recurso da decisão condenatória, pedindo quanto à parte criminal daquela tão só o agravamento da pena e a não suspensão da execução da mesma. Não tendo o MP interposto recurso da decisão condenatória, o assistente não tem um concreto e próprio interesse em agir quanto ao simples agravamento da medida da pena, pois não deduziu acusação, não acompanhou a acusação do MP e não requereu instrução, isto é, limitou-se a aceitar o processo no estado em que se encontrava no momento em que se constituiu como tal (art. 68.º, n.º 2, do CPP), para depois deduzir pedido cível. Outra seria a solução se o assistente tivesse pedido, por exemplo, que a suspensão da pena ficasse condicionada ao pagamento aos lesados de uma certa compensação económica, por conta da indemnização, pois aí manifestava um concreto e próprio interesse em agir” (sublinhado nosso).

    Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.07.2006 (in www.dgsi.pt) “Constitui um interesse pessoal e directo, a subordinação da suspensão da execução da pena ao pagamento de uma quantia destinada a reparar o prejuízo material sofrido, com isso não colidindo a possibilidade de executar judicialmente a decisão condenatória cível”.

    Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30.05.2007 (in www.dgsi.pt) “O assistente não dispõe de legitimidade para recorrer da matéria penal debatendo-se pela agravação da pena de prisão fixada em 1.ª instância mas já dispõe de legitimidade quando pugna pela suspensão da execução da mesma, sujeita esta à condição de a arguida, em determinado prazo, devolver certa quantia em dinheiro (sublinhado nosso).

    Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.12.2007 (in www.dgsi.pt) “O assistente tem legitimidade para recorrer de uma pena suspensa na sua execução quando peticiona que tal suspensão seja subordinada ao pagamento de uma indemnização a si próprio”.

    Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 7.02.2012 (in www.dgsi.pt) É igualmente este o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27.02.2012 (processo 15/03.7PEGMR-B.G1), que, apreciando um recurso exactamente idêntico ao presente, decidiu ser “inequívoco que a decisão aqui em causa [a proferida pelo Tribunal de primeira instância, em tudo idêntica à decisão de que ora se recorre] frustra manifestamente as expectativas e o interesse legítimo do assistente em ver ressarcidos de imediato os respectivos danos.

    Mais decidiu o dito Acórdão que “desde que o assistente se tenha por afectado pela decisão penal por ela não corresponder, segundo o seu juízo de valor, à justiça do caso concreto, em que ele, como ofendido, é interessado directo, então também não pode colocar-se em dúvida o seu "interesse em agir", o seu "interesse processual, no caso, visando, através do recurso, a reapreciação da decisão que, segundo ele, não fez a aplicação mais ajustada do direito ao caso, assim dando a sua contribuição ao mesmo tempo para a realização do interesse público na melhor administração da justiça.

    Daí que, salva melhor opinião, tenha o mesmo legitimidade e interesse em agir para recorrer na presente situação, independentemente da lei lhe facultar qualquer outro meio...

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