Acórdão nº 10103/09.0TBCSC.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelANABELA CALAFATE
Data da Resolução19 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório 1. V... e M... instauraram acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra A... pedindo: - se declare que o R. não adquiriu o direito de propriedade, por usucapião, do prédio urbano composto de cave destinada a oficina, rés-do-chão para comércio e primeiro andar para habitação, com a área coberta de seiscentos e setenta e cinco metros quadrados e logradouro com quatrocentos e setenta e cinco metros quadrados, sito na Rua do Alecrim, Bairro Além das Vinhas, lugar de Tires, freguesia de S. Domingos de Rana, concelho de Cascais, a confrontar do norte com Estrada Nacional, do sul com Caminho Público, do nascente com Lote 20 e do poente com Lote 24, inscrito na respetiva matriz, em nome de A..., sob o artigo 5462, ordenando-se o cancelamento do registo na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob a ficha nº 10357, incluindo a inscrição a favor do Réu.

Alegram, em síntese: - há dezenas de anos que os AA são titulares do direito de propriedade sobre o prédio objeto destes autos, na qualidade de únicos sucessores, da aquisição derivada efetuada pelos seus pais M... e O..., ambos já falecidos; - o seu direito de propriedade já foi reconhecido por sentença datada de 25 de Junho de 1979, transitada, proferida em processo que os Autores intentaram contra o Réu e que correu sob o nº 2195/1979, no 1º Juízo, 2ª secção, deste Tribunal; - O R. ocupou e ocupa parte do prédio em causa, correspondente ao actual lote nº 23, sito na rua do Alecrim, Bairro Além das Vinhas, Tires, 2785-051 S. Domingos de Rana; - nessa sentença o R. foi condenado a demolir as obras que ali realizou e a fazer entrega da referida parcela de terreno, livre e desocupado; - por escritura de justificação realizada em 25/02/2003 o R. declarou que possui o prédio que ali identifica há mais de vinte anos, sem a menor oposição de quem quer que seja, sem interrupção e ostensivamente, dele extraindo os respetivos rendimentos e pagando as contribuições por ele devidas, e que este não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais; - o R. procedeu ao registo deste facto na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob a ficha nº 10357.

- a actuação do R. teve o propósito de enganar e prejudicar os AA.

* 2. O R. contestou e deduziu reconvenção.

Na reconvenção pediu: a) que seja declarado que pertence ao R. o direito de propriedade do prédio urbano situado na Rua do Alecrim, Bairro Além das Vinhas, no lugar de Tires, composto de cave, rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de 675 m2 e logradouro de 475 m2, confrontando a Norte com Estrada Nacional; a Sul, com Caminho Público; a Nascente, com o lote 20 (do R.); e a Poente, com o lote 24 (propriedade de S... e mulher), inscrito na matriz predial da freguesia de S. Domingos de Rana, em nome do aqui R., sob o artigo 5 462, e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, na ficha 10 357/140403, que adquiriu pela escritura de justificação notarial de 25.02.2003; b) a condenação dos Autores a reconhecerem ao R. o direito de propriedade sobre esse prédio.

Alegou, em resumo: - caducou o direito dos AA de impugnarem o facto justificado, por ter decorrido o prazo de 30 dias a que alude o artigo 10lº, nºs 1 e 2 do Código do Notariado; - não ocupa o prédio dos AA, porquanto o prédio destes é rústico e o do R. é urbano, não coincidindo a sua descrição e as suas confrontações, sendo forçoso concluir tratarem-se de prédios distintos; - não se reporta ao imóvel justificado a decisão proferida no Proc. 2195/1979; - o R. adquiriu o prédio justificado em 1974 e desde então exerce a posse própria e exclusiva sobre o imóvel, sem interrupção, sem oposição, sem violência e à vista de toda a gente, o que acontecia já antes do pai dos AA falecer, comportando-se como dono exclusivo do mesmo, na convicção de não lesar o direito de posse de terceiros; - em 1977 iniciou a construção de um edifício, que concluiu em 1979, para sua habitação e da sua família, e ali instalou uma oficina de marcenaria e carpintaria; - em 22 de Junho de 1983, procedeu à inscrição do prédio na matriz predial urbana da freguesia de S. Domingos de Rana, passando a partir de então a pagar em seu nome todos os impostos relativos ao prédio justificado.

* 3. Os AA replicaram, dizendo, em resumo: - o artigo 101.º, n.º 1, do Código do Notariado não fixa qualquer prazo para a propositura da ação de impugnação do facto justificado; - seria absurdo reconhecer-se, por sentença transitada em julgado, que a posse do R. é ilegal e vir agora aceitar-se a existência do direito de propriedade adquirido por usucapião a seu favor, aniquilando os efeitos das decisões anteriores; - mais pedem a condenação do R. como litigante de má-fé, por entorpecer a acção da justiça, deduzindo a presente reconvenção numa altura em que está em curso a demolição das construções em obediência à já citada decisão judicial.

* 4. O Réu respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé em indemnização a favor dos Autores, dizendo, em suma: - o alegado prédio dos AA não passa de uma mera ficção jurídica, sem existência real; - «a douta decisão proferida no Proc. 2195/1979 – aresto que resultou do factos dados como provados, cuja prova, produzida em circunstâncias que se ignoram, penalizou severamente o aí e aqui R., sendo de referir que tão pouco houve uma inspecção judicial ao local do dito prédio dos AA que permitisse constatar in loco a real situação do prédio dos A e da impossibilidade física de o prédio do R. estar dentro dele, contribuindo decisivamente para a descoberta da verdade dos factos, boa decisão da causa e justa composição do litígio – é impossível a mesma abranger o prédio do R», - «sendo certo que a douta sentença visando alcançar o seu fim úlltimo que é a boa administração da justiça, não pode servir para ofender o direito de propriedade do R. sobre o seu imóvel».

* 5. No saneador foi admitido o pedido reconvencional, foi julgada improcedente a excepção peremptória de caducidade e procedeu-se à selecção da matéria de facto.

* 6. O R. apresentou articulado superveniente em 19/03/2011, liminarmente admitido, ao qual juntou certidão emitida pela Câmara Municipal de Cascais em 10/03/2011, invocando, no essencial: - o prédio de que os AA se arrogam proprietários faz parte do loteamento do Bairro Além das Vinhas, tendo sido eliminado da matriz predial; - resulta da certidão camarária do loteamento do prédio que a sua área é inteiramente composta por 7 lotes e 2 parcelas de terreno e que nenhum dos lotes ou parcelas diz respeito ao terreno onde o R. construiu a sua habitação; - face à certidão camarária e planta do prédio, é manifesto que o prédio do R. não faz parte do terreno em causa nos autos; - o que já ocorria em 1974 porquanto nessa data face às desanexações havidas o prédio tinha 4901 m2.

* 7. Os Autores responderam, invocando, em resumo: - no processo de loteamento os lotes em m2 foram separados; - além de que nesse loteamento não podia constar o prédio em questão, porquanto o R. apresentou, por si, projeto de licenciamento das construções que realizou; - existe desconformidade entre as áreas constantes do registo predial e as medições dos lotes a licenciar, como se reconhece no processo de loteamento; - o processo de loteamento não tem força jurídica bastante para extinguir, modificar ou constituir direitos declarados por sentença judicial transitada.

* 8. O R. apresentou outro requerimento, juntando certidão permanente do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob a ficha 579, pugnando para que seja tido em conta que ali consta que deste foram desanexadas várias parcelas cuja área soma a totalidade desse prédio, pelo que ficou sem área, tendo deixado de existir como coisa imóvel.

* 9. O R. apresentou segundo articulado superveniente em 02/10/2012, trazendo aos autos escritura pública de «Divisão por acordo de uso» de 10/07/2012 para reforçar que o prédio por si justificado não pertence ao prédio invocado pelos AA, articulado que não foi admitido por despacho de 29/10/2013 (fls 413), mas ao qual os Autores haviam respondido referindo, além do mais, não terem intervindo nessa escritura.

* 10. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em 08/01/2014 em que se decidiu: «Pelo exposto: Julga-se a presente acção procedente e, em consequência: . declara-se que o Réu A... não adquiriu o direito de propriedade, por usucapião, do prédio urbano composto de cave destinada a oficina, rés-do-chão para comércio e primeiro andar para habitação, com a área coberta de seiscentos e setenta e cinco metros quadrados e logradouro com quatrocentos e setenta e cinco metros quadrados, sito na Rua do Alecrim, Bairro Além das Vinhas, lugar de Tires, freguesia de S. Domingos de Rana, concelho de Cascais, a confrontar do norte com Estrada Nacional, do sul com Caminho Público, do nascente com Lote 20 e do poente com Lote 24, inscrito na respetiva matriz, em nome de A..., sob o artigo 5462, . ordena-se o cancelamento do registo na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob a ficha nº 10357 incluindo a inscrição a favor do Réu.

Julga-se o pedido reconvencional improcedente por não provado e em consequência absolve-se os reconvindos V... e M... dos pedidos formulados pelo reconvinte A....

. Condena-se o Réu como litigante de má-fé em multa e indemnização eu se fixarão após a notificação a que alude o artigo 443º nº 3 nº 3 do Código de Processo Civil.».

* 11. Por decisão de 19/05/2014 – rectificada por despacho de 14/11/2014 - foi liquidada a indemnização fundada na litigância de má-fé em 2.200 € e fixada a multa em 12 UC.

* 12. Inconformado com a sentença proferida em 08/01/2014, apelou o R. em 12/02/2014, e tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: 1 - O prédio tinha inicialmente a área de 22180 metros quadrados, mas quando em 31.1.1972 foi comprado pelo pai dos AA. tinham sido...

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