Acórdão nº 1361/14.0YRLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Março de 2015
Magistrado Responsável | MARIA ADELAIDE DOMINGOS |
Data da Resolução | 24 de Março de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO: Em 29/01/2014, e conforme consta da Ata de Instalação do Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 1.º, 2.º e 3.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, de 12/12, foi constituído o Tribunal Arbitral para dirimir o litígio referente ao exercício de direitos de propriedade industrial emergentes das Patentes Europeias n.º (...) e n.º (...), relativas à substância ativa (...), em que são demandantes (...) e Demandada (...) Constituem o Tribunal: - O árbitro Presidente, Dr. (...), designado por acordo dos outros árbitros; - O árbitro nomeado pelas Demandantes, através do escritório de Advogados das mesmas - (...) -, Dr. MM; - O árbitro nomeado pela Demandada, Prof. Doutor (...).
Por requerimento apresentado em 19/09/2014, dirigido aos árbitros, a Demandada (...) (fls. 73-103), e na sequência de esclarecimentos prestados pelo co árbitro, Dr. MM, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 2 da Lei da Arbitragem Voluntária (aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14/12, doravante designada por NLAV), suscitou o incidente de recusa do árbitro.
Para o efeito, invocou, em síntese, o seguinte[1]: a) Que, numa reunião realizada no passado dia 23.07.2014, com vista a solicitarem um parecer técnico sobre as questões visadas no presente litígio, os mandatários da Demandada tomaram conhecimento que o seu interlocutor havia desempenhado as funções de perito em arbitragem necessária em curso, instaurada pelas aqui Demandantes, representadas igualmente pelos seus advogados da Sociedade de Advogados (...), e em que também era árbitro designado pelas Demandantes o Senhor Dr. MM; arbitragem essa que versaria justamente sobre o exercício de alegados direitos de propriedade industrial das Demandantes emergentes das Patentes Europeias (...) (...) e (...) (...) relativamente a medicamentos genéricos contendo a substância ativa (...), sobre a qual a Demandada nada mais sabia nem sabe; b) Que, “por forma a avaliar do cabal cumprimento do disposto no art. 13.°, n.°s 1 e 2 da NLAV”, veio a Demandada requerer nestes autos em 02.09.2014 que fossem prestados esclarecimentos pelo árbitro Senhor Dr. MM, o qual os prestou nos termos seguintes: “1 º Nos últimos 3 anos tive a honra de ser indicado como árbitro, por partes representadas pela distinta sociedade de advogados “(...) & Associados”, em cerca de 50 arbitragens necessárias no âmbito da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro. Em muitas delas, no entanto, a instância extinguiu se, pelas mais variadas razões, antes de ter sido proferida qualquer decisão de mérito sobre o fundo das questões em apreço. Outras estão ainda em curso e as que já terminaram têm as respetivas decisões publicadas no BPI.
-
Em 19 destas arbitragens (incluindo a presente) a Demandante é a (...) e/ou empresas consigo relacionadas, estando em causa a substância ativa (...).
-
As substâncias ativas envolvidas nas demais arbitragens desta natureza (Lei 62/2011) foram ou são: (…) 4.º O dever deontológico de confidencialidade a que estou obrigado não me permite, naturalmente, revelar detalhes sobre o conteúdo, isto é, sobre as concretas questões controvertidas que estão a ser apreciadas em cada uma das outras arbitragem (em curso) que envolvem terceiros e a mesma substância ativa (...) (ou outra qualquer).” c) Que a NLAV prevê expressamente no seu art. 9.°, n.° 3, que “Os árbitros devem ser independentes e imparciais”; e no art. 13.°, n.° 1, estabelece um dever geral de revelação de “(…) todas as circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência”, o qual, nos termos do seu n.° 2, impende sobre o árbitro e se mantém durante todo o processo arbitral.
d) Que, no tocante à questão de saber como determinar o âmbito do dever de revelação, a questão de saber qual o critério a adotar para avaliar se o árbitro se encontra perante “circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas”, a arbitragem interna e internacional conta com preciosos contributos desenvolvidos pela soft law, isto é, pela adoção de códigos de conduta e princípios éticos, que, embora não sejam juridicamente vinculativos, servem de guia e orientação, dos quais é paradigmático o das Directrizes da IBA on Conflicts of Interests in International Arbitration da International Bar Association (“IBA”), aprovadas em 22.05.2004; e) Que, também, o Código Deontológico do Árbitro da Associação Portuguesa de Arbitragem, na sua versão de 2014, estabelece o dever de revelação no seu art. 4°, cujo n° 1 prevê que “O árbitro e o árbitro convidado têm o dever de revelar todos os factos e circunstâncias que possam fundadamente justificar dúvidas quanto à sua imparcialidade e independência, mantendo-se tal obrigação até à extinção do seu poder jurisdicional”; f) Que, muito embora o art. 13.º, n.ºs 1 e 2, da NLAV não o especifique, é pacificamente aceite que a revelação do árbitro deve ocorrer em momento imediatamente seguinte ao da sua designação e constitui uma obrigação contínua ao longo do processo arbitral; e que, em face das circunstâncias reveladas, a parte pode entender iniciar o processo de recusa de árbitro nos termos do n.º 2 do art. 14.º da NLAV; g) Que é ponto assente na doutrina e jurisprudência atualmente dominante que a violação do dever de revelação não acarreta por si só fundamento de recusa; com efeito, impõe-se analisar em concreto as circunstâncias para concluir sobre a falta de independência ou imparcialidade do árbitro; h) Que sendo deduzido processo de recusa de árbitro a parte contrária deve ser ouvida, sob pena de violação do princípio do contraditório; e, posteriormente, deverá o tribunal arbitral decidir sobre a recusa deduzida com a participação do árbitro visado (cfr. n.º 2 do art. 14.º da NLAV).
i) Que a designação frequente de um mesmo árbitro - “repeat arbitrators” - colide diretamente com os dois requisitos essenciais da independência e da imparcialidade, os quais são corolários do dever de revelação; tornando-se necessária uma análise caso por caso, com avaliação das circunstâncias específicas, tanto numa perspetiva objetiva como subjetiva, para determinar se a independência e a imparcialidade de um árbitro se encontram comprometidas quando este é designado frequentemente pela mesma parte ou mesmo grupo de empresas, e/ou em que se colocam problemas semelhantes, ou quando um árbitro é designado frequentemente pelo mesmo advogado ou sociedade de advogados, ou ainda quando um árbitro é frequentemente designado para arbitragens que se reportam aos mesmos factos ou negócio, por poder ser visto pelas partes e pelos outros árbitros como detentor de uma vantagem ou conhecimento dos factos superior aos outros co-árbitros, o que pode justificar a recusa de árbitro.
j) Que da Lista Laranja das mencionadas Diretrizes da IBA, constam, entre outras as situações em que: «3.1.3. O árbitro foi nomeado, nos três anos anteriores, para exercer tal função em duas ou mais ocasiões, por uma das partes ou por coligada de uma das partes»; «3.1.5. O árbitro atualmente actua, ou actuou nos três anos anteriores, como árbitro em outro processo arbitral em assunto relacionado envolvendo uma das partes ou coligada de uma das partes»; e «3.3.7. O árbitro foi o destinatário, nos três últimos anos, de mais de três nomeações pelo mesmo consultor jurídico ou pelo mesmo escritório de advocacia”; k) Que as circunstâncias ora reveladas e levadas ao conhecimento da Demandada preenchem as três situações específicas constantes de tais enunciações, as quais são de molde a suscitar fundadas dúvidas quanto à imparcialidade ou independência do co-árbitro Senhor Dr. MM e que, por esse motivo, impunham o dever de revelação, que o mesmo não observou; l) Que não deve alegar-se em contrário que, no caso das arbitragens necessária ao abrigo da Lei n.° 62/2011, tal como a dos presentes autos, é prática corrente a designação de árbitros dentro de um grupo restrito e especializado, sendo costume as partes designarem o mesmo árbitro para os diversos litígios, pois o direito da propriedade intelectual se encontra, conceptual e efetivamente, muito longe e afastada dos nichos de conhecimento jurídico especializado a que aludem a regras IBA (designadamente o direito marítimo e o enquadramento jurídico do mercado de “commodities”) e nas quais o elenco de juristas conhecedores é muito reduzido; existindo em Portugal largas dezenas de juristas, nacional e internacionalmente reconhecidos pela sua experiência e qualidade nessa área; m) Que o facto do árbitro em causa ter sido designado como tal, nos últimos três anos, por partes representadas pela sociedade de advogados (...) & Associados, representantes das Demandantes nos presentes autos, em 50 arbitragens necessárias ao abrigo da Lei n.° 62/2011, coloca necessariamente a questão da compensação económica do árbitro, nomeadamente que esta pode constituir um incentivo para que o árbitro ambicione ser novamente designado; n) Que considera a Demandada ainda extremamente relevante o facto de em 19 das 50 arbitragens necessárias em o árbitro foi designado, a Demandante é a (...) e/ou empresas consigo relacionadas, estando em causa a substância ativa (...), o que a convence de que os mesmos se reportam a litígios emergentes de direitos de propriedade industrial e em que estão em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, designadamente relativas à Patente Europeia n.° (...); pelo que o co-árbitro Senhor Dr. MM encontra-se em vantagem ou tem um conhecimento mais aprofundado dos factos controvertidos em relação aos demais co-árbitros nos presentes autos, designadamente factos que não pode discutir com os restantes co-árbitros; o) Que o co-árbitro Senhor Dr. MM assumiu já uma posição quanto às questões controversas a apreciar nos presentes autos importando conhecimento externos advenientes das circunstâncias que não revelou, contribuindo para a admissão nestes autos de um documento corporizando um relatório pericial produzido numa arbitragem em que a...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO