Acórdão nº 10181/12.5TDLSB-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCONCEI
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

RELATÓRIO: 1.

No Processo de Instrução com o número supra identificado, a correr termos no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, na sequência de acusação particular deduzida pelo Assistente FPB...

contra os arguidos JSC...

, PMF...

, JRA... e MSF...

, a quem imputa a prática, em autoria material, de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180º nº 1 e 183º, nº 1, als. a) e b) do Código Penal, e de acusação pública deduzida pelo Ministério Público contra o arguido JSC...

a quem imputa a prática de um crime de devassa por meio informático, previsto e punido pelo artigo 193º, nº 1 do Código Penal, vieram os arguidos requerer a abertura da Instrução, finda a qual, foi proferida, a 21.03.2014, decisão instrutória que decidiu nos termos seguintes: I.

Declarar extinto o procedimento criminal quanto aos arguidos JSC...

, PMF...

, JRA...

e MCF...

no que se reporta aos crimes de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º e 183º, nº 1, alíneas a) e b), ambos do Código Penal, que o assistente FPB... lhes imputou, por renúncia do direito de acusação particular relativo a um dos comparticipantes, renúncia que aproveita aos demais, nos termos do disposto nos artigos 115º, nº 3 e 117º do Código Penal; II.

Pronunciar para julgamento, em processo comum, perante Tribunal Singular o arguido JSC...

pelos factos e disposições legais constantes da acusação pública.

  1. O Assistente FPB..., inconformado com esta decisão instrutória, veio interpor recurso, cuja motivação termina com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “A.

    O presente recurso tem por objecto a decisão instrutória que declarou extinto o procedimento criminal quanto aos Arguidos JSC..., PMF..., JRA.... e MCF..., no que se reporta aos crimes de difamação agravada, por alegada renúncia do direito de acusação particular relativo a um dos supostos comparticipantes, a qual, no entender do Tribunal a quo, aproveitaria aos demais Arguidos, nos termos do disposto nos artigos 115.º, n.º 3, e 117.º, ambos do Código Penal.

    B.

    Tal decisão – diga-se com o devido respeito – está errada.

    C.

    Primeiro, não há mais indícios do que aqueles que o Assistente valorou e levou à sua Acusação Particular.

    D.

    Não se vê que a investigação tenha carreado indícios do envolvimento de NV... relativamente à campanha de tweets, como é afirmado pelo Tribunal de Instrução Criminal, na sequência do despacho do Ministério Público de fls. 302, e, por isso, não foi deduzida acusação particular contra mais pessoas.

    E.

    Atente-se que, o ordenamento jurídico-penal português não consente a dedução de acusações baseadas em processos de intenção ou em conjecturas sem qualquer suporte probatório no inquérito.

    F.

    O Tribunal de Instrução Criminal errou ao decidir que o envolvimento de NV... se encontra suficientemente indiciado, sendo elucidativo disso mesmo o facto de o Tribunal não identificar qualquer indício concreto da participação daquele indivíduo nos factos em causa.

    G.

    Nesta senda, deve o Tribunal ad quem decidir que não se mostra indiciada a factualidade vertida no ponto 11 do elenco de «factos suficientemente indiciados», constante da decisão instrutória, na parte em que se refere a NV..., passando este ponto a dispor que: «11. Tal campanha foi executada por PSF... sob instruções do arguido JSC... (cfr. fls. 1 a 60 do apenso B)».

    H.

    Segundo, não foi apresentada queixa-crime contra quem o Tribunal de Instrução Criminal diz haver também indícios, pelo que, não só não poderia ter sido apresentada Acusação Particular contra NV..., como também não há queixa-crime para desistir.

    I.

    Não vinga, in casu, o argumento de que o uso na Queixa-Crime da expressão “E outros cuja responsabilidade criminal se vier a apurar” permite que se dê como preenchido o pressuposto da apresentação de queixa-crime contra outros, pelo crime particular de difamação, que não os aí nomeados, pois é necessário que a queixa seja uma manifestação inequívoca do titular do direito de queixa no sentido de pretender desencadear o procedimento criminal, o que não sucedeu na situação sub judice, tanto mais quanto mais o crime for de natureza particular.

    J.

    Terceiro, num crime particular, é ao Assistente que compete avaliar os indícios e decidir sobre eles, ponderando os indícios recolhidos à luz de critérios de legalidade, designadamente os que constam do artigo 283.º, n.º 1, do CPP.

    K.

    Esse domínio do processo pelo assistente, no âmbito dos crimes particulares, é hoje universalmente aceite pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, que, nesta matéria, é patrocinada pela mais reconhecida Doutrina.

    L.

    Era o Assistente quem deveria apurar se os indícios constantes dos autos são suficientes para suportar uma acusação contra quem quer que seja, o que o Assistente fez, no quadro dos seus direitos, e procedendo a uma análise rigorosa dos autos.

    M.

    O facto do Ministério Público ter considerado, em despacho proferido ao abrigo do consagrado no artigo 285.º, n.º 2, do CPP, a existência de indícios relativos à prática de crime particular por parte de um dado sujeito, não tolhe a liberdade do Assistente acusar ou não acusar esse sujeito, de acordo com a ponderação da suficiência dos indícios, realizada sob o crivo da legalidade e sustentada em provas constantes dos autos.

    N.

    Quarto, ao invés do que sucede relativamente à renúncia da queixa, de que a lei admite a “renúncia tácita”, nenhuma norma legal se refere à “desistência tácita” da queixa.

    O.

    Antes pelo contrário, como é dito pela Jurisprudência e Doutrina, o formalismo exigido pelo n.º 2 do artigo 116.º do Código Penal afasta a hipótese de desistência tácita da queixa, ou seja, esta pode ser declarada por escrito ou verbalmente, mas tem que ser manifestada de forma inequívoca, e obedecer aos requisitos exigidos para a formalização da queixa.

    P.

    Ora, o Assistente nunca apresentou qualquer declaração, escrita ou verbal, a desistir do procedimento criminal, e, por isso, não é admissível que o procedimento criminal tenha sido ser declarado extinto com fundamento no preceito do n.º 3 do artigo 116.º do Código Penal, isto é, por desistência (tácita) da queixa.

    Q.

    Conclui-se, assim, que deve a decisão instrutória, na parte em que declarou extinto o procedimento criminal, no que se reporta aos crimes de difamação, por alegada renúncia do direito de acusação particular relativo a um dos supostos comparticipantes, ser revogada pelo Tribunal ad quem.

    R.

    O Tribunal a quo violou as normas prescritas nos artigos 115.º, n.º 3, 116.º, n.ºs 2 e 3, e 117.º, todos do Código Penal.

    S.

    São duas as consequências directas do erro de apreciação do Tribunal a quo: por um lado, a decisão que determinou a extinção do procedimento criminal, relativamente ao crime de difamação, deverá ser revogada pelo Tribunal ad quem; por outro lado, estão reunidos os pressupostos para levar a julgamento todos os Arguidos, admitindo-se apenas o arquivamento dos autos quanto a JRA..., T.

    Devendo o Tribunal ad quem substituir a decisão recorrida por outra que pronuncie os Arguidos JSC..., PMF..., e MCF... pelo referido crime, nos termos vertidos na Acusação Particular ou, em alternativa, revogar a decisão recorrida e remeter os autos ao Tribunal a quo, para que este profira decisão de pronúncia relativamente àqueles Arguidos.

    U.

    Com efeito, os factos que, no entender do Tribunal a quo, estão suficientemente indiciados são aptos ao preenchimento do tipo-de-ilícito, previsto e punido, pelos artigos 180.º e 183.º, n.º 1, a) e b), do Código Penal.

    V.

    Tanto é o que resulta, expressamente, do elenco de factos suficientemente indiciados, os quais mais do que bastam para pronunciar aqueles Arguidos.

    W.

    É essa a conclusão que se retira do aludido elenco de «factos suficientemente indiciados» da decisão instrutória, em particular dos pontos 13, 15 e 20 a 24, pelo que deverá o Tribunal ad quem decidir-se, pelo menos, pela pronúncia dos Arguidos JSC..., PMF e RSF..., nos termos previstos na Acusação Particular.

    X.

    Por fim, e à cautela, observe-se que o Assistente deduziu Acusação Particular pelo crime de difamação, com relação a dois grupos de factos distintos: um relativo à campanha de tweets e outro respeitante ao “Relatório”.

    Y.

    Segundo o Tribunal a quo, apenas existem indícios do envolvimento de outra pessoa que não os acusados no que tange à campanha de tweets, não sendo feita, na decisão instrutória, qualquer menção à existência de indícios do envolvimento de outra pessoa no que concerne à factualidade, descrita na Acusação Particular, relativa ao “Relatório”.

    Z.

    Significa isto que, ainda que procedesse o entendimento do Tribunal a quo, a consequência do envolvimento de outra pessoa na campanha de tweets nunca poderia ser o arquivamento do procedimento criminal relativamente a todos os factos descritos na Acusação Particular, nomeadamente os relativos ao “Relatório”, mas apenas quanto aos factos relacionados com a campanha de tweets.

    A.A.

    É lícito extrair duas conclusões: os factos, relativos ao Arguido JSC..., que o Tribunal a quo considerou suficientemente indiciados, a propósito da Acusação Pública pelo crime de devassa por meio de informática, constituem, outrossim, fortes indícios da prática, por este Arguido, do crime de difamação de que vinha acusado pelo Assistente, pelo que sempre, e em qualquer caso, ainda que, injustamente, procedesse o entendimento do Tribunal de Instrução Criminal, o Arguido JSC... deveria ser pronunciado pelo crime de difamação, no que tange à factualidade relativa ao “Relatório”.

    B.B.

    Assim é, na medida em que, no crime de difamação, as declarações são elas mesmas elemento constitutivo do ilícito, ao que acresce que o crime de difamação não é consumido pelo de devassa por meio de informática, porquanto se trata de crimes que protegem bens jurídicos diferentes.

    (...)” 3.

    O recurso foi admitido com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (cfr. despacho de fls...

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