Acórdão nº 1593/11.2S6LSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Fevereiro de 2015

Data18 Fevereiro 2015
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


CORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: RELATÓRIO: 1. No presente processo comum, Tribunal Singular, precedente do antigo ...º Juízo, 1ª secção do ...º Juízo Criminal de Lisboa, actual Inst. Local-Secção Criminal- J..., foi recebida a acusação deduzida pelo Ministério Público, contra Rui, pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art. 213 al. a) do CP e designado dia para julgamento.

  1. Posteriormente, e antes da data designada para julgamento - entretanto adiado - foi proferido despacho do seguinte teor: «Nos presentes autos, o arguido Rui foi acusado nos presentes autos da prática de um crime de dano, como p. e p. no 213°, nº 1, alínea c) do Código Penal, imputando-se ao mesmo a conduta consistente na realização de um grafiti, com recurso a um marcador de cor preta, numa parede do designado Pavilhão de Portugal, no Parque das Nações, em Lisboa.

    Pelos motivos explanados na promoção de fls. 201 a 204, veio o Ministério Público sustentar que apesar de em 1 de Setembro de 2013 ter entrado em vigor a Lei nº 61/2013, de 23 de Agosto, que deverá ser dada resposta negativa à questão colocada sobre a ocorrência de despenalização.

    Assim, sustentou que tal diploma legal veio estabelecer o "regime aplicável aos grafitos, afixações, picotagem e outras formas de alteração, ainda que temporária, das características originais de superfícies exteriores de edifícios, pavimentos, passeios e outras infra-estruturas", especificando-se enquanto tal no art. 1°, nº 1 do diploma as estruturas "rodoviárias e ferroviárias, vedações, mobiliário e equipamento urbanos, bem como de superfícies interiores e ou exteriores de material circulante de passageiros ou de mercadorias ( ... ), acrescentando-se "quando tais alterações não sejam autorizadas pelos respectivos proprietários e licenciadas pelas entidades competentes ( ... )". Por sua vez foi feita constar, na alínea b) do art. 2° do diploma, a definição de "grafitos", entendidos como "desenhos, pinturas ou inscrições, designadamente de palavras, frases, símbolos ou códigos, ainda que tenham carácter artístico, decorativo, informativo, ou outro, efectuados através da utilização de técnicas de pintura, perfuração, gravação ou quaisquer outras que permitam, de uma forma duradoura, a sua conservação e visualização por terceiros, apostos nas superfícies a que se refere o nº 1 do artigo anterior e que defrontem com a via pública, sejam elas de acesso publico ou acesso restrito, ou nela se situem".

    Acrescentou que tais condutas constituiriam agora - "fora dos casos permitidos, e quando não for aplicável sanção mais grave por força de outra disposição legal" - mera contra-ordenação - graduada no art. 6° do diploma enquanto, leve, grave ou muito grave - pelo que, constatando-se uma facilmente apreensível coincidência entre os factos objecto da acusação nos autos e a descrição da factualidade que é objecto do diploma, de imediato se tem de colocar, com naturalidade, a questão de saber se a referida Lei veio, ou não, operar a despenalização da conduta descrita, a concretizar pela observância estrita dos comandos previstos nos arts. 29, nº 4, segunda parte da Constituição da República Portuguesa e 2°, nº 2 do Código Penal).

    Sustentou ainda que essencial será, assim, a tomada de posição que se adopte perante o problema colocado, a saber: concluir se, com a entrada em vigor da citada Lei nº 61/2013, de 23 de Agosto, ocorreu a conversão legislativa de uma infracção de natureza penal numa mera contra-ordenação, esta de natureza administrativa, distinta na sua natureza essencial e nos fins do seu sancionamento.

    De acordo com a mencionada promoção essa conversão não existiu e nesse sentido a veiculação através de diferentes fóruns jurídicos (entre eles o mantido no Sistema Integrado do Ministério Publico) daquela que se julga ser a génese da criação do diploma: a tentativa de superar a impunidade resultante de algumas decisões do Ministério Publico (em despachos de arquivamento) e judiciais (absolvições) em procedimentos instaurados na sequência da realização de grafitis, "catapultando algumas das situações, ou o vazio de situações, caso os houvesse, para a esfera contra-ordenacional, se acaso o Ministério Público, ou as decisões judiciais, entendessem inexistir crime" (pode ler-se naquele fórum), a par da superação da necessidade de apresentação de queixa, quando realizado o grafiti em local privado ou propriedade privada, sentido que se vê suportado na norma contida no art. 20º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (com as sucessivas alterações), onde expressamente se prevê, sob a epígrafe "Concurso de infracções" que "Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação", em aplicação conjugada com o disposto no art. 6°, nº 1 da Lei nº 61/2013, já acima citado. Mas também na consideração de que a contra-ordenação agora "criada" constitui, na sua génese e escopo, uma contra-ordenação ambiental- cfr. Arts. 1°, nº 3 da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, que aprova a lei quadro das contra-ordenações ambientais, e 17°, nº s 1 e 3, alíneas a) e b) da Lei de Bases do Ambiente - tendo assim plena aplicação o art. 28º da referida LQCOA, onde se lê que "Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação ambiental, o arguido é responsabilizado por ambas as infracções, instaurando-se, para o efeito, processos distintos a decidir pelas autoridades competentes (...).

    Regularmente notificada a defesa, nada veio dizer.

    Conhecendo e decidindo, cumpre referir em 1 de Setembro de 2013 entrou em vigor a Lei nº 61/2013, de 23 de Agosto, que veio estabelecer “o regime aplicável aos grafitos, afixações, picotagem e outras formas de alteração, ainda que temporária, das caraterísticas originais de superfícies exteriores de edifícios, pavimentos, passeios, muros e outras infraestruturas, nomeadamente rodoviárias e ferroviárias, vedações, mobiliário e equipamento urbanos, bem como de superfícies interiores e ou exteriores de material circulante de passageiros ou de mercadorias, quando tais alterações não sejam autorizadas pelos respectivos proprietários e licenciadas pelas entidades competentes conforme nela definido” (cfr. Art. 1º, nº 1).

    grafitos, afixações, picotagem e outras formas de alteração, ainda que temporária, das características originais de superfícies exteriores de edifícios, pavimentos, passeios, muros e outras infraestruturas, estabelecendo o seu art. 1°, nº 1 que o seu regime é aplicável sempre que estejam em causa aquelas situações, nomeadamente quando tais atividades envolverem infraestruturas rodoviárias e ferroviárias.

    Por sua vez o seu art. 2º, alínea b) veio incluir na sua previsão as situações a que se reportam os presentes autos, isto é “«Grafitos» os desenhos, pinturas ou inscrições, designadamente de palavras, frases, símbolos ou códigos, ainda que tenham caráter artístico, decorativo, informativo, ou outro, efetuados através da utilização de técnicas de pintura, perfuração, gravação ou quaisquer outras que permitam, de uma forma duradoura, a sua conservação e visualização por terceiros, apostos nas superfícies a que se refere o n.º 1 do artigo anterior e que defrontem com a via pública, sejam elas de acesso público ou de acesso restrito, ou nela se situem”.

    Por sua vez, o art. 3º do citado diploma legal estabelece que “1 — Compete às câmaras municipais licenciar a inscrição de grafitos, a picotagem ou a afixação, em locais previamente identificados pelo requerente, mediante a apresentação de um projeto e da autorização expressa e...

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