Acórdão nº 206/14.5YUSTR.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução26 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO 1.

Nos autos de recurso de contra-ordenação que, com o nº 206/14.5YUSTR, correm seus termos no 1º Juízo, do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, foi proferida sentença aos 08/01/2015, que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pela arguida S, S.A.

das decisões da Entidade Reguladora para a Comunicação Social que lhe aplicou coima no montante de 50.000,00 euros, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 68º, por referência ao artigo 53º, nº 5, da Lei nº 53/2005, de 08/11 e uma coima no valor de 24.939,89 euros, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 17º, nº 1, alínea e) e nº 5, por referência ao artigo 7º, nº 2, da Lei nº 10/2000, de 21/06, sendo que, após cúmulo jurídico, lhe foi aplicada coima única de 60.000,00 euros.

  1. A arguida não se conformou com essa decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1- A leitura feita pela decisão recorrida peca por falta de densidade analítica e compreensão da especialidade das empresas detentoras de meios de informação geral.

    2- O artigo 38.º da Lei Fundamental, prevê a característica que esta sentença lhe recusou, da “especialidade das empresas detentoras de órgãos de comunicação geral”.

    3- Pelo que não teve presente que de acordo com o artigo 35.º da Lei de Imprensa n.º 2/99 de 13/1, na versão actual: 4 - Pelas contra-ordenações previstas no presente diploma respondem as entidades proprietárias das publicações que deram causa à infracção.

    4- Ora caso o regime o proposto na decisão recorrida estivesse correcto, a regra do n.º 4 do artigo 35.º da Lei de Imprensa passaria a ser a regra, e não a excepção que o mesmo postula.

    5- Note-se, aliás, que a Lei de Imprensa estatui um regime para a Autoria e Comparticipação, em matéria Penal, que atenta a natureza de direito punitivo, ou direito materialmente penal, das regras contra-ordenacionais, e a própria unidade do sistema, implicam que o referido n.º 4 do artigo 35.º da Lei de Imprensa tem de ser aplicável ao caso presente.

    6- É que o artigo 31.º da Lei de Imprensa, é claro, no quadro da imputação das actuações ilícitas de carácter penal, na definição de quem tem de ter-se por autor, onde não reverte para ninguém que não as pessoas singulares responsáveis.

    7- A questão que o meritíssimo Juiz, a quo, não intuiu, reflecte-se, pois, nas consequências da especialidade do regime de tais empresas que a CRP reconhece como vimos e nas regras especiais sobre autoria, e sobre responsabilidade das entidades detentoras que a Lei de Imprensa define com especialidade.

    8- É que o n.º 2 do artigo 38.º da CRP que enforma a Lei de Imprensa – em obediência ao princípio constitucional da Liberdade de Imprensa – consagra-se a excepção à regra da independência editorial do jornal, relativamente à detenção do meio quer pelo poder político quer económico.

    9- Se nos ativermos à Lei da Imprensa que a sentença refere, mas não visita, é possível encontrar outra decorrência do referido princípio da consagração constitucional desta separação entre a liberdade editorial e o poder económico, quando é criado um regime privativo das entidades detentoras de órgãos de informação geral, como o do artigo 35.º, n.º 4.

    10- Parece-nos, pois, redutora a fórmula usada para obviar a duas questões nucleares do tema da responsabilização da entidade detentora de uma publicação jornalística.

    11- Isto porque, o RGCO não prevê uma regra sobre a actuação em nome de terceiro, como ensina Paulo Pinto de Albuquerque em anotação ao artigo 7-.º do RGCO[1] .

    12- Refere o mesmo Autor: “Havendo uma relação de subordinação (…). A única condição posta pela Lei é a de o subordinado ter agido “por conta” da pessoa colocada em posição de superioridade, isto é de ter agido no interesse desta”.

    13- E acrescenta[2], “O fundamento da responsabilidade é este: a relação de subordinação tem inerente um poder de dar ordens ao subordinado[3], pelo que uma pessoa numa posição de superioridade responde pela coima mesmo quando não conheça, nem possa conhecer o cometimento futuro da infracção pela pessoa colocada em posição de subordinado”.

    14- Assim, o pressuposto da responsabilidade pela actuação dos subordinados, falha, perante a obrigatória e constitucionalmente imposta independência editorial e da redacção, a qual não permite à entidade proprietária (mesmo que tenha potencialmente ou em abstracto o benefício económico da actuação) dar ordens aos subordinados que têm liberdade editorial.

    15- E, portanto, não pode sem mais, como se defendeu, aplicar-se o regime do RGCO.

    16- Ou seja, o diploma define, como aliás vários outros o fazem, como bem exemplifica Paulo Pinto de Albuquerque, na obra citada, os casos em que se excepciona, para as empresas detentoras de meios de comunicação social, como os jornais, o princípio do RGCO de que a sua responsabilidade é, meramente orgânica (constituindo, como resulta da necessária inclusão desta matéria na Lei de Imprensa, estes os casos em que a actuação editorial poderá gerar responsabilidade por actos que não são praticados pelos seus órgãos).

    17- Relativamente aos restantes casos não previstos na Lei de Imprensa, porque não tem a necessária relação que lhe permite dar ordens à redacção, a relação de subordinação não gera a sua qualquer responsabilidade, de acordo com a ratio do sistema instituída na legislação contra ordenacional.

    18- Razão pela qual, a sentença recorrida faz má aplicação do direito quando condena, relativamente a cada uma das contra ordenações que resultam do processo apensado, a entidade detentora do meio de informação geral, ora Recorrente, violando os citados preceitos da lei fundamental e da Lei Imprensa do RGCO e da Lei que instituiu os Estatutos da ERC e a própria Lei das Sondagens.

    19- A Recorrente, no conspecto da notícia a que alude o ponto 1) e 2) dos factos julgados provados, é arguida neste processo em função dos factos 3, 4, 5, e 7 da Matéria provada, no que se refere à contra ordenação por alegada violação do dever de colaboração.

    20- No âmbito do processo que correu seus termos por este 1.º Juízo, sob o número de Processo n.º 194/14.2YUSTR, foi a arguida condenada “uma coima no valor de € 24.939,98, e custas do processo, por alegada violação do disposto no artigo 7.º, n.º 2 da Lei das Sondagens aprovada pela Lei n.º 10/2000 de 21/06”, cfr. decisão junta a fls (…).

    21- Já de si é dificilmente configurável, num cenário em que é endereçada uma carta ao director do jornal (expoente máximo da independência editorial do jornal relativamente aos seus donos), porque forma é que a pessoa colectiva é responsabilizável por tal opção pessoal e nessa qualidade, como no caso concreto, a decisão, atendo-se ao conceito da proibição do “ne bis in idem” não intuiu qual era afinal a razão de fundo.

    22- Consta dos Pontos 3 e 5 da matéria de facto provada, que as comunicações emitidas ao abrigo do artigo 53.º da Lei 53/2005 de 8/11, foram endereçadas pessoalmente ao Sr. Director do Jornal “i” para que este prestasse as informações solicitadas.

    23- Dispõe a norma do artigo 68.º dos Estatutos da ERC (Lei 53/2005 de 8/11), sob a epígrafe de Recusa de colaboração que: “Constitui contra-ordenação, punível com coima de (euro) 5000 a (euro) 25000, quando cometida por pessoa singular, e de (euro) 50000 a (euro) 250000, quando cometida por pessoa colectiva, a inobservância do disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 53.º dos presentes Estatutos.” 24- Como resulta muito claro da notificação que ficou provada ter acontecido nos pontos 3. e 5. da matéria de facto provada, foi o director do Jornal “i” (supomos que por inerência das suas funções) quem foi notificado PESSOALMENTE.

    25- E, assim, era a este na sua dupla qualidade de destinatário singular da carta e director responsável pela conteúdo editorial quem, pessoalmente e mais ninguém, quem estava obrigado à resposta.

    26- Nesse sentido e atendendo ao teor e o destinatário da notificação para prestar as referidas informações (ou colaboração) é evidente que quem não cumpriu foi o director, e já não o jornal ou a pessoa colectiva e, por isso, esta não desobedeceu a coisa nenhuma.

    27- São por isso, até atenta a separação legalmente imposta entre a redacção e os donos da empresa, conclusões abusivas as que constam dos factos provados 7, que entram em confronto directo com a matéria dos pontos 4 e 5 que referem expressamente que as comunicações foram feitas ao director! 28- Não pode, pois, ter-se como provado que a Pessoa Colectiva S, S.A. violasse, enquanto pessoa colectiva, qualquer comando do artigo 53.º, n.º 5 no sentido de que ela notificada para tanto não tivesse prestado: “à ERC toda a colaboração necessária ao desempenho das suas funções, devendo fornecer as informações e os documentos solicitados, no prazo máximo de 30 dias, sem prejuízo da salvaguarda do sigilo profissional e do sigilo comercial.” 29- Resultando provado, tão só, que porventura o director único notificado para tanto, que era imune estatutária e legalmente a quaisquer ordens da Recorrente para fazê-lo ou não, o terá sido.

    30- Sendo a notificação feita ao director e este a pessoa a quem a cominação para responder sob pena de incorrer em violação do dever de colaboração, necessariamente a não resposta do notificado, nessa qualidade, só a si responsabilizaria e, configuraria sempre uma actuação (por omissão) perpetrada por pessoa singular.

    31- Note-se, aliás, que em parte alguma da matéria provada nos pontos 3 e 5 é feita qualquer cominação, que ultrapasse a da pessoa do director, sobre os efeitos para a pessoa colectiva, caso o director não responda ao ofício que lhe foi feito directa e pessoalmente nessa sua qualidade.

    32- Situação que sempre remeteria a pessoa colectiva, na parte não editorial, para a absoluta falta de conhecimento sobre tal cominação, e, por maioria, para o desconhecimento e...

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