Acórdão nº 104/10.1S6LSB-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO FERREIRA
Data da Resolução07 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência na 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO.

No processo supra identificado, do então denominado 1º. Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, o condenado F..., id. a fls. 66 destes autos, representado pelo seu Defensor, não se conformando com o despacho proferido em 23/10/2012, que declarou a conversão da pena de multa em que havia sido condenado nestes autos, em 80 dias de prisão subsidiária, vem do mesmo interpor recurso.

Apresenta na motivação de fls. 193 a 202 dos autos as conclusões que vão transcritas: 1ª. Como é consabido, estando em causa a sua privação de liberdade, decorrente da conversão da multa em prisão, deve ser assegurado ao arguido o contraditório, na sequência do princípio consignado no artigo 32°., n°. 5, da C.R.P., e no disposto no art°. 61º. nº. 1, al. b) do C.P.P.

  1. É irrefutável que a decisão que converte a multa em prisão subsidiária, contende com a privação da liberdade, por isso, naturalmente é susceptivel de pessoalmente o afectar.

  2. A propósito do direito de audição, o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1981, 1, páginas 157 e 158, refere que “constitui a expressão necessária do direito do cidadão á concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado de Direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do processo como comparticipação de todos os interessados na criação do Direito: a todo o participante processual antes de qualquer decisão que o possa afectar, dever ser dada a oportunidade através da sua audição, de influir na declaração do direito”.

  3. No caso dos autos, ao não proceder-se à audição do Arguido, foi coarctada a oportunidade de pronunciar-se sobre a existência ou não dos pressupostos da suspensão da execução da prisão subsidiária, nos termos do n°. 3, do art°. 49°., do Código Penal “(...), Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.”.

  4. Por outro lado, prescindindo-se da audição, também não ocorreu a fundamentação da desnecessidade dessa audição e, portanto, da realização do contraditório.

  5. Impunha-se, que a decisão recorrida obedecesse a tais requisitos! 7ª. Preceitua, o art°. 122°., n°. 1, do C.P.P. que, as nulidades tomam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.

  6. Destarte, não tendo sido ofertada a possibilidade do Arguido pronunciar-se sobre o objecto da decisão sub judice é nulo o douto Despacho recorrido.

  7. O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (art°. 3°., n°. 3, do C.P.C. aplicável ex vido art°. 4°., do C.P.P.).

  8. Textua, o art°. 61°., n°. 1, als. a) e b), do C.P.Penal que: «1.O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo (...), dos direitos de: a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito; b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte».

  9. Por seu turno, a Constituição da República Portuguesa, no seu art°. 32°. vincula que: «1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

    1. Todo o arguido se presume inocente até trânsito em julgado da sentença de condenação (...).

    2. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo (...).

      (. .).

    3. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao principio do contraditório».

  10. Acresce que, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (ratificada por Portugal) estatui, no seu art°. 6°. que: «2 — Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

    3- O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: (...); b) Dispor do tempo e dos meios necessários para preparação da sua defesa; c) Defender-se a si próprio ou ter assistência de um defensor (...), quando os interesses da justiça o exigirem».

  11. O douto Despacho recorrido, ao “dispensar” a audição do Arguido, violou o disposto no nº. 3, do art°. 213°., do C.P.Penal e o acervo normativo assinalado nos artigos precedentes (supra transcritos).

  12. A omissão de uma formalidade que a lei prescreva só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (art°. 118°., ns. 1 e2, doC.P.P.).

  13. Constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento “(...), a ausência do Arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência” [ 119°., alínea c), do C.P.P.).

  14. Quanto à alínea c), do art°. 119°., do C.P.P., os tribunais superiores têm enquadrado a preterição de audição prévia do arguido como nulidade insanável e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal, nos termos do disposto no art°. 119°., alínea c), do C.P.P., vide nesse sentido: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Março de 2011, titulado com o Número de Processo: 432/08.6POLSB-A.L1-5, patenteando as vestes de nobre Relator o Venerando Juiz Desembargador Dr°. Simões de Carvalho “(.. .), V° Sendo determinado o cumprimento da prisão subsidiária, sem ter sido assegurado ao condenado o contraditório, foi cometida uma nulidade insuprível, passível de ser suscitada em fase de recurso (...)“, susceptivel de compulsação electrónica in http://www.dQsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec12fd9cb2cf2fde45f8025 78840051 f76d?OpenDocument 17ª. E constitui nulidade dependente de arguição a “(...), omissão (...), de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” [ 120°., n°. 2, alínea d), do C.P.P.].

  15. “Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular (art°. 118°., n°. 2, do C.P.P.).

  16. Ora, o exame oficioso dos pressupostos da suspensão da execução da prisão subsidiária (n°. 3, do art°. 49°., do Código Penal), em que o Juiz decide-se pelo cumprimento da pena de 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária, deve ser, sempre, precedido da audicão do Arguido [ 61°., n°. 1, aI. b), do C.P.P.] o que in casu, manifestamente, não ocorreu.

  17. E, como o contraditório, para além de garantia constitucional de defesa (art°. 32°., ns. 1, 3, 5 e 6, da C.R.P.), constitui, no cerne da própria dialéctica processual “diligência essencial para a descoberta da verdade” [ tão ‘essencial” e “necessária” que a lei, “salvo caso de manifesta desnecessidade”, proibe que o Juiz decida qualquer “questão de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se...

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