Acórdão nº 2/13.7GFPRT.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelANTERO LU
Data da Resolução21 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I Relatório Nos autos de instrução que correm termos na Comarca de Lisboa, Instância Central, 1ª Secção Instrução Criminal, Juiz 4, com o número de processo 2/13.7GFPRT, após a realização da respectiva instrução e debate instrutório a Meritíssima Juiz de Instrução proferiu despacho de não pronúncia nos seguintes termos: (transcrição) “Investigou-se em sede de inquérito a prática, pelo arguido CN..., melhor identificado a fls. 201, de um crime denúncia caluniosa p. e p. pelo disposto no n.º 2 do art.º 365 do Código Penal, havendo sido proferido no fim daquela fase processual o despacho de arquivamento de fls.120 a 121.--- Inconformado o assistente requereu a abertura de instrução nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 156 a 171.--- Procedeu-se à instrução com a inquirição de testemunhas, junção de documentos e realização do debate instrutório. --- *** O Tribunal é competente.--- O Ministério Público tem legitimidade.--- Não há nulidades, excepções ou questões prévias que cumpra conhecer.--- *** Na sequência do despacho de arquivamento de fls. 120 e 121 requereu o assistente a abertura de instrução nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 156 a 171, pedindo a pronúncia do arguido pela prática de um crime denuncia calúniosa p e p pelo art.º 365.º n.º 2 do Código Penal.

Dispõe o art.º 365 n.º 1 que “Quem, por qualquer meio, perante a autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pelna de multa”. Nos termos do n.º 2 “ Se a conduta insistir na falsa imputação de contra ordenação ou falta disciplinar, o agente é punido com pena de prisão até 2 ano ou com multa até 120 dias”.

No caso dos autos o arguido na qualidade de presidente da direcção nacional da Associação dos Profissionais da Guarda remeteu para o Comandante do Comando Territorial dos Açores, na altura o ora assistente, a carta cuja cópia faz fls. 8 e 9, datada de 14 de junho de 2012. Nesta carta a associação dá conta de ter tido conhecimento que no arquipélago dos Açores não estaria a ser dado integral cumprimento à NEP/GNR-1.01 de 30 de Julho de 2010, designadamente no que respeitava ao ponto c n.º 5 daquela norma; solicita que sejam feitas as diligências necessárias ao cumprimento integral daquela mesma NEP.

Datada de 14 de Junho de 2012 o ora assistente na qualidade de Comandante do Comando Territorial dos Açores remeteu sob registo de correio ao presidente da APG a carta cuja cópia faz fls. 14 a 16 dando conta do cumprimento integral da referida NEP.

Datada de 22 de Novembro de 2012 o arguido, novamente como presidente da direcção nacional da APG remeteu ao Comandante da GNR carta cuja cópia faz fls. 19 e 20 dando conta que tinha remetido ao Comandante do Comando Territorial dos Açores a missiva de 14 de Junho de 2012, que este não tinha oferecido qualquer resposta ou informação sobre o conteúdo da mesma e que a associação tem conhecimento que a situação se mantém. Termina pedindo que se proceda às diligências necessárias ao cumprimento integral e uniforme da referida NEP, designadamente no Comando Territorial dos Açores.

Em sede de inquérito foi ouvido o ofendido que, a fls. 41 e ss, disse entender que o comportamento denunciado pôs em causa o seu bom nome, honra e consideração e o profissionalismo, lançando infundadas suspeitas sobre o modo como cumpria o seu dever.

As testemunhas ouvidas na fase de inquérito – (….) – foram unanimes em dizer que a NEP em causa é cumprida no Comando Territorial dos Açores. Duas daquelas testemunhas esclarecem que por vezes a referida norma não é bem interpretada uma vez que, por nela se estipular o direito à dispensa de escala de serviço dos dadores de sangue, alguns militares pensam que nela se estipula o direito à total ausência de serviço.

O arguido foi também ouvido na fase de inquérito, embora não tenha sido constituído nessa qualidade, tendo prestado declarações que fazem fls. 106 e ss. Pese embora estas não possam ser tomadas em conta uma vez que o arguido além de ajuramentado, não foi constituído naquela qualidade nem foi advertido dos direitos que lhe assistem, nomeadamente o de não prestar declarações, não pode deixar de notar-se que o mesmo disse que quando remeteu o ofício de 22-11-2012 ao comando geral desconhecia que o Comando Territorial dos Açores lhe tivesse dado resposta, facto do qual só tomou conhecimento no âmbito do processo disciplinar; que abriu um inquérito interno na APG e verificou, que por erro administrativo, a resposta do Comando Territorial dos Açores, havia sido arquivada sem que dela tivesse sido dado conhecimento ao presidente da APG; esclarece ainda que não tinha qualquer intenção de prejudicar o queixoso e que só insistiu pela resposta porque desconhecia que esta já tivesse sido enviada.

Das testemunhas ouvidas na instrução é particularmente relevante o depoimento de CA… que acompanhou o processo subsequente à recepção da carta de 22-11-2012 no comando geral da GNR. Esclareceu que o Comando Geral contactou o Comando Territorial dos Açores, inicialmente de uma forma informal, e que aquele Comandante territorial informou o cumprimento da NEP. Acrescentou que teria havido um desfasamento de informação entre o Comando Territorial dos Açores e a APG e que o Comando Geral ficou satisfeito com a resposta do Comando Territorial. Esclareceu a mesma testemunha que quando recebem comunicações como a em causa nos autos, o comando geral contacta inicialmente informalmente para saber se as mesmas correspondem à verdade, tendo recebido no caso concreto os documentos comprovativos que a resposta ao ofício da APG tinha sido dada. Acrescentou também, que numa situação mais grave, poderia ser aberto um processo de averiguações e este, depois, ser convertido em processo disciplinar. A testemunha JT… esclareceu também que caso a NEP não estivesse a ser cumprida, tal poderia originar um processo disciplinar e, eventualmente, a transferência do militar.

Como resulta da letra do art.º 365 do Código Penal, para que se mostre preenchido o tipo ali referido é preciso que: ocorra denúncia ou suspeita da prática (no caso de falta disciplinar), que o agente actue com a consciência da falsidade da imputação e que o faça com intenção de que contra o visado se instaure procedimento.

No caso concreto o que está demonstrado é que o arguido fez chegar ao comando geral da GNR a carta cuja cópia faz fls. 19 e ss por, em primeiro lugar, ter recebido queixas de associados da APG no sentido que a NEP não estava a ser cumprida, por, em segundo lugar, não ser do seu conhecimento a resposta à carta que anteriormente enviara ao Comando Territorial dos Açores e, em terceiro lugar para que o comando geral encetasse as diligências necessárias ao cumprimento daquela NEP. Da carta data de 22-11-2012 não resulta nem que o arguido soubesse que as denúncias de falta de cumprimento da NEP às quais faz referência não correspondessem à verdade, nem resulta que o mesmo pretendesse ver instaurado procedimento disciplinar contra o comandante territorial dos Açores ou que tivesse agido na convicção que essa seria a consequência necessária da sua conduta. E tanto assim é que não há notícia nos autos que o assistente tivesse sido objecto de qualquer procedimento disciplinar fosse ele processo disciplinar ou mesmo de averiguações.

A decisão final da fase de instrução deve ser de pronúncia caso se verifiquem recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, aferindo-se estes pela maior probabilidade de, em julgamento, o arguido vir a ser condenado – art.º 308 n.º 1 CPP.

No caso concreto, aquela suficiência de indícios não existe, razão pela qual se decide não pronunciar o arguido.— Suportará o assistente taxa de justiça nos termos do disposto no art.º 515º n.º 1 al. a) do C.P.P., que se fixa no mínimo legal.--- Notifique e oportunamente arquive.” (fim de transcrição) *** Inconformado o assistente NF... veio interpor recurso, retirando da respectiva motivação de fls. 332 a 363, as seguintes conclusões: (transcrição) 1. Inconformado com a decisão instrutória que não pronunciou o Arguido pelos indícios da prática do crime de denúncia caluniosa, assiste ao Recorrente, enquanto Assistente, legitimidade para lançar mão do presente recurso e por via dele sindicar a decisão recorrida.

  1. O despacho de pronúncia ou de não pronúncia deve conter, ainda que de forma sintética, os factos que possibilitam chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária.

  2. O Tribunal da Relação tem de conhecer quais os indícios tidos por assentes pela primeira instância, para que possa fazer uma valoração lógica da gravidade, precisão e concordância dos mesmos, de molde a tê-los como suficientes ou insuficientes à aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança e desta forma poder confirmar o despacho de pronúncia ou de não pronúncia.

  3. Não compete ao Tribunal da Relação apreciar os factos apurados e substituir-se ao tribunal de primeira instância na prolação de despacho de pronúncia ou não pronúncia mas apenas, por força do recurso, com a base indiciária recolhida, corroborada ou não por outros elementos de prova, decidir se no seu conjunto são suficientes ou insuficientes para a...

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