Acórdão nº 1938/12.8PSLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CARAMELO
Data da Resolução14 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, precedendo conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: I 1.

Nos autos em referência, da 1ª Sec. do 4º Juízo Criminal de Lisboa, foram julgados com a intervenção de Tribunal Colectivo os arguidos: RP..., (…) e actualmente detido em Prisão Preventiva à ordem dos presentes autos, NC..., (…) e actualmente detido em Prisão Preventiva à ordem dos presentes autos, acusados como co-autores, na forma consumada e, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 26°, 131.° e 132°, n.° 2, alíneas e), todos do Código Penal, e, um crime de furto, p. e p. pelos artigos 203°, n.° 1 e 26°, do Código Penal.

2.

A final veio a decidir-se, por acórdão proferido em 18 de Dezembro de 2014, nos seguintes termos:

  1. Absolver aos arguidos da instância quanto ao crime de furto simples p e p pelo art. 203° do CP, por falta de legitimidade do M°P° em deduzir acusação; b) Condenar os arguidos RP... e NC... como co-autores materiais de um crime de homicídio qualificado p e p no art° 131° e 132° n° 2 al. e) do CP, na pena de 11 anos e 6 meses de prisão para cada um.

  2. Absolver os arguidos da instância Cível quanto aos pedidos de pagamento da quantia de100.000,00€ a título de dano morte, 60.000,00€ a título de danos não patrimoniais da vítima.

    d)-Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e, em consequência, condenar os arguidos, solidariamente, a pagarem ao demandante, a titulo de danos não patrimoniais por si sofridos, a indemnização cível de 20.000,00€.

    3.

    Inconformado com o decidido, dele veio recorrer o arguido, NC..., bem como o Exm.o Mº.Pº. junto do Tribunal recorrido.

    Recurso do arguido, NC...

    Extraiu da correspondente motivação as seguintes conclusões: Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão de fls e segs e proferido nos autos de Processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, que condenou NC... em:

  3. Na pena de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em co-autoria, de um crime de Homicídio Qualificado p e p no art° 131° e 132° al. e) do CP; b)E ainda, solidariamente com o co-Arguido RP..., no pagamento ao Demandante do montante de € 20.000,00 para ressarcimento dos danos não patrimoniais por este sofridos.

    II Entende o arguido, ora Recorrente, que o douto Acórdão deu erradamente como provada factualidade que em face da prova produzida em julgamento não poderia ter sido dada como provada, nos termos em que o foi, encontrando-se inclusive em contradição com a respectiva fundamentação, pelo que enferma assim de manifesto erro de julgamento em claro e inequívoco prejuízo do ora Recorrente, que não deveria ter sido condenado no crime de Homicídio Qualificado de que vinha acusado.

    III Por outro lado, e mesmo que por hipótese académica venha a ser mantida inalterada a factualidade dada como provada em juízo e subsumida ao Direito aplicável, a pena que lhe foi aplicada revela-se ainda assim excessiva, violadora do disposto no artigo 71º do Código Penal, por incorrecta e imprecisa aplicação.

    IVAcresce ainda que, além de não ser devido, se mostra excessivo o montante em que, solidariamente com o Co-Arguido, foi condenado a pagar ao Demandante VOra, acontece, porém, que em audiência, pese embora o Recorrente tenha confessado ter agredido a vítima, nunca confessou, e não o poderia fazer, o homicídio da vítima.

    VI No seu depoimento, o Recorrente presta as suas declarações de modo objectivo, pormenorizado, coerente, convicto e sem titubear, com a serenidade própria de quem descreve a verdade.

    VII E nele apenas admite a factualidade dada como assente nos pontos 1, 2, 3, 4 e 5 dos factos provados, em suma, e resumidamente, que: f) Naquele dia após sair da discoteca situada na zona da Expo, em Lisboa, percorreu a pé o Parque José Gomes Ferreira; g) Nesse percurso foi abordado por OA..., que lhe referiu que era perigos por ali andar àquela hora; h)E que em face de tal afirmação (e acrescente-se, assumindo - erradamente - que estaria eminente ser alvo de assalto ou agressão), reagindo àquilo que na altura configurou como um acto preparatório de uma agressão eminente, desferiu dois socos na face de OA..., tendo-o deixado atordoada; i)Após o que, lhe desferiu um pontapé nas pernas, provocando a queda da vítima OA...; J) E uma vez este no chão, desferiu-lhe ainda quatro pontapés no corpo, deixando-o inconsciente (e aqui, em contradição com a referência constante do ponto 4 da matéria assente, na parte em que ali se refere "inúmeros pontapés".

    VIII Recorde-se que tal depoimento - gravado em CD, com duração de 34min:2lseg, início às 10:22:49 do dia 11.12.2014 e fim às 10:46:13 do mesmo dia -, assim como o do co-arguido RP...- gravado em CD, com duração de 34min:21 seg, início às 09:58:15 do dia 11.12.2014 e fim às 10:22:46 do mesmo dia -, foi tido em especial consideração pelo tribunal a quo para a formação da convicção sobre a matéria de facto dada como assente que, como bem reconhece no douto Acórdão, foram decisivos para o cabal esclarecimento dos factos, sendo que "se os arguidos não tivessem colaborado com a justiça desde o primeiro momento em que foram confrontados com os factos dificilmente se chegaria à autoria dos mesmos".

    IX A versão apresentada pelo Recorrente resulta corroborada pelo depoimento prestado pelo co-arguido RP..., que confirma que após a sua chegada ao local, ele próprio e sem qualquer intervenção activa do Recorrente, prosseguiu a agressão à vitima.

    X Aliás, não só o co-arguido RP...admitiu em julgamento que, após a sua chegada ao local, o ora Recorrente não mais agrediu a vítima, como tal factualidade é referenciada na motivação da decisão de facto pelo Tribunal a quo.

    XI Na verdade, cotejando-a pode ler-se que, "A versão dos factos relatada pelo arguido NC... foi corroborada pelo arguido RP...que, apesar de não ter realizado uma confissão integral e sem reservas, admitiu, no essencial os factos descritos na acusação. Com efeito, confirmou que se dirigiu ao local dos factos na sequência do telefonema do NC..., quando chegou ao local deparou-se com a vítima deitada no solo e de imediato deferiu-lhe pontapés (ele, RP...), despiram-na e em seguida voltou (ele, RP...) a agredir a vítima com um cinto. Confirmou, ainda, terem removido a vítima para outro local, no meio das ervas": XII Do exposto resulta que, jamais poderia o Tribunal a quo dar como provado o que se refere nos Pontos 6 e 7 dos factos provados, concretamente quando refere que: 8.(..) e juntos desferiram na vítima inúmeros pontapés, que o atingiram aleatoriamente por todo o corpo, mas com maior incidência na zona da cabeça. (sublinhado nosso) 9.Fazendo uso de um cinto, desferiram-lhe várias chicotadas por várias partes do corpo ( ..) (sublinhado nosso) XIII E não o poderia ter dado como provado, porque simplesmente não aconteceu, como resulta dos depoimentos do co-arguidos e da própria motivação da matéria de facto, pois todas as agressões perpetradas à vítima após a chegada do co-arguido RP...foram-nos apenas e só por este.

    XIV Ao invés, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado, no ponto 6, que o co-arguido RP...desferiu na vítima inúmeros pontapés, que o atingiram aleatoriamente por todo o corpo, mas com maior incidência na zona da cabeça; XV E no ponto 7, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que fazendo uso de um cinto, o Co-arguido RP...desferiu na vítima várias chicotadas por várias partes do corpo (...) XVI Acresce que, o Recorrente nunca quis provocar a morte da vítima, não tendo sequer naqueles instantes representado como possível que da sua actuação pudesse vir a resultar na morte da vítima, e nunca se conformou como tal eventualidade.

    XVII Na verdade, a sua actuação, temporalmente circunscrita, teve por móbil evitar aquilo que o Recorrente configurou como sendo uma ameaça actual à sua integridade física, mas que na realidade não era, agindo por isso em verdadeira situação de legítima defesa putativa.

    XVIII Por outro lado, a agressão perpetrada pelo Recorrente, embora seguramente violenta (atento o facto de a vítima ter, em consequência das mesma, ficado prostrada no solo e inconsciente), não foi ainda assim idónea a provocar a morte da vítima, e confinou-se temporalmente aos momentos iniciais dos factos ocorridos no Parque, e portanto, antes da chegada do co-arguido RP...ao local.

    XIX E tal circunstancialismo resulta claramente dos depoimentos prestados em audiência pelo Recorrente e pelo Co-arguido, que confirmam que o Recorrente "apenas" agrediu a vítima antes da chegada do RP..., tendo sido este e apenas este que, após a sua chegada, de forma gratuita e reiteradamente, prosseguiu a agressão à vítima, primeiro a pontapé e seguidamente fazendo uso de um cinto.

    XX E fê-lo durante 15/20 mins, e sem qualquer intervenção activa do ora Recorrente, conforme resulta dos depoimentos prestados por ambos em audiência.

    XXI Atenta a violência da agressão perpetrada pelo co-arguido RP..., reiteração dos golpes infligido, os meios empregues e a duração da mesma, facilmente se retira que foi da violenta agressão perpetrada pelo co-arguido RP..., e só por este, que vieram a resultar as lesões traumáticas que determinaram a morte da vítima.

    XXII Note-se desde logo a tipologia das lesões evidenciadas no Relatório da Autópsia, designadamente no que se refere às lesões traumáticas na cabeça da vítima, são coerentes com o meio empregue pelo co-arguido RP...durante os 15/20 min em que agrediu a vítima (de natureza contundente ou agindo como tal e idóneo a produzir tais fraturas), mas não coerente com a agressão que anteriormente havia sido perpetrada pelo ora Recorrente.

    XXIII Foram as lesões crânio-megingo-encefálicas resultantes da agressão perpetrada pelo co-arguido RP...que vieram a determinar a morte da vítima.

    XXIV Daí que, no entender do Recorrente, não poderia o Tribunal a quo dar como provado, nos moldes em que o fez e no que ao Recorrente diz respeito, a factualidade que vem vertida nos pontos 13, 14, 15 e 16 dos factos...

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