Acórdão nº 208/13.9TELSB-B.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelANTERO LU
Data da Resolução24 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - Relatório Nos autos de inquérito que correm termos nos serviços do Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, com o Nº 208/13.9TELSB, na sequência de requerimento apresentado por M... através do qual pretendia que fosse declarado inexistente, nulo ou irregular o despacho de intervenção hierárquica inscrito a fls. 2070 a 2081 com todas as consequências legais, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal indeferiu o mesmo nos seguintes termos: (transcrição) “Fls. 2105 a 2109: M..., que se considera suspeito nos presentes autos de inquérito, apresentou um requerimento dirigido a este tribunal e simultaneamente ao Ministério Público, de acordo com o qual pretende o reconhecimento de vícios de um despacho de intervenção hierárquica proferido na sequência de um despacho de arquivamento proferido neste processo.

O mencionado requerente não sustenta, de qualquer forma, ao abrigo de que disposição processual apresenta o seu requerimento a este tribunal e qual a norma processual que lhe atribui o direito de requerer nestes autos, designadamente de intervir a pedir a declaração de vícios processuais (arts. 60.º e 61.º do Código de Processo Penal a contrario).

Analisados os autos resulta que o mencionado M... nunca foi constituído arguido, nem, por outro lado, se encontra prevista qualquer intervenção judicial nesta fase do processo, sendo claro que o juiz de instrução criminal não se encontra integrado na hierarquia do Ministério Público, não sendo superior hierárquico de qualquer outra entidade.

Por isso, estando os autos em inquérito, não sendo o requerente um sujeito processual, ao abrigo do disposto nos arts. 263.º, n.º1, 268.º e 269.º do Código de Processo Penal, declaro o Ministério Público competente para o conhecimento do requerido.

Ds.” (fim de transcrição) *** Não se conformando com a referida decisão dela veio M... interpor o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: (transcrição) 1) O ora recorrente, de nacionalidade angolana, residente e contribuinte fiscal na República de Angola, foi denunciado nos presentes autos dos quais aliás tomou conhecimento pela imprensa portuguesa; 2) Após o que, voluntariamente, veio aos autos coligir prova e demonstrar não possuir quaisquer antecedentes criminais e posteriormente a inexistência da pendência de quaisquer processos-crime contra si.

3) Em 3 de Junho de 2014 foi o ora recorrente notificado do douto despacho proferido Exmo. Sr. Procurador da República titular do inquérito a fls. 1603 no sentido de vir juntar os suportes bancários e sumária justificação dos movimentos identificados no relatório pericial; 4) Em 11 de Agosto de 2014, o recorrente veio a fls. … juntar os suportes bancários das operações ali identificadas e justificar sumariamente os referidos movimentos bancários.

5) No dia 12 de Agosto de 2014, foi proferido pelo Exmo. Sr. Procurador da República titular da investigação, nos termos do disposto no nº 1 do art. 277º do CPP, o despacho de arquivamento inscrito a fls. 2015 a 2069; 6) Em 15 de Setembro de 2014, o Exmo. Sr. Director do DCIAP proferiu o douto despacho de intervenção hierárquica inscrito a fls. 2070 a 2081, ordenando a fls. 2081 in fine a notificação simultânea destes dois despachos aos intervenientes processuais; 7) Os referidos despachos de arquivamento e de intervenção hierárquica foram simultaneamente notificados ao ora recorrente a fls… , por Correio registado, expedido pela Secretaria de processos do DCIAP, no dia 16 de Setembro de 2014, com a Referência n.º 1652028; 8) Da análise dos referidos despachos resulta que o referido douto despacho de intervenção hierárquica foi proferido pelo Exmo. Sr. Director do DCIAP sem que o despacho de arquivamento tivesse sido previamente notificado ao assistente, ao denunciante e ao aqui recorrente, dispensando o assistente e o denunciante de tomarem uma posição processual sobre o mesmo, omitindo assim o disposto no art. 277º nº 3 do CPP e antecipando o Exmo. Sr. Director do DCIAP nos autos a sua posição em benefício do assistente; 9) Ao que acresce o facto de, nos termos do art.278º nº 1 do CPP, a intervenção hierárquica apenas poder ocorrer no prazo de 20 (vinte) dias a contar da data em que já não puder ser requerida a abertura de instrução, pelo que só depois de decorrido este prazo podia o superior hierárquico, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir assistente determinar que seja formulada a acusação ou que as investigações prosseguissem; 10) Deste modo, a intervenção hierárquica do Exmo. Sr. Director do DCIAP traduziu-se numa manifesta violação do disposto nos arts. 277º, nº 3 e 278º do CPP, bem como do Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 31/2009, publicado na 2ª Série do Diário da República, n.º 216, de 8 de Novembro de 2012, lesando gravemente os direitos de defesa do recorrente; 11) Com efeito, não admitindo o crime de branqueamento a constituição de assistente (cfr. art.º 68.º, n.º1, al. e) do CPP, notificado que fosse do despacho de arquivamento o assistente e o denunciante teriam de sobre o mesmo tomar previamente posição e optando por requerer a abertura de instrução a mesma seria indeferida por inadmissibilidade legal (cfr. n.º 3 do art.º 287.º do CPP); 12) O Exmo. Sr. Director do DCIAP obstou assim a um resultado favorável à defesa do recorrente não se conformando com as consequências da lei, dever a que está obrigado, aliás, dispõe expressamente o n.º 2, do Art.º 8.º, do Código Civil: «O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob o pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”; 13) A intervenção hierárquica do Exmo. Sr. Director do DCIAP traduziu-se numa manifesta violação do disposto nos arts. 277º nº 3 e 278º do CPP, lesando assim os direitos de defesa do aqui recorrente; 14) Consequentemente veio o ora recorrente a fls. 2105 a 2109 apresentar requerimento ao Exmo. Sr. Juiz de Instrução Criminal no sentido de ver apreciados e reconhecidos os vícios que ferem o aludido despacho de intervenção hierárquica; 15) Através do douto despacho a quo inscrito a fls. 2131/2132 o Exmo. Sr. Dr. Juiz de Instrução Criminal entendeu não ser competente para conhecer e decidir sobre as invalidades arguidas relativamente ao despacho de intervenção hierárquica por não estar prevista na lei a sua intervenção na fase de inquérito e por não estar integrado na hierarquia do Ministério Público; 16) O Juiz de Instrução Criminal (JIC) surge no processo penal como um verdadeiro garante dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, competindo-lhe, pela positiva, velar pelo cumprimento dos mesmos; 17) Por outro lado, inexistem quaisquer dúvidas de que compete ao JIC, além do mais, praticar todos os actos que consubstanciem o exercício de funções jurisdicionais relativas ao inquérito, tal como dispõe o art. 17º do CPP; 18) O conhecimento de invalidades – quer se trate de inexistência, nulidades ou irregularidades - cometidas na fase de inquérito insere-se no âmbito função jurisdicional do juiz de instrução; 19) A inexistência jurídica ou a nulidade trazidas ao conhecimento do JIC são do conhecimento oficioso; 20) Não obstante, encontramos outros fundamentos dispersos no Código de Processo Penal que reclamam a intervenção do JIC no que respeita à apreciação de invalidades ocorridas no inquérito, como os previstos nos artigos 268º, nº1, al f), 122º, nº2 e 3 e 291º nº 3 do CPP; 21) A intervenção hierárquica, realizada em violação dos termos previstos no art. 278º do CPP, traduziu-se num acto processual capaz de comprimir direitos e garantias do aqui recorrente, pelo que dificilmente se percebe e pode sustentar que o juiz de instrução não tenha competência para conhecer as invalidades legitimamente arguidas pelo ora recorrente; 22) Não poderia assim o JIC deixar de apreciar os vícios arguidos pelo ora recorrente a fls. 2105 a 2109; 23) O douto despacho a quo violou assim os arts. 17º, 122º nº 2 e 3, 268º nº 1 f) e.291º nº3 todos do CPP e o art.32º da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, em face do exposto, requer a V. Exas. se dignem revogar o douto despacho a quo e determinar a apreciação pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz de Instrução Criminal das invalidades arguidas pelo ora recorrente a fls. 2105 a 2109 relativamente à extemporânea intervenção hierárquica constante de fls. 2070 a 2081; assim glorificando o Direito, a Justiça, a Verdade e a Razão. (fim de transcrição) *** O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso nos termos constantes de fls. 14 a 26 dos presentes autos concluindo, nos seguintes termos: (transcrição) 1. “Nos termos do disposto no art. 414°, 11.° 2, do Código de Processo Penal, o recurso não é admitido quando o requerente não reunir as condições necessárias para recorrer.

  1. No caso dos autos, o requerente não tem legitimidade para apresentar o presente recurso [cf. art. 401°, n.º 1, al.s b), e d), ín fine, do Código de Processo Penal], como não dispõe de interesse em agir processualmente relevante (cf. art. 401°,11.° 2, do Código de processo Penal).

  2. o requerente não assume, nos presentes autos de inquérito, a qualidade de sujeito processual, não tendo sido constituído arguido, não lhe sendo, por esta via, aplicável a norma constante do art. 401°, n." 1, al. b), do Código de Processo Penal.

  3. o requerente assume, assim, nos presentes autos, a mera qualidade de suspeito, já que se trata de alguém relativamente a quem existe indício de que cometeu um crime, ou de que nele participou [cf. art. 1°, alo e), do Código de Processo Penal).

  4. Não altera a posição processual do requerente o facto de este ter procedido à entrega de elementos documentais solicitados pelo Ministério Público ou a circunstância de lhe ter sido comunicado o...

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