Acórdão nº 1139/16.6S6LSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCONCEI
Data da Resolução22 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em Conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. –RELATÓRIO: 1.1.

    – No Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 5 - no processo nº 1139/16.6S6LSB foi julgado em processo comum singular o arguido B.S.R., filho de AJS e de MGL, natural da freguesia de São Sebastião das Pedreira, concelho de Lisboa, nascido a 26 de novembro de 19XX, divorciado, técnico de ar condicionado, residente na Rua …………… Sacavém, e por sentença de 13JUL17 foi decidido: a)- Condenar o arguido B.S.R., pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, n° 1, al. b) e no 2 do Código Penal, numa pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e acompanhada de um regime de prova a delinear pela Direção Geral de Reinserção Social com vista à identificação de fatores de risco de repetição de condutas; b)- Proibir o arguido de, durante o período da suspensão e por qualquer meio, contactar direta ou indiretamente a ofendida R.C. ou deslocar-se à residência ou local de trabalho desta, sem prejuízo do que venha a ser acordado em sede de regulação das responsabilidades parentais.

    1.2.

    – Inconformado com a sentença dela interpôs recurso o arguido, que motivou, concluindo nos seguintes termos: (transcrição): «1.

    – O Arguido vem recorrer da sentença em crise porque entende que esta decidiu erradamente face à prova produzida em julgamento, quer dando como provados os factos que constam da sentença quer mesmo entendendo que tais factos, a serem dados como provados, preenchem o tipo do crime de violência doméstica.

  2. – O julgador claramente não conseguiu abstrair-se dos seus valores e convicções pessoais, o que aliás é notório na valoração que faz dos factos que dá como provados "versus" o que foi descrito pelas testemunhas ouvidas em julgamento, não valorizando a forma serena com que as testemunhas, arroladas pela própria acusação, descrevem os acontecimentos dando nota marcada das boas qualidades do arguido enquanto pessoa e em especial enquanto pai.

  3. – A experiência comum diz-nos que o estado psicológico e emocional da alegada ofendida não foi assim atingido pelos factos que vem contar, "a posteriori e algumas das vezes decorridos vários anos", numa fase de ruptura conjugal e em que apenas restava decidir quem saia de casa.

  4. – É sabido que o julgador, em processos desta natureza, deve abstrair-se dos seus valores e convicções pessoais! 5.

    – Nos presentes autos aconteceu exactamente o contrário, o julgador, não tendo a mínima prova no que respeita a agressões físicas, valorizou de modo indevido toda uma série de situações (como seja a dependência económica da alegada vítima) para lhe dar uma valoração negativa que nunca teve na vida do casal.

  5. – O Julgador, na sentença proferida e ora em crise (2.1 do Título II) deu, erradamente, como provados e com relevância para a decisão final, os seguintes factos: 6., (7, 8, 9, 14, 15, 18, 19, 20, 35, 36 e 37), (10, 11, 12 e 13), (16 e 21), (22 e 23), (24 e 25), (29), (31), (38, 39, 40, 41 e 42).

  6. – No que respeita ao facto provado com o nº. 6, da prova produzida em julgamento tal não resulta provado pois, apesar dos depoimentos prestados pela ofendida R.C. e sua filha N.S., o Tribunal ignorou os depoimentos das testemunhas: - ABS que refere --acta Audiência Discussão e Julgamento de 23/06/2017, com inicio as 00:00:01 e fim em 00:36:52, - WCR --acta Audiência Julgamento de 29/06/2017, início 00:00:01 e fim 00:19:28-- e, - PSC -- acta Audiência Julgamento de 29/06/2017, início 00:00:01 e fim 00:24:35--, e da própria ofendida: - RSF refere --acta Audiência Discussão e Julgamento de 25/05/2017, com início as 00:00:01 e fim em 01:21:23 8.

    – No que respeita aos pontos 7, 8, 9, 14, 15, 18, 19, 20, 35, 36 e 37 da acusação, o Julgador entendeu dar estes factos como provados, limitando-se a transcrever textualmente a pronúncia, sem que exista prova dos mesmos.

  7. – Aliás, tais factos surgiram alinhados na composição da acusação pelo Ministério Público e acabaram por ser dados como provados em tribunal, onde a palavra da ofendida, sem mais, permanece intocável, pretendendo-se que fosse o arguido a fazer prova de que tais factos não aconteceram, tudo na plena inversão do que é o ónus da prova em direito penal e do princípio da presunção de inocência de que o arguido desde início nunca beneficiou.

  8. – Existe assim, uma evidente falta de prova sobre estes mesmos factos.

  9. – Caso assim não entendesse, o Tribunal deveria, pelo menos, atenta a prova testemunhal existente e apreciada na sua globalidade -- único modo de apreciar um crime da natureza da violência doméstica, em que toda a envolvente social e familiar deve ser devidamente enquadrada-- concluir pela dúvida sobre esses mesmos factos beneficiando o arguido com a absolvição atento o principio "in dublo pro reo".

  10. – Conclua-se quanto a estes factos que os mesmos, mesmo que, e novamente, num mero exercício teórico se considerassem ter ocorrido, mais não revelam, tendo em conta toda a prova testemunhal produzida, do que uma união de facto que era satisfatória para ambos os intervenientes, não obstante os ciúmes que eram comuns ao casal, com conflitualidade própria de um casal --residente na Zona J de Chelas-- sendo certo que a linguagem e agressividade física e verbal de ambos era, como referiu, e bem, em alegações, a Digna Procuradora do Ministério Público, o "modus vivendi" do casal e que o venárculo, que tanto susceptibilizou o julgador, era o tipo de linguagem utilizado no contexto económico-social em que ambos viviam.

    Veja-se neste sentido o que disseram as seguintes testemunhas: a)- RSF (ofendida)-- acta Audiência Discussão e Julgamento de 25/05/2017, com inicio as 00:00:01 e fim em 01:21:23 b)- MJS (mãe da ofendida) -- acta Audiência Discussão e Julgamento de 23/06/2017, com inicio as 00:00:01 e fim em 00:18:58 c)- FSS (irmã da ofendida) acta Audiência Discussão e Julgamento de 23/06/2017, com início as 00:00:01 e fim em 00:18:58 d)- PME (Agente da PSP) acta Audiência Discussão e Julgamento de 29/06/2017, com inicio as 00:00:01 e fim em 00:24:24 13.

    – No que respeita aos pontos 10 a 13 da acusação, o Julgador entendeu dar estes factos como provados, limitando-se a transcrever textualmente a pronúncia, sem que exista prova dos mesmos.

  11. – Na verdade, existe uma clara desconformidade entre o facto dado como provado no n.10 dos factos provados e o depoimento da própria ofendida relativamente a tal episódio.

  12. – O mesmo se diga em relação aos factos provados em 12 e 13 que, foram dados como provados, sem qualquer prova para além do depoimento da ofendida na certeza que, dado o tempo decorrido mais de 10 anos, não se pode aceitar que a ofendida possa relatar com fidelidade tais episódios.

  13. – No que respeita aos pontos 16 e 21 da acusação, o Julgador entendeu dar estes factos como provados, limitando-se a fazer pequenos acertos cirúrgicos ã pronúncia, sem que exista prova dos mesmos.

  14. – Ora, mesmo seguindo na integra a versão da ofendida, o que parece ter sido o caminho traçado na sentença em crise, a verdade é que tais factos, conforme a própria ofendida os descreve, mais não traduzem que uma agressividade mútua e exacerbada nas discussões tidas entre o casal e não mais que isso.

  15. – Com efeito, e como se retira do próprio depoimento da ofendida sobre estes factos ela não tinha nem nunca teve quaisquer medos, receios ou subjugação moral em relação ao arguido e que assim ficasse inibida na sua possibilidade de reacção, bem pelo contrário.

  16. – A Ofendida chegava mesmo a ser provocadora manifestando assim uma total paridade, tal como o comprova o depoimento prestado por esta.

    -RSF (ofendida)-- acta Audiência Discussão e Julgamento de 25/05/2017, com inicio as 00:00:01 e fim em 01:21:23 20.

    – No que respeita aos pontos 22 e 23 da acusação, o Julgador entendeu dar estes factos como provados sem que exista prova dos mesmos.

  17. – Com efeito aquilo que ficou sobejamente provado em julgamento foi o facto constante do ponto 43, ou seja: - "Muitas das discussões existentes entre o casal foram motivadas pelo comportamento rebelde da filha da arguida, N.S., que faltava à escola e pernoitava fora de casa o que muito preocupava o arguido que achava a educação da sua companheira demasiado permissiva." 22.

    – Ora foi exactamente neste contexto que alegadamente terá havido a discussão transcrita nos pontos 22 e 23 dos factos provados.

  18. – Ou seja, pese embora o ora arguido negue a violência descrita nessa discussão, tal como nas demais, o julgador abstraiu-se e esquecendo o porquê do inicio da discussão que, nos padrões de normalidade dum educador, seria sempre por justificados.

  19. – Aliás, é a diferente abordagem educacional entre arguido e ofendida no que respeita à N.S. --na certeza que a postura mais correcta é a do arguido-- que justifica a animosidade desta testemunha contra o seu então padrasto que, não obstante e nas palavras de todas as testemunhas ouvidas, sempre pretendeu educá-la de acordo com os padrões socialmente adequados e exigíveis atenta a idade da Menor que na altura tinha somente 13 anos.

  20. – No que respeita aos pontos 24 e 25 da acusação, o Julgador entendeu dar estes factos como provados sem que exista prova dos mesmos.

  21. – Bem pelo contrário, é a própria ofendida que nega ter sofrido quaisquer agressões físicas, limitando-se a referir ter havido uma discussão. Veja-se o seu depoimento: -RSF (ofendida)-- acta Audiência Discussão e Julgamento de 25/05/2017, com inicio as 00:00:01 e fim em 01:21:23 27.

    – Razão suficiente para que também estes factos -24 e 25-deveriam não ter sido dados como provados.

  22. – No que respeita ao ponto 29 dos factos provados, o Julgador entendeu dar estes factos como provados sem que exista prova dos mesmos.

  23. – Ora, mesmo seguindo na íntegra a versão da acusação, o que parece ter sido o caminho erradamente traçado na sentença em crise, a verdade é que tais factos --teor das...

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