Acórdão nº 1177/17.1YRLSB-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Outubro de 2017

Data03 Outubro 2017
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–Relatório: Na pendência da acção arbitral no âmbito da Lei n.º 62/2011, a demandada veio requerer a este Tribunal a recusa do Senhor Árbitro Presidente, em virtude de, segundo alega, ter sérias e injustificadas dúvidas quanto à independência e imparcialidade do Exm.º Árbitro.

Baseou-se fundamentalmente no incumprimento pelo Senhor Árbitro Presidente do dever de revelação; na adopção por ele de um comportamento processual não equidistante (expresso em “indisfarçável aversão” e “animosidade para com a requerente”); na circunstância de ter participado em arbitragens congéneres e de haver risco de dependência económica, acrescentando que o mesmo recusou expressamente esclarecer as seguintes questões formuladas pela demandada e ora requerente: “Qual o montante facturado à sociedade de advogados F…, por ordem do Senhor Árbitro Presidente, nas arbitragens iniciadas ao abrigo da Lei n.º 62/2011? Quando é que o Senhor Árbitro presidente foi nomeado na qualidade de árbitro presidente por clientes representados pela sociedade de advogados A…? Quando é que o Senhor Árbitro Presidente auferiu as quantias que perfizeram € 80.000,00 pela sua nomeação na qualidade de árbitro de parte por clientes da sociedade A…? Quais são as empresas farmacêuticas representadas pela sociedade de Advogados do Senhor Árbitro Presidente?” Cumprido o artigo 60.º da L. A. V., vieram o Senhor Árbitro Presidente (fls. 402 e segs.) e a A. (fls. 534 e segs. – 19/07/2017) responder, concluindo pela improcedência do pedido, quer por manifesta extemporaneidade e caducidade, quer por falta de fundamento.

A R., demandada, veio assumir posição sobre tais requerimentos, reiterando basicamente o que já havia alegado perante este Tribunal, tendo insistido no pedido de que o Senhor Árbitro Presidente esclareça as questões que enuncia a fls. 637.

Por seu turno, a demandante veio sustentar a inadmissibilidade processual do requerimento da demandada, considerando que o mesmo extrapola a garantia do contraditório plasmada nos artigos 30.º, n.º 1, da L. A. V., e 3.º do C. P. C.

II.1.

–Questões prévias: II.1.1.

–Da admissibilidade do requerimento da demandada O artigo 60.º da LAV não contempla expressamente a possibilidade de réplica, sendo embora certo que também a não proíbe, o que bem se compreende perante as exigências do princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º do C. P. C.

Será, por isso, necessário verificar se as respostas trazidas, quer pelo Senhor Árbitro presidente quer pela demandante, trazem novidade com o impacto na cabal defesa da contraparte.

Por isso, não há uma proibição geral da réplica, antes se impondo uma ponderação concreta dos articulados das partes para aferir da pertinência do que alegam e da sua utilidade para a apreciação e decisão do caso em apreço.

II.1.2.

–Quanto à pretendida reiteração de que o senhor Árbitro Presidente preste os esclarecimentos complementares enunciados no requerimento de fls. 637 Como lucidamente se escreveu no Acórdão da RL de 13.09.2016[1], Se a exploração do revelado pela parte interessada pode passar pelo pedido de esclarecimentos adicionais ao árbitro isso não implica, em nosso modo de ver, uma sucessão de pedidos de esclarecimento nem que estes pedidos extravasem o que é pertinente e razoável, designadamente tendo em conta que o ónus do desenvolvimento da investigação e da prova é da parte, e se transmutem numa investigação especiosa e extensa sobre toda a actividade pretérita do árbitro; que se torna desrespeitosa para com este e, consequentemente, inquinadora do processo arbitral.

Neste âmbito entende-se ser de desatender esta pretensão da demandada, visto que, como melhor adiante se verá, tais esclarecimentos se afiguram desnecessários na economia dos fundamentos do pedido de recusa, incluindo para aferição da alegada falta de equidistância relativamente a ambas as partes – por se entender que o Senhor Árbitro Presidente havia já prestado os esclarecimentos relevantes. II.1.3.

–Quanto à questão da alegada caducidade do correspondente direito O Senhor Árbitro Presidente, na resposta, veio invocar a extemporaneidade do pedido de recusa, em virtude de “só passados mais de 10 meses sobre a data em que terá tomado conhecimento da designação do signatário é que a Requerente” veio invocar “que o mesmo não havia apresentado declaração de independência e imparcialidade e só então começou a ter dúvidas sobre se o signatário reunia, efectivamente, as aludidas qualidades”.

Acrescentou que a requerente havia assinado a acta de instalação, “em que se confirmava a designação do signatário em 6 arbitragens e sido representada pelos mesmíssimos mandatários que a representaram nesta arbitragem”.

Quer isto dizer que a requerente desencadeou o incidente de recusa de árbitro já muito depois de decorridos os 15 dias previstos na lei, “uma vez que lhe foram dados a conhecer pelo menos desde 2 de Março de 2017 – data em que o signatário respondeu às questões que a requerente lhe colocou – e, alguns deles, pelo menos desde 5 de Maio de 2016 – data em que foi junta aos autos procuração a favor dos mandatários da requerente e em que esta tomou conhecimento de que o Árbitro Presidente não apresentara qualquer declaração de independência – ou muito antes disso – já que a sociedade de advogados que representa a requerente neste processo representou e representa ainda esta e outras entidades em 22 processos iniciados ao abrigo da Lei n.º 6272011, em que as demandantes são representadas pela A…. “Encontra-se, pois, caducado o direito de pedir a recusa de árbitro presidente”.

Idêntica posição assumiu a demandante (fls. 534 e segs.).

A demandada assumira posição contrária, por antecipação na P.I., onde defende a tempestividade do seu requerimento. A este propósito importa destacar o seguinte circunstancialismo: –Por requerimento de 2 de Maio de 2017, e demandada Teve BV requereu, ao abrigo do disposto no artigo 14°, n,° 2 da Lei 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei de Arbitragem Voluntária ou LAV), a recusa do Senhor Árbitro Presidente, Senhor Professor Doutor FP… (vd. Acórdão sobre o Incidente de recusa proferido pelo TA, a fls. 359).

–Este requerimento foi antecedido de um pedido de esclarecimentos em 22 de Fevereiro de 2017, os quais foram prestados pelo Senhor Árbitro Presidente no dia 2 de Março de 2017 (idem).

–Posteriormente, no dia 3 de Abril de 2017, a demandada formulou mais cinco perguntas, que apelidou de clarificações às informações prestadas anteriormente e que o Senhor Arbitro Presidente, na sua resposta de 18 de Abril, considerou como pedido de novos esclarecimentos (idem).

–Em 02.05.2017 a demandada veio requerer a recusa do senhor Árbitro Presidente (fls. 9 e 326 a 354 e 399).

A este propósito, dispõe o artigo 14.º, n.º 2, da LAV., que: “Na falta de acordo, a parte que pretenda recusar um árbitro deve expor por escrito os motivos da recusa do tribunal arbitral, no prazo de 15 dias a contar da data em que teve conhecimento da constituição daquele, ou da data em que teve conhecimento das circunstâncias referidas no artigo 13.º”.

A este propósito importa referir que o requerimento se nos afigura tempestivo visto que o facto de se estar na posse há vários meses de determinados conhecimentos não implica por si só que o prazo da caducidade se deva contar a partir do conhecimento desses mesmos conhecimentos, pois que por vezes em determinadas áreas eivadas de dúvidas justificadas e de certo melindre só a partir de determinados esclarecimentos se produz o fundamento repentino, mas decisivo, que conduz a uma tomada de decisão.

No caso vertente, pelo que se percepciona nomeadamente do circunstancialismo enunciado, a demandada, mediante pedidos de esclarecimento, foi construindo as ideias que acabaram por determinar a formulação do pedido de recusa. E como resulta do mesmo circunstancialismo, essa formulação está dentro do prazo previsto na lei e foi feito no seguimento dos pedidos de esclarecimentos aludido.

Nesta conformidade se conclui que o requerimento é tempestivo, improcedendo, assim, a invocada excepção de caducidade II.2.

–Fundamentação.

II.2.1.

–Dos Factos.

Os autos permitem considerar o seguinte circunstancialismo: 1.

–Em 12 de Dezembro de 2011, foi publicada a Lei n.º 62/2011, a qual criou um regime de composição de litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos.

  1. –No dia 12 de Dezembro de 2015, o INFARMED, I. P., publicou na sua base de dados dois pedidos de autorização de introdução no mercado (doravante “AIM”) para medicamentos genéricos Bortezumid, apresentados em nome da requerente T… (fls. 52 e 53).

  2. –No dia 7 de Janeiro de 2016, a requerida iniciou um processo arbitral contra a ora requerente T…, tendo nomeado como árbitro o Dr. M.., ao abrigo do artigo 10.º da L. A. V. (fls. 45 e segs.).

  3. –Uma vez que a demandada não nomeou árbitro, por despacho proferido no dia 7 de Março de 2016, o Tribunal da Relação, em substituição da requerente, designou como árbitro o Dr. C… (fls. 36 a 38).

  4. –O Senhor Árbitro Presidente foi escolhido por ambos os Árbitros das partes (fls. 55).

  5. –No dia 29 de Março de 2016, os árbitros assinaram a acta de instalação do Tribunal Arbitral (fls. 55 e segs.).

  6. –No dia 11 de Abril, a requerida/demandante apresentou requerimento no qual requereu ao Tribunal Arbitral várias alterações à acta de instalação, nomeadamente quanto ao objecto do litígio (fls. 68).

  7. –Em 27 de Abril de 2016, o Tribunal Arbitral anuiu ao que fora requerido pela demandante (fls. 68 e 69).

  8. –No dia 5 de Maio de 2016, a requerente juntou procuração a favor dos seus mandatários (fls. 43), tendo requerido informação sobre o estado do processo e comunicações entre árbitros e partes (fls. 46 e 47).

  9. –A demandante requereu ainda que a notificação para apresentar petição inicial fosse dada sem efeito (fls. 68 e 69).

  10. –No dia 27 de...

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