Acórdão nº 638/14.9SGLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelAGOSTINHO TORRES
Data da Resolução31 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 5ª SECÇÃO (PENAL) I–RELATÓRIO: 1.1– Por sentença oral proferida em procº especial abreviado, a arguida idª nos autos, A. foi absolvida da imputação de autoria de crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelas razões constantes da gravação em audiência que aqui se dão por reproduzidas.

1.2– Desta decisão recorreu o Ministério Público dizendo em conclusões da motivação apresentada: “(…) 1- A arguida A. foi acusada nestes autos pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelos arts. 69.° n° 1 e 292.° n° 1 do CP.

2- Na douta sentença recorrida foi a arguida absolvida do referido crime por o agente não se ter recordado dos factos para além do constante do auto de notícia pelo que não foi dada como provada a identificação do agente dos factos e bem ainda que o agente dos factos tenha sido a arguida acusada tendo-se considerado na decisão recorrida que " não pode o tribunal, apenas com este depoimento e com o auto considerar como provados os factos constantes da acusação." 3- O Ministério Público não se conforma com tal decisão.

4- Não se põe em causa que o agente tenha dito que nada se recordava para além do que leu no auto.

5- O que se põe em causa é que tal impeça de dar como provado a identidade da autora dos factos.

6- Do auto de notícia consta que a identificação da arguida foi documental, constando do mesmo que a arguida se fazia acompanhar de um título de residência e de uma carta de condução, ambos documentos com fotografia, sendo que este auto foi mesmo assinado pela arguida.

7- A arguida, notificada para comparecer nos serviços do Ministério Público 1/08/2014, veio efectivamente a comparecer naqueles serviços onde novamente se identificou e veio a aceitar a aplicação do instituto de suspensão provisória do processo (posteriormente revogada) e veio posteriormente aos autos, indicar nova morada.

8- O auto de notícia tem valor intrínseco, de facto nos termos do artigo 243.° do Código de Processo Penal, sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou mandam levantar auto de notícia.

9- O documento autêntico é o descrito n° 2 do art. 363.° do Cód. Civil, assim, documentos autênticos são "os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares. ", o valor de documento autêntico resulta do disposto no artigo 169.° do Código de Processo Penal no qual se dispõe que se consideram "provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa. " 10- Assim, não tendo sido posto em causa o auto de notícia, nem pela arguida nem por nenhum outro elemento dos autos, verificando-se, aliás que o teor do mesmo é suportado pelos demais elementos e intervenções processuais da arguida constantes dos autos, e obedecendo o mesmo aos requisitos legais, deveria este ter sido valorado e ter sido dado como provada a identificação da arguida como agente dos factos.

11- Neste sentido, veja-se o Ac. do TRL datado de e proferido nos autos n° 241/08.2GGLSB.L1-9 constante do site www.dgsi.pt, em situação em tudo semelhante à dos autos, Ac. do TRE proferido em 20-12-2012 nos autos n° 721/07.7PBEVR.E1.

12- Assim, entende-se que, deverá o auto de notícia ser valorado como meio de prova nos termos do disposto nos artigos 243.° e 169.° do CPP e em conformidade deverá ser a decisão recorrida substituída por outra na qual se dê como provado que a arguida, no dia, hora e local indicado no auto conduzia o veículo aí indicado e que a mesma apresentava a taxa de álcool indicada no talão também junto aos autos, e em consequência condene a mesma pelo crime pelo qual vem acusada.

Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal concedendo provimento ao pressente recurso e, em consequência, alterando a douta decisão recorrida.

1.3– Em resposta nada disse a arguida.

1.4– Admitido o recurso e remetido a esta Relação, o MºPº emitiu parecer no sentido de acompanhar as razões do recurso do seu par. 1.5– Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir.

II–CONHECENDO 2.1– O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP [1].

Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida[2].

Assim, traçado o quadro legal temos por certo que as questões levantadas no recurso são cognoscíveis no âmbito dos poderes desta Relação.

2.2– Está em discussão para apreciação , em síntese, a seguinte questão: Valor do auto de notícia elaborado por agente de autoridade testemunha em julgamento e que, confirmando-o, não se recordava claramente da situação concreta em si mesma.

2.3–A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL 2.3.1– Numa breve síntese do que se passou nos autos o MP recorrente apontou assim as razões da sua discordância (e que de seguida transcrevemos para maior facilidade de compreensão expositiva ): “A arguida A. foi acusada nestes autos pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelos arts. 69.° n° 1 e 292.° n° 1 do CP.

Na douta sentença recorrida foi a arguida absolvida do referido crime por o agente autuante não se ter recordado dos factos para além do constante do auto de notícia.

A testemunha afirmou não se lembrar de nada para além do que consta no auto de notícia o qual confirmou ter elaborado, nomeadamente, quanto à identificação da arguida.

Assim, não foi dada como provada a identificação do agente dos factos e bem ainda que o agente dos factos tenha sido a arguida acusada.

Na douta sentença recorrida (proferida verbalmente e constante da gravação da plataforma "citius") o tribunal consignou que "para dar como provados e não provados estes factos o tribunal teve em atenção a prova, ou a falta de prova, produzida nestes autos, ou seja, a arguida não compareceu em audiência de julgamento [...] portanto não tendo sido ouvida em audiência a prova resultou do depoimento de uma testemunha, agente policial, que terá procedido à fiscalização e detenção da arguida em exercício de funções e que, desde o princípio até ao fim do seu depoimento, sendo um depoimento prestado de uma forma imparcial e séria, disse que não se lembrava da situação concreta dos autos, que tinha visto o auto inicialmente e que não se tinha lembrado da situação concreta, relatou em audiência o que leu no auto, não se lembrava de qualquer outra circunstância para além do que consta no auto [...] disse mesmo não ter a certeza de nada. E portanto [...] resulta que não pode o tribunal, apenas com este depoimento e com o auto considerar como provados os factos constantes da...

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