Acórdão nº 77909-16.0YIPRT.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução12 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: C... S.A. intentou procedimento de injunção contra C... Llc, com sede em ... Estados Unidos da América, para cobrança da quantia total de € 216.616,21, alegando como causa um “Contrato de Compra e Venda” e a existência de uma “Dívida referente ao incumprimento de contrato de compra e venda correspondente a factura nº C004985 com vencimento a 18 de Outubro de 2015, no montante de USD 232.000,00, correspondente a € 210.139,00, com juro de mora à taxa de 4% acima da taxa Euribor a 3 meses (-0.023%), no valor de € 6.324,21.” Notificada para pagar ou deduzir oposição no prazo de 15 dias, por carta registada com a/r, veio a R. ora recorrida, invocar a nulidade da sua citação e, no que ao caso importa, alegar a inaplicabilidade deste procedimento a entidades estrangeiras, por a natureza administrativa do mesmo e as regras de competência internacional e o princípio da territorialidade não permitir a utilização deste processo para obter a cobrança de dívidas de entidades não sedeadas em território nacional. Com data de 20.01.2017, pelo Balcão Nacional de Injunção, foi determinada a remessa do processo à distribuição com o seguinte fundamento: “A requerente apresentou a oposição arguindo a nulidade da notificação.

Apesar de não haver comprovativo da notificação da requerida, remeta-se a injunção à distribuição em harmonia com o artº 16º/1 e 2 do Anexo ao DL 269/98, de 1/9.” Remetidos os autos à distribuição, cumprido o contraditório quanto às nulidades e excepções invocadas, veio a ser proferido despacho nos seguintes termos: “ Da não admissibilidade no caso concreto do procedimento de injunção C... S A intentou procedimento de injunção contra C... Llc, com sede nos EUA.

Notificada veio a requerida invocar a não aplicabilidade do processo de injunção alegando para tanto que se está perante um processo de natureza administrativa, que visa a obtenção célere de um título executivo, a celeridade imposta implica que as garantias de defesa sejam bastante menores do que em outro processo judicial, tendo em consideração a natureza do procedimento em questão e as regras da competência internacional e o principio da territorialidade, o procedimento de injunção não pode ser utilizado para cobrança de dívidas de entidades não sedeadas em território nacional, essa é razão pela qual existe um processo europeu de injunção.

Respondeu a requerente dizendo que entre as situações em que pode ser recusado o requerimento de injunção não consta a situação de a requerida ter sede em país estrangeiro, o Citius permite que se demande uma entidade estrangeira.

O regime jurídico dos procedimentos para cumprimento de obrigações emergentes de contratos consta em anexo ao DL 269/98, de 01 de Setembro.

No referido regime não encontramos qualquer norma da qual decorra expressamente que o mesmo não é aplicável a entidades com sede no estrangeiro.

Podemos desde já dizer que, muito embora se desconheça o que consta do Citius, para o caso isso é irrelevante, porque bem pode tal sistema não estar em sintonia com a lei.

Por outro lado, o facto de, entre as situações em que pode ser recusado o requerimento de injunção, não constar a situação de o requerido ter sede em país estrangeiro, não permite, por si só, a conclusão de que o permite.

E existe um elemento que, cremos, afasta a possibilidade de intentar procedimentos de injunção contra entidades com sede no estrangeiro.

No caso de ser intentada uma acção comum contra uma entidade com sede no estrangeiro - e sem curar da questão da competência internacional dos tribunais portugueses - o art.º 239º do CPC ( e que era o art.º 247º do CPC revogado) dispõe que quando o réu resida no estrangeiro, observa-se o estipulado nos tratados e convenções internacionais.

Portugal e os EUA são parte da Convenção de Haia de 15 de Novembro de 1965 relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, como resulta de https://www.hcch.net/en/instruments/conventions/status-table/?cid=17.

A referida Convenção foi aprovada para ratificação pelo DL n.º 210/71, de 18 de maio.

Nos termos do art.º 8º n.º 2 da CRP as normas constantes de convenções internacionais regulamente ratificadas e aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.

No que respeita ao procedimento de injunção, dispõe o art.º 12º n.º 2 do respectivo regime, anexo ao DL 269/98, que à notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.os 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil.

Os números em referência respeitam ao CPC revogado, sendo actualmente os artigos 223º, 224º, 228º e 230º.

O referido procedimento não prevê a aplicação do disposto no art.º 247º do CPC revogado, actualmente o art.º 239º.

O Exm.º Conselheiro Salvador da Costa, in A injunção e Conexas Acção e Injunção, 4ª edição, pág. 202, considera, indirectamente, que o requerimento de injunção é aplicável a residentes no estrangeiro, na medida em que considera aplicável o disposto no art.º 247º do CPC.

Os procedimentos para cumprimento de obrigações emergentes de contratos constantes do DL 269/98 têm um regime especial – diríamos mesmo, no confronto com o regime constante do CPC – um regime especialíssimo.

Nem do DL 269/98, nem do Regime anexo, consta qualquer norma que mande aplicar o CPC nos casos omissos.

Não é aplicável o disposto no art.º 549º n.º 1 do CPC, o qual apenas rege para os processos especiais regulados no CPC.

O art.º 10º do CC só é aplicável quando existe uma verdadeira lacuna.

No caso, não se verifica a existência de uma lacuna.

Estamos, como referido, perante um regime especialíssimo.

Além disso, se o legislador pretendesse que fosse aplicável o requerimento de injunção a entidades com sede no estrangeiro, nenhuma razão havia para não considerar aplicável, também, o então art.º 247º do CPC, quando considerou aplicáveis os artigos 231.º e 232.º, n.os 2 a 5 do artigo 236.º e o artigo 237.º do Código de Processo Civil.

De referir que nos termos do disposto no art.º 9º n.º 3 do CC, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Destarte, o legislador ao não considerar, no regime do procedimento de injunção, aplicável o disposto no art.º 247º do CPC revogado, agora 239º, quis significar a intenção afastar a aplicabilidade do procedimento de injunção relativamente a entidades com sede no estrangeiro.

A esta intenção não será alheio o facto de numa acção comum, ao prazo para contestar (actualmente de 30 dias) acresce uma dilação de 30 dias quando o réu é citado no estrangeiro – art.º 245º n.º 3 do CPC.

Ora, nos termos do art.º 12º n.º 1 do regime anexo ao DL 269/98 o prazo para deduzir oposição é de 15 dias e, nos termos do disposto no art.º 4º do DL 269/98, não há lugar a qualquer dilação.

A respeito da dilação refere Lebre de Freitas, in CPC Anotado Volume, 1º, 3ª edição, anotação ao art.º 245º: A dilação visa garantir a possibilidade de defesa efectiva e plena em tempo útil, nos casos em que a distância geográfica entre o tribunal da acção e o local da citação, ou a modalidade desta, tornam – ou podem tornar – insuficiente o prazo peremptório. Trata-se de assegurar a integridade do prazo da contestação ( ou similar), tendo nomeadamente em conta que a recente generalização da citação postal e os novos mecanismos da citação com hora certa implicam a frequência muito maior da citação quase-pessoal “ A aplicação do regime em...

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