Acórdão nº 201/15.7T8CSC.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS OLIVEIRA
Data da Resolução17 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: O Banco ……, S.A., anteriormente denominado Banco ……, S.A., intentou a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra Ana Sofia ………., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de €17.878,29, acrescida de juros vencidos de €1.694,66 e vincendos, contados desde 17 de janeiro de 2015 até integral pagamento, à taxa anual de 13,784%, e de imposto de selo à taxa de 4% sobre os juros.

Para tanto alegou ter celebrado um contrato de crédito ao consumo com a R., destinado à aquisição pela mesma de veículo automóvel, nos termos do qual emprestou a esta €19.250,00, a pagar em 93 prestações mensais e sucessivas, sendo a primeira vencida em 10 de junho de 20111 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes. Como a R. não teria pago as prestações desde a 36.ª, vencida em 10 de maio de 2014, nem as restantes 58, todas no valor de €313,35, sendo a última de €225,02, a A. resolveu o contrato, comunicando-lhe a perda de benefício de prazo.

Citada a R. veio contestar não reconhecendo o crédito peticionado, invocando não ter celebrado o alegado contrato e que nunca teve o uso do veículo. Para mais, o mesmo veio a ser apreendido pelo Banco, que procedeu à sua venda por €10.189,18, não concordando assim com o valor do crédito e dos juros reclamados. Sem prejuízo, requereu a intervenção provocada de sua irmã que seria a pessoa que assumiu a responsabilidade pelo crédito em causa.

O A. veio deduzir oposição ao incidente de intervenção de terceiro, aproveitando para espontaneamente responder à contestação, admitindo que o veículo foi apreendido e vendido, tendo o valor assim obtido sido imputado aos juros e encargos, liquidando as prestações 14.ª a 35.ª, subsistindo o crédito tal como reclamado na petição inicial, pugnando assim e, em suma, pela improcedência das exceções alegadas.

Por despacho de fls 166 a 167, foi indeferido o incidente de intervenção provocada e, dispensando a realização de audiência prévia e a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova, saneou o processo, admitindo os meios de prova requeridos.

Finda a produção de prova, na sequência de audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença que condenou a R. no pedido.

Não se conformando com essa sentença, dela apelou a R., formulando no final as seguintes conclusões: 1.ª– A 2 de Maio de 2017 foi a ora recorrente notificada da douta sentença no âmbito do processo acima mencionado proferida julgar procedente a ação e em consequência condenar a Ré, ora recorrente, no pedido do Autor, da quantia de € 17.878,29 (dezassete mil oitocentos e setenta e oito euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento e de imposto de selo. Decisão com o qual a Ré não pode conformar-se.

  1. – O Tribunal a quo concluiu o seguinte: “Da conjugação das declarações de parte da R. com as da testemunha José M... F... e com regras de experiência comum, deu o Tribunal como assente ter sido a R. a assinar o contrato dos autos, já que não se afigura curial ter a R. assinado documentos importantes para a concessão de um crédito a sua irmã, sem que tivesse consciência do que estava a assinar.

  2. – Contudo, o Tribunal a quo não indica a parte das declarações da Autora ou a parte do testemunho em que baseou a sua decisão, para concluir no sentido que tenha sido a Autora a assinar o contrato.

  3. – O que se compreende, já que afinal nada do que foi dito pela Autora ou pela testemunha, por si arrolada, podia fazer o Tribunal concluir no sentido que fez.

  4. – Tal como compreende que o Tribunal a quo, não tivesse justificado a sua decisão em provas apresentadas pelo Autor, sujeito processual que tinha o ónus da prova, porque aquele simplesmente não logrou fazer qualquer prova que tivesse sido a Ré a assinar o contrato.

  5. – Limitou-se a juntar o contrato como prova documental, cuja perícia à letra veio inconclusiva! 7.ª– As testemunhas arroladas pelo Autor confirmaram que não estiveram presentes no ato da assinatura do contrato.

  6. – E que portanto não podiam comprovar se efetivamente tinha sido a Ré a assinar o contrato.

  7. – Por sua vez, a Ré em sede de declarações e em resposta às questões colocadas respondeu sob juramento, não ter celebrado com o Autor nenhum contrato de crédito, tão pouco para financiar a aquisição do veículo automóvel com a matrícula ... ...-... ...-... ....

  8. – Mais referiu ter assinado, a pedido da irmã, uma proposta de crédito simples, sem associação a veículo mas que presumiu que a proposta acabou por não prosseguir pois nenhuma documentação lhe foi solicitada.

  9. – Mais confirmou nunca ter estado nas instalações do Autor nem tão pouco conhecer o Sand Moto Power Car Comércio de Viaturas Lda. indicado no contrato, que o Autor juntou aos autos, como o fornecedor do veículo acima mencionado.

  10. – Também logrou provar nunca ter circulado com o veículo automóvel, que foi dado como facto assente.

  11. – E que só teve conhecimento que o veículo acima mencionado estava no seu nome quando o seu companheiro em conversa com um promotor de seguros estranhou que ele tivesse dito que a Ré agora tinha um “grande carro”; 14.ª– Onde se veio a saber que o seguro estava no nome da irmã da Ré e que era aquela que circulava com o veículo.

  12. – Face ao supra exposto não se concebe com que fundamentos o Tribunal conclui que a Ré assinou o contrato, quando a Autora não logrou provar nada nesse sentido.

  13. – Por sua vez, o Tribunal a quo entendeu por bem condenar a Ré também no pagamento de juros remuneratórios associados às prestações vencidas e não pagas ao abrigo do contrato de mútuo: “Relativamente à exigência de juros remuneratórios, tendo as partes acordado nos mesmos, e não existindo qualquer nulidade em tal convenção, entende-se assistir razão ao A., assim se indeferindo a exceção deduzida.” 17.ª– O que, salvo melhor entendimento se discorda.

  14. – Na verdade, tem sido entendimento que o 781.º CC aplica-se apenas ao capital, e sendo os juros remuneratórios uma obrigação duradoura que se vence pelo decurso de tempo e se ainda não venceu, não se constitui, e por isso não pode ser exigida.

  15. – Assim, pugna-se que a Ré a ser condenada, apenas devia tê-lo sido no valor correspondentes às prestações vencidas e não pagas até à resolução do contrato e após essa resolução ter operado, apenas no capital das prestações vincendas.

  16. – Ora a resolução do contrato ocorreu em 10.05.2014.

  17. – Sucede que o Autor, peticionou que fossem pagas todos os juros remuneratórios previstos no contrato, incluindo o das prestações vincendas que nem se chegaram a vencer, já que com a resolução do contrato, o que se venceu foi todo o capital em dívida aquela data.

  18. – Assim não pode proceder quando o Autor peticiona a quantia de €17.878,29, porquanto nesse valor estão contabilizados juros remuneratórios sobre prestações que não se chegaram a vencer pois o contrato já estava resolvido.

Em conformidade, concluiu dever ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença e substituindo-a por outra que absolva a Ré do pedido, ou caso assim não entenda, que absolva a Ré do valor peticionado a título de juros remuneratórios.

Por seu turno, o R. apresentou contra-alegações concluindo que a sentença recorrida não viola quaisquer disposições legais, devendo, portanto, improceder inteiramente as conclusões formuladas nas alegações de recurso da Ré e ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

II–QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geral, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são as seguintes: a) Saber se não deve ser julgado por provado que a R. assinou o contrato dos autos; b) Saber se não podem ser contabilizados juros remuneratórios na convenção que estabelece o vencimento antecipado das prestações vincendas, por semelhança ao estabelecido no Art. 781º do C.C..

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade: 1.– O A., no exercício da sua atividade comercial, concedeu à R., por contrato de mútuo datado de 27 de Abril de 2011 e com destino, segundo informação então prestada pela R., à aquisição de um veículo automóvel de marca ……., modelo …….. 2.0 CRD SXT, com a matrícula …...-…...-…..., a quantia de €19.250,00, com juros à taxa nominal inicial de 10,863% ao ano, indexada à Euribor a 90 dias, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 96 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10 de Junho de 2011 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes, sem prejuízo de o número de prestações poder ser superior ou inferior em função do acréscimo ou decréscimo da taxa de juro inicialmente acordada em função da variação da taxa Euribor; 2.– De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga - conforme ordem irrevogável logo dada pela R. para o seu Banco - mediante transferências bancárias...

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