Acórdão nº 966/13.0TAOER.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução17 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: 1.-Nos presentes autos de processo comum e sob acusação do MP, a arguida I. foi submetida julgamento, perante tribunal singular, na Secção Criminal (J3) da Instância Local de Oeiras, Comarca de Lisboa Oeste, tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo (transcrição, na parte relevante): «… o Tribunal julga procedente a acusação proferida pelo Ministério Público contra a arguida I.e, em consequência A)-Condena a mesma pela prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 7.°, n.° 1, 107.°, n.° 1, em conjugação com o art° 105.°, todos do RGIT, aprovado pela Lei n° 15/2001 de 5 de Junho, , na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 5 (cinco euros); B)-Condena a mesma pela prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 7.°, n.° 1, 107.°, n.° 1, em conjugação com o art° 105.°, todos do RGIT, aprovado pela Lei n° 15/2001 de 5 de Junho, , na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 5 (cinco euros); C)-Nos termos do disposto no art° 77°, n° 1 do CPenal, operado o cúmulo jurídico das penas a que se alude em A) e B) vai a arguida condenada na pena única de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 1 750 (mil setecentos e cinquenta euros); D)-Julga parcialmente procedente, por apenas parcialmente provado o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante Instituto de Segurança Social, IP e, em consequência, condena a arguida/demandada I.no pagamento da quantia de € 107 154,83 (cento e sete mil, cento e cinquenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização civil e até efectivo e integral cumprimento absolvendo-a do demais peticionado.

Mais se condena a arguida no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC - art°s 374° e 513.°, todos do CPPenal.

Custas do pedido de indemnização civil a suportar pela arguida/demandada e pelo ISS,IP na proporção do respectivo decaimento nos termos do disposto nos art°s 527°, n°s 1 e 2 do CPC aplicável ex vi do art° 523°, este último do CPPenal.» 2.-Inconformado com o assim decidido, recorreu o Instituto de Segurança Social para esta Relação, formulando as seguintes conclusões: 1-O Tribunal" a quo " parece entender que, por a mora ser resultante de um facto ilícito a taxa de juros aplicável é a legal (prevista no Código Civil, em conjugação com o Dec. Lei n.° 262/83, de 16 de junho e Portaria n.° 291/2003, de 08 de abril) e não a prevista no art. 16° do D/L n° 411/91, de 17/10 (que remete para a taxa de juros de mora por dívidas ao Estado).

2-Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida, entendemos que o Tribunal" a quo " fez uma errada interpretação da lei substantiva e processual aplicável ao caso em apreço.

3-Na verdade, é consabido que a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a inequívoca intenção do legislador (cf. artigo 7. °, n.° 3 do Código Civil), e a Segurança Social beneficia de legislação especial, sendo aplicável ao caso sub judicie, o n.° 1 do artigo 16° do Decreto Lei n°411/91, de 17 de outubro, e o n.° 1 do artigo 3o do Decreto Lei n.° 73/99, de 16 de março.

4-O citado Dec. Lei n.° 73/99, regula em geral os regimes dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, qualquer que seja a natureza dessas dívidas, e existindo lei especial, não pode a mesma ser derrogada pela Lei Geral, designadamente pelo Código Civil e Portarias que fixam as taxas de juros previstas naquele Diploma Legal.

5-De resto, a alínea c) do art.

0 3.° do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de junho, expressamente estipula que se aplicam subsidiariamente (às infrações fiscais não aduaneiras), quanto à responsabilidade civil, "as disposições do Código Civil e legislação complementar", sendo precisamente essa legislação complementar que tem aqui aplicabilidade como, de resto, foi intenção inequívoca do legislador (cf. exórdio do DL n.° 73/99).

6-Deste modo, ao pedido de indemnização civil deduzido pela segurança social, em processo comum fundado na prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, aplica-se, a taxa de juros de mora de 1% ao mês, aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fração, se o pagamento se fizer posteriormente ao mês a que respeitarem as contribuições, nos termos do art. 3.°, n.° 1, do Dec. Lei n.° 73/99, de 16 de março.

7-Acresce que, no caso de danos, resultantes da prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, por força das disposições próprias que constituem normas especiais que afastam a regra geral estabelecida no art.° 806.° n.° 1 do CC, o devedor demandado entra em mora a partir do 15.° dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito, e em consequência desse facto estamos perante obrigações com prazo certo.

8-Importa sublinhar que, nos termos das alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 805.° do CC, se a obrigação tiver prazo certo e se a obrigação provier de facto ilícito, há mora do devedor independentemente de interpelação. E recorde-se que a condenação no pedido civil assentou na responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, ou delitual, com consagração expressa no artigo 483.° do Código Civil.

9-Ou seja, decorre diretamente da lei o momento a partir do qual existe mora do devedor, isto é, a partir do 15.° dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito, pelo que estamos em face de obrigações de prazo certo.

10-E o prazo de contagem dos juros de mora, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 806.° do CC; artigo 5.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 103/80, de 9 de maio, conjugado com o artigo 16.° do Decreto-lei n.° 411/91, de 17 de outubro; artigo 10.°, n.° 2 do Decreto-lei n.° 199/99, de 8 de junho, que revogou o Decreto-lei n.° 140-D/86, de 14 de junho, deverá reportar-se ao 15° dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito.

11-No caso do pedido de indemnização cível formulado pelo Demandante subjaz uma obrigação legal (a obrigação jurídica contributiva), que nasce no ato de pagamento de salários, e de cujo incumprimento resultará a violação ilícita do direito das Instituições da Segurança Social receberem, nos prazos fixados por lei, os respetivos montantes descontados nos salários dos trabalhadores.

12-No caso sub judice temos dois regimes aplicáveis à taxa de juros: a regra geral e a especial, prevista no D/L n° 73/99, aplicável às dívidas ao Estado e, por força do disposto no art. 16° do D/L n° 411/91, às dívidas ao demandante.

13-A matéria relativa aos juros não é subsumível ao n.° 3 do art. 805.° do CC, uma vez que este preceito regula as situações de responsabilidade por facto ilícito se o crédito for...

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