Acórdão nº 22455/16.1T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelCELINA N
Data da Resolução22 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: AAA, devidamente identificada nos autos, intentou contra BBB, a presente acção sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe diversas quantias que ascendem, à data da propositura da acção, ao valor dado de 381.838,76 €.

Invocou como fundamentos a existência de um contrato de trabalho em que presta a actividade de professora para a Ré e a existência de créditos laborais vencidos e não pagos, bem como danos não patrimoniais.

A Ré contestou, pedindo a sua absolvição do pedido e a condenação da Autora como litigante de má fé em €10.000,00 de indemnização. Mais invocou a sua qualidade de Instituição particular de Solidariedade Social e que se encontra, a seu ver, subjectivamente isenta do pagamento de custas judiciais.

O Tribunal a quo proferiu, então, o seguinte despacho (na parte que releva): "III–Isenção de Custas (Ré) A presente acção versa sobre diferenças salariais e sobre danos morais no âmbito de um contrato de trabalho alegadamente existente entre a Autora e a Ré, e sobre pretensão daquela de que esta lhe pague as reclamadas diferenças salariais e uma indemnização por danos morais.

A Ré tem como fins estatutários aqueles que constam de fls. 687 a 703 dos autos (art. 4º do Estatutos).

Nos termos da alínea f) do nº 1 do art. 4º do R.C.Processuais, estão isentas de pagamento de custas «As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável». Esta isenção não é geral, tendo sim um carácter condicionado: a pessoa colectiva privada sem fins lucrativos tem que estar a actuar em juízo exclusivamente no âmbito das suas atribuições ou para defender os interesses conferidos por estatuto ou por lei.

Ora, o objecto da presente acção não consubstancia uma actuação exclusiva da Ré no âmbito de qualquer dos supra referidos seus fins e interesses estatutários tal como não consubstancia uma actuação exclusiva de defesa desses interesses: o objecto da presente acção versa sobre um litígio relativamente a um contrato de trabalho que a Ré celebrou como qualquer outra pessoa jurídica celebra, não estando a celebração deste contrato directa e exclusivamente com o âmbito daquilo que são as suas específicas funções e atribuições legais como «pessoa colectiva». É evidentemente que, a final, toda a actividade da Ré terá (ou, pelo menos, deverá) estar relacionada com as suas funções e atribuições, mas entender-se que este litígio contratual se insere no «âmbito exclusivo das suas especiais atribuições» é, pura e simplesmente, deixar sem qualquer conteúdo toda a 2ª parte do referido preceito legal (o Legislador deveria então ter consagrado apenas o seguinte texto legal: estão isentas de pagamento de custas «As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos»).

Por conseguinte, em nosso entender, não estando a Ré a litigar no âmbito das suas especiais atribuições ou a defender especiais interesses estatutários, a presente acção não se insere no âmbito da previsão do art. 4º/1f) do R.C.Processuais.

Foi também este o entendimento sufragado pelo Ac. da RC de 13/12/2011, «A isenção mencionada no artº 4º/1 – f) do RCJ (Regulamento das Custas Judiciais) não abrange as acções interpostas contra instituições particulares de solidariedade social em que estas defendam interesses conexos com relação laboral estabelecida com uma trabalhadora. Não cabem na previsão normativa em causa as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas entidades celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições».

Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações, indefere-se a pretensão da Ré no sentido de lhe ser reconhecida o direito à isenção de custas e, consequentemente, determina-se a sua notificação para, no prazo de 5 dias, comprovar nos autos o pagamento da respectiva taxa de justiça, sob pena de, não o fazendo, serem-lhe aplicadas as respectivas consequências legais".

Inconformada, a Ré interpôs apelação deste despacho, com subida imediata e em separado, em que conclui: I.-A Recorrente é uma Instituição Particular de Solidariedade Social de cujos estatutos resulta que a fundação, manutenção e direção de Jardins Escolas e da Escola Superior de Educação João de Deus constituem alguns dos seus objetivos principais, das suas especiais atribuições.

II.-Nos presentes autos a Recorrente atua no âmbito das suas especiais atribuições e para defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, designadamente a manutenção da Escola Superior de Educação João de Deus.

III.-Estando, assim, claramente enquadrada no normativo ínsito no art. 4º, nº 1, al. f), do RCP, pelo que se impõe a isenção de pagamento de custas judiciais.

IV.-Ao decidir como decidiu, o douto despacho recorrido errou na interpretação e na aplicação das competentes normas legais, designadamente, violando o disposto no artigo 4º, nº 1, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

V.-Como facilmente se depreende, não é possível à R. realizar esta sua especial atribuição de manutenção da Escola Superior de Educação João de Deus sem contratar professores, como sucedeu em relação à A., que havia sido contratada no âmbito das referidas actividades principais da Recorrente e, por isso, no âmbito das suas específicas atribuições, assim se preenchendo a norma constante do art. 4º, nº 1, alª f) do RCP.

VI.-Tudo o que respeite aos seus recursos humanos qualificados, sejam eles professores, educadores ou outros, não pode ser considerado como meros aspetos de organização interna passíveis de exclusão da referida isenção subjetiva, mas antes como instrumentos indispensáveis para se atingirem as referidas atribuições especiais da Recorrente.

VII.-A Recorrente não tem qualquer forma de realizar os seus fins estatutários sem contratar professores e educadores, enquanto conditio sine qua non da sua obrigação de fundar, dirigir e manter em funcionamento a Escola Superior de Educação e os Jardins Escolas, nos termos injuntivamente fixados nos seus estatutos.

VIII.-Se o entendimento do douto despacho sub judice merecer provimento, esta alínea f) do nº 1 do art. 4º do RCP, pura e simplesmente, fica sem qualquer conteúdo pois, se a R. não beneficiar de isenção do pagamento de custas neste tipo de ações, não se vê quais as ações em que atue "exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto", e possa usufruir deste benefício.

IX.-A interpretação operada pelo despacho sub judice do art.º 4º, nº 1, al. f), do RCP está em violação manifesta do art.º 63º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, sendo inconstitucionalmente restritiva e ilegítima, porquanto recusa o preceituado apoio do Estado no âmbito da prossecução de finalidades que a própria CRP elege.

X.-Estão verificados os requisitos para a aplicação da isenção de custas prevista no referido artigo 4º, nº 1, al. f), do RCP, pois é manifesto que a Recorrente atua exclusivamente no âmbito das suas especiais...

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