Acórdão nº 746/17.4T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEREIRA
Data da Resolução06 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. –Relatório: 1.1.

    – AAA, Lda veio recorrer para esta Relação da decisão que tendo confirmado a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) a condenou numa coima no valor de 100 UC’s, com fundamento na violação das seguintes normas: art.º 5.º, nº 3 da Portaria nº 987/93, de 6 de Outubro, aplicável por força do art.º 6.º do DL 347/93 de 1 de Outubro, na redacção conferida pelo art.º 8º da Lei 113/99, de 3 de Agosto, na medida em que tinha um extintor de combate a incêndio colocado no pavimento e obstruído por diversos materiais.

    Concluiu o seu recurso do seguinte modo: 1.– A decisão aqui posta em crise, na nossa humilde opinião, falha redondamente quer na apreciação da matéria de facto, quer na apreciação da matéria de direito.

  2. – Do processo contraordenacional movido contra a aqui recorrente, não resulta quaisquer factos provados que integrem o tipo de ilícito de que vem acusada (também este obscuro) e que justifiquem a aplicação de uma qualquer coima, e muito menos no valor que lhe vem a ser exigido.

  3. – O objeto da ação que deu origem à sentença recorrida, prende-se diretamente com a aplicação à aqui recorrente, no pagamento de 100 UC´S, pela violação do disposto no art. 5º, n. º 3 da Portaria n.º 987/93, de 6 de outubro, aplicável por força do art. 6º do DL n.º 347/93 de 1 de outubro.

  4. – Tal decisão foi objeto de impugnação judicial por parte da recorrente, onde alegou, considerando a sede a própria, a nulidade do auto, por não descrever os factos constitutivos da infração e as circunstancias em que esta foi cometida, não indicar sequer a norma concreta que se viu violada, isto é a especificação técnica não cumprida, e ainda por ser omisso, quanto ao elemento subjetivo do tipo, violando-se o direito de defesa da arguida pelo menos em dois momentos.

  5. – Por mero dever de patrocínio, impugnou-se ainda todo o vertido na decisão administrativa, deu-se a conhecer a situação económico-deficitária da arguida- tudo como melhor se alcança da impugnação judicial junta aos autos.

  6. – Procedeu-se à audiência de julgamento no dia 17 de março de 2017, e na data de 20 de março de 2017, foi a arguida notificada de sentença que julgou improcedente a referida impugnação e manteve na integra a decisão administrativa e a coima aplicada.

  7. – Ora, a Recorrente não se pode conformar com a sentença proferida pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, conforme já avançou, pelo que dela interpõe o presente recurso.

  8. – Quanto ao âmbito do presente recurso, a segunda instância tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando excluída, por regra, a sua intervenção em sede de matéria de facto, ficando no entanto ressalvada a eventual verificação de qualquer dos vícios enumerados no art. 410º/2 e 3 do CPP.

  9. – Mais, estando em causa uma sentença proferida em processo de contraordenação, são-lhe ainda aplicáveis os requisitos constantes do art.º 374º, nº 2, do CPP, por força do disposto no art.º 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.

  10. – Ora, da descrição fática do auto, nada se retira para além de que da visita inspetiva resultaram detetadas irregularidades do ponto de vista da segurança no trabalho que foram objeto de notificação para a tomada de medidas e que as ditas situações anómalas não se viram corrigidas (mesmo que não se mencione em momento algum quais as medidas a tomar e havendo alegadamente uma preocupação séria com a segurança dos trabalhadores!) 11.– Consta do auto que dentro das irregularidades, contava-se a existência de um extintor “colocado no pavimento da arrecadação/armazém e com acesso obstruído por diversos materiais”. Ora, dizer isto é formular uma conclusão abstrata, onde cabe um sem número de condutas concretas e impedir o exercício de um efetivo direito de defesa da arguida, ficando esta sem saber o que fez e de que forma violou as nomas de Higiene e Segurança no Trabalho.

  11. – Mais, a indicação da norma segundo a qual foi autuada, contendo uma previsão legal geral, nada elucida dos factos ilícitos cometidos.

  12. – Aliás, como se depreende da norma, existe legislação específica reguladora dos meios de combate a incêndio, que deveria ter sido em todo o caso invocada para tipificar um qualquer ilícito, pois o arguido só será colocado na possibilidade de exercer cabalmente o direito de audição e defesa quando a autoridade administrativa lhe comunicar com clareza suficiente todas as circunstancias de tempo, modo e lugar da prática dos factos, as normas que tipificam a infração cometida e as sanções em que incorre.

  13. – De facto, os conceitos “perfeito estado de funcionamento” e “locais acessíveis”, necessitam de preenchimento objetivo e a norma trata de o fazer, remetendo para legislação específica, que não foi sequer em momento algum levada à discussão da matéria em causa.

  14. – Acresce que na comunicação prévia da imputação destinada a assegurar a defesa da arguida, a entidade administrativa não forneceu à arguida os elementos subjetivos do tipo de infração de que vinha acusada e é inegável que é relevante para a defesa conhecer os pressupostos da punição e sua intensidade.

  15. – O tribunal a quo julgou que “(…) a decisão administrativa é de facto parca na descrição dos factos, mas estes são efetivamente poucos, claros e simples (…) não há qualquer nulidade, nem qualquer conclusão generalista, nem tão pouco qualquer limitação do direito de defesa da arguida (…) Não é por ter uma empresa a quem paga para lhe assegurar que o cumprimento das normas é efetuado que tal obsta à prática da contraordenação (…) Ao receber três visitas do ACT e nada fazer, para regularizar a situação, está ela mesmo, e não a empresa de segurança, a ter uma negligência tão elevada, um descuido tão grave que não poderia ter outro desfecho que não a presente acção. E assim sendo, o elemento subjectivo da prática do tipo de ilícito contra-ordenacional é uma evidência em si mesma, e o mesmo se deu por assente” 17.– Ora, é inevitável o reparo à decisão proferida! Em processo de contraordenação o conteúdo da decisão condenatória da autoridade administrativa deve ser elaborado em conformidade com as regras do art.º 25º, nº 1, da aludida Lei nº 107/2009, dela devendo constar, para além do mais, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, e bem assim a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão.

  16. – E com o devido respeito diga-se que in casu a descrição dos factos é inexistente, tal como a indicação da prova obtida e a indicação das normas segundo as quais se pune, uma vez que existe legislação específica relativa aos meios de combate a incêndio e esta não foi sequer invocada para tipificar a infração para dar a conhecer ao arguido o que de facto teve de ilícito a sua conduta.

  17. – Quanto à omissão do elemento subjetivo, dita o Acórdão do STJ de 28.11.2002 (publicado in Acs Dout. do STA, 498, 1020) que “o auto de notícia, que anuncia a imputação ao arguido de um tipo de infracção, seguido de uma descrição meramente objectiva dos factos que pretensamente constituiriam a contra - ordenação, sendo absolutamente omisso quanto aos elementos subjectivos do infracção padece do vício de nulidade sanável nos termos do artigo 283º, nº 3, do CPP e art.º 41º, nº 1 do RGCO. O arguido fica prejudicado no seu direito de defesa se desconhecer esses factos, pois ficou impossibilitado de exercer, de forma plena e eficaz, aquele direito, relativamente a questões de importância fulcral, designadamente a culpa e o seu grau” Acresce que o auto de notícia apenas pode fazer fé exactamente dos factos que dele constam. Não se pode dele extrair mais factos. Se do mesmo não constarem a descrição do elemento subjectivo, também daquele não se pode retirar.

  18. – Assim, o direito de defesa da arguida viu-se violado pelo menos em dois momentos, pelo que deveria o Digníssimo tribunal a quo ter-se decidido pela nulidade do auto e da decisão administrativa em que este se fundou.

  19. – Mais, da simples leitura da sentença, verifica-se que a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo não descreve, em...

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