Acórdão nº 2.633/15.1TDLSB.L2-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução28 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


* Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Na 1ª Secção de Instrução Criminal de Lisboa, por despacho de 21/02/2017, constante de fls. 291294, decidiu-se não pronunciar o Arg.

[1] …, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 120[3]), nos seguintes termos: “… Nos presentes autos os assistentes Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais, … e …, deduziram acusação particular crimes de difamação e injúrias agravados, p.p. nos arts. 180.° n° 1 e 181.° n° 1 do C. Penal contra o arguido M..., não acompanhada pelo Ministério Público.

Por sua vez, o arguido incoformado com tal acusação requereu a abertura de instrução, alegando que as afirmações que proferiu e constam da acusação particular não integram a prática dos crimes supra referidos, limitando-se a meras críticas à actuação dos assistentes em defesa da actividade profissional de bombeiro e associação que o arguido representava.

Tal actuação enquadra-se no direito do arguido à liberdade de expressão e não tem relevância penal.

Pelo exposto, requerer o arguido que seja proferido despacho de não pronuncia.

Procedeu-se ao interrogatório do arguido.

Realizou-se Debate Instrutório com obediência ao legal formalismo. * O Tribunal é competente e o processo o próprio.

Não existem nulidades ou questões prévias que obstando ao conhecimento do mérito da causa, cumpra conhecer. * Atento o preceituado no art° 308.° n° 1 do Cód.Proc.Penal há que apurar se dos autos resultam indícios suficientes de se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena, sendo certo que só se mostram suficientes e prova bastante quando, em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, num juízo de prognose sobre a prova a produzir em julgamento.

Mostra-se, assim, necessário aferir se dos autos resultam indícios suficientes de se verificarem os pressupostos de facto que determinam a aplicação ao arguido de uma pena pela prática dos crimes de difamação e injúrias.

Em termos fácticos tem relevância para a apreciação da prática dos crimes em apreço, essencialmente a prova documental que consta de fls. 18, 20, 21, 22, 23, 26, 31, 33 e 34, onde o arguido tece várias considerações e comentários sobre a actuação dos assistentes em defesa da actividade profissional de bombeiro, designadamente referindo-se ao assistente Sérgio Carvalho como uma pessoa que não é fiável e reportando-se ao assistente Fernando Curto, declara " fala claro, mixa direito, não sejas parvo ".

Dado que as expressões em causa não foram proferidas perante os assistentes mas perante terceiros na internet, não poderemos em caso algum estar perante o crime de injúrias mas tão só perante o crime de difamação, p.p. no art. 180.° n° 1 do C. Penal.

Analisando tais considerações e afirmações do arguido sobre os assistentes … e … à luz do disposto nos arts. 180.° do C. Penal, apesar de estas serem rudes e desagradáveis, por força do princípio da intervenção mínima do Direito Penal, necessário é concluir tal como já referido pelo Ministério Público que as mesmas não integram ilícito penal, encontrando-se ainda no âmbito do exercício socialmente tolerável da liberdade de expressão.

No âmbito do ilícito em causa, tem sido entendio que " é próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc. que provocam animosidade. Uma pessoa que se sente prejudicada por outra, por exemplo, pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o Direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função" - cfr. Ac. da RP de 19.1.2005, in dgsi.pt.

"Se bem que ninguém goste que lhe verberem comportamentos, atitudes ou mesmo simples intenções, ou fustigue a sua personalidade ou carácter, sobretudo quando feito de forma desabrida e cáustica, o incómodo dai resultante e susceptibilidade do visado não bastam para que se considere desde logo atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa se tenha como socialmente realizada. "1 Na verdade, no caso vertente as expressões utilizadas pelo arguido são algo desagradáveis mas como o próprio referiu em interrogatório judicial, as mesmas tinham um contexto, que era a defesa do que na perspectiva do arguido, eram os interesses de uma classe profissional onde todos se integravam.

As expressões em causa, nesse contexto e na conflitualidade que no mesmo se gerou entre assistentes e arguido, embora rudes e acintosas não atingem núcleo do que em termos gerais na sociedade actual se entende pela honra e consideração dos assistentes.

Entende-se assim que o arguido agiu de forma mais desabrida e incomoda para com os assistentes. Porém, a conduta documentada nos autos não é suficiente para integrar os elementos típicos objectivos do crime de difamação.

Considera-se pois que as expressões descritas nos arts. 7.° a 17.° da acusação particular, não têm a virtualidade de atingir a honra e a consideração dos assistentes, com a intensidade indispensável para fazer actuar o Direito Penal.

Pelo exposto, decido não Pronunciar o arguido … pela prática dos crimes de difamação e injúrias que lhe eram imputados pelos assistentes.

Custas da instrução a cargo dos assistentes, fixando-se a taxa de justiça devida pela instrução em 2 UCs.

…”.

* Não se conformando, o …, id. na procuração de fls. 10, interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 304/316, com as seguintes conclusões: “… 1. Foi apresentada queixa-crime pelos Recorrentes contra o Recorrido por crimes de injúrias, difamação e ofensas a pessoa coletiva.

  1. O M.P. proferiu Despacho de Arquivamento relativamente ao crime de ofensa a pessoa coletiva e relativamente aos demais notificou o assistente para dedução da Acusação Particular.

  2. O Arguido do Despacho de Acusação Particular requereu a abertura de Instrução que culminou num Despacho de não pronúncia.

  3. Em síntese consta do Despacho de não pronuncia que as declarações proferidas pelo arguido se encontrariam abrangidas pela liberdade de expressão.

  4. No teor do Despacho de não pronúncia omitiu a Meritíssima Juíza de Instrução o conteúdo de todas as expressões proferidas pelo arguido.

  5. Mais ignorou a Meritíssima Juíza do Tribunal de Instrução o facto de o arguido ter referido que até concebia o facto dos assistentes não terem alcançado que o Acordo de empresa poderia ser prejudicial para os trabalhadores, mas mesmo assim não deixou o arguido de proferir tais expressões.

  6. Decorre do Artº 25º e 26º da Constituição da República que toda a pessoa goza do direito à integridade moral e física e ao bom nome e reputação.

  7. O Direito à liberdade de expressão é um pilar essencial do Estado de Direito Democrático, no entanto, tal direito não pode ser exercido com ofensa de outros direitos, designadamente o direito ao bom nome e reputação.

  8. As expressões proferidas pelo arguido nada têm a ver com um combate político e não veiculam qualquer pensamento ou mesmo facto político ou de natureza política.

  9. De facto os artigos 180º, nº 1 e 2, interpretados e aplicados no sentido da decisão recorrida, ou seja, de que é permitido a um cidadão imputar a outro cidadão factos ou juízos ofensivos da sua honra, sem que tal conduta seja considerada crime pelo...

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