Acórdão nº 449-11.1TYLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelANABELA CALAFATE
Data da Resolução28 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: A... instaurou acção declarativa comum contra I... SA, pedindo: a)-que se declare a nulidade, nos termos do art. 56º nº 1 al. d) do Código das Sociedades Comerciais, das deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 18/02/2014, no âmbito da qual o Requerente viu serem-lhe amortizadas as acções de que era titular na Ré; b)-que, caso assim não se entenda, se julgue anulável, nos termos do art. 58º nº 1 al. a) do Código das Sociedades Comerciais, as deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 18/02/2014, no âmbito no âmbito da qual o Requerente viu serem-lhe amortizadas as acções de que era titular na Ré; ou c)-que se julgue anulável, nos termos do art. 58º nº 1 al. c) e nº 4 al. b) ex vi art. 289º nº 1 al. a), b) e c) e nº 3 do Código das Sociedades Comerciais, as deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 18/02/2014, no âmbito no âmbito da qual o Autor viu serem-lhe amortizadas as acções de que era titular na Ré.

Alegou, em síntese: –a amortização das acções de que era titular teve como fundamento o facto de ter efectuado, entre 25/09/2013 r 09/10/2013, levantamentos que perfizeram 6.000 €, com o cartão de crédito que lhe foi atribuído pela administração da R., –e que alegadamente estava condicionado ao pagamento de despesas de representação e deslocação por motivos profissionais, ao serviço da R.; –o A. foi inicialmente gerente e depois administrador da R., tendo-se aposentado em 31/08/2011 e cessado as funções de administrador em 2011 e 2012; –mas continuou a prestar colaboração na R., sem receber qualquer retribuição ou contrapartida a não ser o pagamento esporádico de combustível para a sua viatura; –o A. estava autorizado a utilizar o cartão de crédito até ao limite imposto pelo plafond, tendo a administração da R. conhecimento e autorizado os referidos levantamentos; –assim, a R. continuou a disponibilizar-lhe cartão de crédito, até 16/10/2013, data em que o A. decidiu retirar os seus bens pessoais do gabinete que usava na sede da R.; –o A. e o seu agregado familiar sobrevivem da reforma do primeiro; –foram três as tentativas de realização da assembleia geral extraordinária onde foram aprovadas as deliberações objecto destes autos, tendo o A. estado sempre representado; –as informações preparatórias da assembleia geral extraordinária aqui em questão não foram disponibilizadas ao A. nos termos, prazos e modo legalmente exigíveis, nem nos termos por este solicitados, nem com indicação na convocatória para a mesma ou em comunicação posterior que tal informação estava disponível na sede da R., mas apenas no dia em que foi realizada a assembleia.

A R. contestou pugnando pela improcedência da acção, invocando, em resumo: –o A. apropriou-se ilegitimamente do património da R. e foi esse facto que levou à deliberação de amortização da suas acções; –o A. continuou, após a sua reforma, com a complacência da administração da R., a utilizar o cartão de crédito, que tinha um plafond mensal de 5.000 €, para fazer face a despesas de representação da R. e que sempre foram justificadas por ele através de facturas/recibos até meados de Setembro de 2013, como era prática desde que que lhe fora atribuído o cartão em 2001; –aquele plafond de 5.000 € destinava-se apenas a permitir uma utilização responsável do cartão para despesas de representação; –inesperadamente, entre 25/09/2014 e 09/10/2014, o A. fez 30 levantamentos em dinheiro com o cartão de crédito, num total de 6.000 € sem qualquer motivo justificativo; –a utilização abusiva do cartão e crédito quebrou o vínculo de confiança e o propósito único da amortização das acções do A. foi retirar-lhe a qualidade de sócio por motivos que se podem reconduzir a uma grave infidelidade quebra de confiança; –foi cumprido o dever de informação previsto no art. 289º do CSC, tendo estado disponível toda a informação preparatória para consulta na sede da R.; –o A. recusou assinar avales necessários para a renegociação de financiamentos obtidos junto de Bancos e que eram necessários para reestruturar os empréstimos já existentes e bem conhecia, tendo dificultado seriamente a realização dos fins sociais; –as deliberações impugnadas são válidas e eficazes.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Inconformado, apelou ou A., terminando a alegação com as seguintes conclusões: a)–Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. , que julgou totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolveu a Ré I... S.A., ora Recorrida, do pedido contra si formulado.

b)–São fundamentos do presente recurso de apelação erros no julgamento da matéria de facto, a saber, pontos 11., 12. e 25. dos factos provados e alínea a) dos factos não provados e a violação de diversas normas jurídicas, nomeadamente os artigos 58.º n.º 1 alínea c) e n.º 4 alínea b) e artigo 289.º n.º 1 e n.º 3 alínea a), levados a cabo pelo Tribunal a quo na sentença ora em crise.

c)–Atenta a prova realizada em sede de audiência de discussão e julgamento, dúvidas não subsistem de que andou mal o Tribunal a quo na sentença ora em crise, na medida em que deveria ter julgado não provados os factos constantes nos pontos 11 e 12 desta última e, como provado, o único facto aí julgado como não provado e identificado com a alínea a).

d)–Esta conclusão decorre em primeiro lugar do documento junto ao processo pelo Autor, com o requerimento datado de 27 de Julho de 2016 (extratos do cartão de crédito n.º 2794944, referentes aos anos 2007 a 2013, utilizado pelo Administrador da Recorrida J...) que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, demonstra que os cartões de crédito disponibilizados pela Recorrida, nomeadamente o do Recorrente, não se destinavam unicamente ao pagamento de despesas de representação.

e)–O referido extrato demonstra que o cartão em questão era utilizado não só para despesas de representação na sequência de contatos com clientes ou com potenciais clientes, mas também e digamos sobretudo, para despesas pessoais.

f)–A similitude das regras de utilização destes cartões – do Recorrente e do legal representante da Recorrida-, decorreu do depoimento da testemunha C...

g)–O próprio Tribunal a quo reconhece na sua sentença não se poderem tratar de despesas de representação, de âmbito profissional.

h)–Reforça o acima referido as declarações de parte levadas a cabo pelo Legal representante da Recorrida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente as vertidas no intervalo de tempo da gravação entre o minuto 36:08 a 50:55.

i)–Face ao teor das declarações de parte aqui em questão e ao ouvi-las, é perceptível que não podem estas ser aptas a provar que tipo de utilização poderia ser dada ao cartão do Recorrente e até que valor.

j)–O legal representante da Recorrida foi contraditório nas suas declarações, referindo primeiro que em momento algum os cartões se destinavam a despesas pessoais e posteriormente, com manifesta falta de rigor, quando confrontado com um documento que o surpreendeu e como que por milagre, se lembrou que pelo menos durante um determinado período de tempo era possível utilizar o cartão para o efeito.

k)–Mais, o legal representante da Recorrida, acabou por faltar à verdade nas declarações que prestou, quando referiu que só até 2010 foi permitida a utilização dos cartões fornecidos pela Recorrida para compras pessoais de quem os detinha, bastando atender ao teor dos extractos para chegar a tal conclusão.

Acresce à prova documental e às declarações de parte acima referidas, o depoimento da testemunha C..., nomeadamente as partes gravadas nos intervalos de tempo, entre o minuto 01:26:30 a 01:31:49, 01:37:25 a 01:42:14 e 02:01:29 a 02:11:28.

m)–Em pontos fundamentais a testemunha contradiz o que foi referido pelo legal representante da Requerida e, de uma posição de certeza absoluta inicial e tal como o legal representante da Recorrida, uma vez confrontada com um documento que não estava à espera, demonstrou nervosismo, confusão e claramente mudou a versão dos fatos conforme entendia ser mais conveniente à decisão da causa que lhe convinha.

n)–Sem dúvida que tanto o legal representante da Recorrida como a Testemunha C... vinham com uma versão dos factos bem certinha e totalmente coincidente com a decisão levada a cabo pelo Tribunal a quo relativamente aos factos ora em crise, contudo, o que transmitiram ao Tribunal a quo mais não foi de facto do que apenas uma versão dos factos, ainda por cima não coincidente com a verdade, como as gravações aqui em questão tão bem demonstram.

o)–Em face do acima referido, em momento algum poderia o Tribunal a quo com base nas declarações de parte e no depoimento acima referidos, ter fundamentado a prova dos factos vertidos nos pontos 11. e 12. da sentença ora em crise e a não prova do facto vertido na alínea a) , também desta última.

p)–Pelo que deverão V. Exas. Senhores Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, julgar inválida a sentença ora em crise, por manifesto erro no julgamento da matéria de facto a ela subjacente com relevância para a boa decisão da causa e, em conformidade, julgar não provados os factos vertidos nos pontos 11. e 12. da sentença ora em crise e como provado, a contrário, o facto vertido na sua alínea a), na parte em refere que o Recorrente estava autorizado a utilizar o cartão de crédito que lhe foi disponibilizado até ao respetivo limite imposto pelo plafond.

q)–Mais, como consequência do acima referido será de concluir pela total procedência da presente ação por manifesta falta de fundamento da amortização das ações do Recorrente, o que desde já se requer.

r)–Caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se coloca, sempre se terá de referir que mais uma vez errou de forma clamorosa o Tribunal a quo ao julgar o facto vertido no número 25. da sentença ora em crise...

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