Acórdão nº 603-06.0TBPTS-A.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução14 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–Relatório: A..., deduziu os presentes embargos à execução interposta por S... SA, peticionando a procedência dos mesmos e em consequência a extinção da instância executiva, com reconhecimento da excepção de prescrição, da ineptidão da petição inicial e, se assim não se entender, da inexistência de pacto de preenchimento, do preenchimento abusivo do titulo executivo e finalmente da nulidade do contrato. Mais peticiona que seja julgado que o valor em dívida seja o pagamento da diferença entre o valor do empréstimo, e o valor já pago, quer através das prestações efectuadas, quer da venda, com as legais consequências. Peticiona finalmente que se julgue improcedente e não provada a acção, e em consequência seja o Réu absolvido da instância.

Em síntese, alegou que foi citado em 2.7.2015, e que a acção executiva foi instaurada com base em livrança com vencimento em 14.7.2006; alegou ainda que o requerimento executivo é inepto, pois não indicou os factos em que se funda, designadamente o contrato, as condições e tipo de serviço prestado, não se depreendendo qual é a causa de pedir, nem o exequente juntou documento comprovativo do incumprimento ou de interpelação para pagamento; por outro lado, desconhece o embargante se foi firmado pacto de preenchimento, e caso exista afirma que existe preenchimento abusivo do mesmo. Porque a exequente é uma financeira, o contrato está submetido ao regime das cláusulas contratuais gerais, sendo que não foram explicadas as cláusulas ao réu nem lhe foi entregue cópia do contrato, devendo pois as cláusulas ter-se por excluídas e o contrato por nulo. Finalmente, não há vencimento antecipado de juros. Nega a existência de abuso de direito na invocação da nulidade, na medida em que o lapso de tempo necessário à formação da confiança na parte contrária no caso não existe, visto que a livrança foi emitida em 3.7.2006 e venceu-se em 24.7.2006. A nulidade do contrato importa na restituição de tudo o que foi prestado, devendo o autor restituir ao réu os juros estipulados para a remuneração do mútuo e o réu o dever de pagar ao autor o valor de capital mutuado e despesas, acrescido de juros civis à taxa de 4% desde a data da citação. Ainda por isto, o valor preenchido é muito superior ao devido, o que também importa preenchimento abusivo.

Admitida a oposição, foi a exequente notificada para contestar, o que fez, impugnando a matéria da oposição e pugnando pela sua improcedência. Pugnou pela improcedência da prescrição atenta a data de vencimento da livrança e a data da instauração da acção executiva, o que interrompeu a prescrição. Tendo sido apresentado como título executivo uma livrança, estava dispensada de alegar a relação material subjacente. A livrança dada à execução foi assinada em branco e que o embargante fez na qualidade de subscritor, com expressa aceitação do pacto de preenchimento, que também assinou. Para o efeito, alegou os termos do contrato celebrado e a garantia conferida, onde se insere a livrança, dada à execução.

Alegou ainda que foi paga apenas uma prestação e as seguintes foram incumpridas.

Nessa sequência remeteu cartas ao executado, para a morada indicada pelo mesmo, as quais não foram por ele recebidas.

À data do contrato o fornecedor do bem prestou todas as informações e esclarecimentos relativos ao contrato, o qual identifica. Não possui exclusividade com o mesmo, pelo que a escolha da exequente para o financiamento denota ter tomado conhecimento das cláusulas do contrato que assinou. Em todo o caso, refere que em 14.09.2005 remeteu a carta de boas vindas ao executado, com duplicado do contrato.

Concluiu que o executado sempre dispôs de um exemplar do contrato, nunca solicitou o seu reenvio nem protestou a sua falta. Alegou vários contactos com o executado. Pugnou pela comunicação das cláusulas e pela concordância do executado nas mesmas, pelo que não houve qualquer violação do dever de informação.

Acresce que o embargante não concretizou as cláusulas cujo conteúdo não percepcionou, em virtude de o mesmo não lhe ter sido cabalmente explicado, ao que o Tribunal não se pode substituir.

O executado beneficiou do veículo desde a data de celebração do contrato em 31.08.2005 a 13.06.2006, data em que procedeu à entrega do veículo. Este comportamento voluntário de entrega da viatura para redução do valor em dívida deve ser considerado, não sendo tolerável que agora alegue a nulidade por falta de entrega do exemplar.

Foi proferido despacho saneador, desde logo fixando à oposição o valor de €7.055,10, e julgando improcedentes as excepções de prescrição e de ineptidão alegadas. Foi fixado o objecto do litígio e identificados os temas da prova, estes sendo “Do contrato na base da livrança” e “Do preenchimento abusivo”.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e foi seguidamente proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de facto e de direito supra mencionados, decide-se julgar os presentes embargos improcedentes, por não provados e, em consequência, determino o prosseguimento da execução.

Custas pelo executado”.

Inconformado, o embargante interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: A.

–A Sentença a quo padece dum erro fundamental de incorreta subsunção dos factos ao Direito.

B.

–O recorrente não se conforma com a fundamentação da decisão da causa.

C.

–O tribunal a quo, considerou que devido a ausência de prova, não se conseguiu provar que o Autor entregou um exemplar ou o envio duma alegada carta de boas vindas.

D.

–Pelo que concluiu que o contrato de crédito ao consumo era nulo.

E.

–Nos termos do artigo 6.º e 7 do Decreto Lei n.º 359/91, de 21 de setembro.

F.

–Mas, considerou ainda o tribunal a quo, existir abuso de direito, pelo simples facto de o réu ter pago 1 das 36 prestações acordadas e por o veículo ter sido entregue, desconhecendo-se nos autos quem entregou a referida viatura, pois nenhum documento consta de tal facto.

G.

–Ora, um pagamento da prestação e a entrega do veículo, não impede a invocação da nulidade pelo réu, nem configura, só por si, abuso do direito (neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/09/2012, disponível em www.dgsi.pt).

H.

–Refere ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/10/2001, não fora a atuação da autora, incompatível com a ponderação e salvaguarda dos direitos dos réus consumidores, não poderiam estes invocar a nulidade do contrato.

I.

–Pelo que, sendo declarado nulo o contrato, tal facto determina as suas consequências.

J.

–Dispõem o artigo 289.º do Código Civil que a declaração de nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

K.

–As partes têm de ser repostas, nas situações anteriores a todo este processo negocial.

L.

–O réu deverá restituir à autora a importância mutuada (5.500€, deduzida a prestação paga (€197,82) e o valor da venda do veiculo (€1100), ou seja, a quantia de €4.202,18 (quatro mil duzentos e dois euros e dezoito cêntimos).

M.

–A esta quantia acresce juros de mora, à taxa legal de 4%, nos termos do artigo 559.º n.º 1 do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 8 de abril, a contar desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.

N.

–Pelo que considera o recorrente que o tribunal a quo ao ter considerado nulo o contrato, não deveria ter decidido pela verificação da exceção perentória do abuso do direito, na modalidade venire contra factum proprium, previsto nos termos do artigo 334.º do CC.

O.

–Assim, considerando os apontados vícios insanáveis da sentença recorrida, deverão (…) revogar a mesma, substituindo-a por outra que julgue nos termos da alínea L) das conclusões.

Contra-alegou a embargada, formulando a final as seguintes conclusões, que aqui transcrevemos na parte relevante: n)-Em face do ónus probatório, mas não o tendo conseguido demonstrar cabalmente e destarte, apesar de considerar nulo o contrato de crédito celebrado, o meritíssimo juiz a quo entendeu não se justificar, em concreto, a protecção atribuída ao consumidor enquanto parte mais fraca. Isto porque: ii)-Do abuso de direito reflectido na conduta do Recorrente: o)-A arguição da nulidade do contrato, com fundamento na violação do disposto no n.º 1 do art.º 6º do DL 359/91 de 21 de Setembro, constitui uma derradeira tentativa do Recorrente se eximir das obrigações assumidas e como tal nunca poderia ser atendida.

p)-O Recorrente reconhece e ficou demonstrado ter celebrado o contrato (31.º E.E.) e assinado a livrança (24.º E.E.) que serviu de título à execução.

q)-O ora Recorrente celebrou com a Recorrida o contrato de crédito, junto aos autos, a 31.08.2005, tendo o mesmo por finalidade a aquisição, por parte do Recorrente/mutuário, de um automóvel, de marca NISSAN, modelo Vanette Cargo Combi, com a matrícula 3...-...2-....

r)-Não ficou demonstrado, que quer durante, quer depois na sua vigência, o Recorrente tenha solicitado qualquer esclarecimento adicional quanto ao envio do exemplar do contrato, alegando que o mesmo não lhe tenha sido entregue e socorrendo-se da ausência de envio para justificar o eventual desconhecimento dos termos contratuais a que...

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