Acórdão nº 3586/12.3TAVFX. L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução19 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

Relatório: Por acórdão proferido no processo ...6/12.3TAVFX da Secção Criminal da Instância ... de Loures, Comarca de Lisboa Norte, a arguida PF... foi condenada, pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. c), e 22.º, todos do Código Penal, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

Inconformada com tal condenação veio a arguida recorrer da mesma, formulando as seguintes conclusões: “A: O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de Direito do Douto Acórdão proferido nos presentes autos, o qual condenou a recorrente em prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131°, 132°, n.°s 1 e 2, alínea c) e 22° do Código Penal, na pena de seis anos e seis meses de prisão efetiva.

B: Foram indevidamente dados como provados, com relevância para o presente recurso, os seguintes factos: 1."Aproveitando a ausência de LS..., a arguida decidiu pôr termo à vida de JG..." (facto provado 10).

  1. "E virou JG... na cama" (facto provado 12).

  2. "Depois, tapou a cara de JG... com uma almofada" (facto provado 13).

  3. "JG... debateu-se, tendo puxado a almofada, ao mesmo tempo que a arguida afirmava "está quieta"" (facto provado 14).

  4. "Acto contínuo, a arguida de modo que não foi possível concretamente apurar pressionou com força o pescoço de JG..." (facto provado 15).

  5. "Nesse momento, a arguida, dirigindo-se a LS..., afirmou que JG... estava a morrer pelo que "vamos despachar isto, para ela não estar a sofrer"" (facto provado 18).

  6. "LS... visualizou a arguida a virar o corpo da ofendida na cama, e a colocar algodão no interior da boca de JG..." (facto provado 19).

  7. "LS... retirou a bola de algodão que a arguida tinha colocado na boca da ofendida e conseguiu conduzi-la para o exterior do quarto" (facto provado 21).

  8. "No Hospital foi observado que JG... apresentava "dispeneia e dificuldade na deglutição" desde o dia anterior" (facto provado 23).

  9. "Como consequência directa e necessária dos factos praticados pela arguida, JG... sofreu lesões no pescoço, nariz e queixo, nomeadamente hematomas e arranhões" (facto provado 25).

  10. "A arguida agiu, da forma descrita, com o propósito de retirar a vida a JG..., o que só não logrou alcançar devido à intervenção de LS..., nos termos descritos em 21., sendo tal circunstância alheia à sua vontade" (facto provado 26).

  11. "Agiu a arguida voluntária e conscientemente, bem sabendo ser a sua descrita conduta proibida e punida por lei" (facto provado 27).

    C: Não se alcança como foi efectuada a convicção do Tribunal a quo pois, quer dos depoimentos das testemunhas, quer das próprias regras de experiência, resulta que, não houve qualquer intenção da arguida em retirar a vida a JG..., nem realizou quaisquer actos executórios de uma eventual tentativa de homicídio.

    D: Resulta do teor do acórdão que o tribunal a quo alicerçou a sua convicção na apreciação crítica e global de toda a prova documental produzida em julgamento, sendo crucial o depoimento da testemunha LS..., referindo que as testemunhas depuseram de modo sereno, claro e peremptório, revelando conhecimento dos factos que relatam, logrando desse modo obter a convicção do tribunal e que foi tomado em consideração o teor dos documentos de fls. 16 a 33, 59 a 84, 163 a 165.

    E: Os documentos constantes a Fls. 16 a 30 e 59 a 84, consistem na listagem de funcionários da casa de repouso e em informação relativa à situação laboral da arguida, pelo que não se reconhece qualquer utilidade para os mesmo, nesta sede de recurso.

    F: Os documentos de Fls. 32 e 33, e de Fls. 163 a 165, consistem em informação médica relativa à situação de internamento de JG... ocorrida na data seguinte à alegada prática dos factos pela arguida, que assumem particular importância, o primeiro porquanto refere que a utente foi admitida no serviço hospitalar em virtude de revelar quadro de prostração desde há três dias, com recusa alimentar, e o segundo porquanto refere que a utente se encontrava, aquando da admissão, muito prostrada, pouco colaborante, sem obedecer a ordens, eupneica, sem cianose e com as mucosas pálidas e desidratadas, sendo que o internamento teve como diagnósticos principal e de admissão a Diabetes, por descompensação com hiperglicemia, e como diagnósticos secundários a CA... (inflamação urinária da bexiga) e a Demência, inexistindo em ambos os documentos quaisquer referências a marcas de eventuais agressões ou maus tratos, tendo a deslocação aos serviços de urgência do Hospital de Vila Franca de Xira ocorrido exclusivamente por motivo de doença.

    G: Quanto à prova testemunhal, importa desde já referir que as testemunhas ER..., OV..., MH..., JN..., CS... e MG..., nada viram ou ouviram relativamente aos factos considerados como provados e imputados à arguida, apenas sabendo o que ouviram dizer a outras pessoas, designadamente à testemunha L...PatíciaS... e numa alegada gravação efectuada pela testemunha ER... de declarações da alegada vítima, JG....

    H: A testemunha L...PatríciaS... prestou depoimento no dia 16 de Junho de 2015, o qual foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Douto Tribunal a quo, com a duração de 29 minutos e 09 segundos, a partir das 15:29 horas, tendo referido, com relevância para a boa decisão da causa que, "eu não sei o que é que ela estava a querer fazer com ela" (minuto 09:01 do depoimento), "ela estava a querer dizer que ela estava a sofrer e vamos despachar para ela não estar a sofrer" (minuto 09:06), "eu para mim eu entendi que ela (...) eu acho que ela estava a querer que a mulher morresse mais depressa para sofrer menos" (minuto 09:16 do depoimento), referindo ainda que "ela se fez alguma coisa, eu não vi ela estar a fazer mal à JG..." (minuto 09:32 do depoimento), "eu não vi ela a fazer mais nada" (minuto 11:40).

    I: Ora, de todo o depoimento da testemunha, a única conclusão que se pode extrair é que a mesma nada presenciou e nada referiu que permita dar como provados os factos referidos sob os pontos 10 a 21 e 25 a 27 da matéria de facto provada considerada no Douto Acórdão/Sentença ora recorrido, tendo extraído conclusões de expressões proferidas pela arguida sem qualquer correspondência com aquilo que a mesma lhe disse, e entrando, por vezes, em contradição com o seu próprio depoimento e, outras, em situação de confusão ou de ausência de memória.

    J: A testemunha JN..., prestou depoimento no dia 23 de Junho de 2015, o qual foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Douto Tribunal a quo, com a duração de 13 minutos e 30 segundos, a partir das 11:01 horas, referindo que, na data da alegada prática dos factos, "depois, quando chegou, portanto, à minha vez, portanto, de estar com a senhora (...) falei com ela "JG... o que é que se passou?", falámos com ela e não sei quê e ela, ela começou a falar, a dizer o que é que tinha acontecido", "daí, depois, lembrámo-nos de gravar no telemóvel o que ela dizia" (minutos 04:59 e 05:14 do depoimento da testemunha) e que "depois fizemos a questão de (...) toda a semana fazer a mesma pergunta e ela era coerente naquilo que dizia, com a gravação" (minuto 09:30 do depoimento).

    M: Ou seja, a testemunha JN... afirma ter estado sempre na companhia da testemunha ER..., tendo ambas ouvido, em simultâneo, os relatos efectuados quer pela testemunha LS..., na data da alegada prática dos factos, quer pela ofendida JG..., porém as suas versões divergem em pontos essenciais, designadamente quanto ao momento em que visitaram a ofendida e gravaram as suas declarações, que não permitem dar como provados os factos descritos sob os pontos 10 a 15, 18 a 21 e 23 a 27 da Matéria de facto provada.

    N: A testemunha OV... prestou depoimento no dia 16 de Junho de 2015, o qual foi gravado através do sistema integrado de gravação disponível na aplicação informática em uso no Douto Tribunal a quo, com a duração de 22 minutos e 04 segundos, a partir das 17:00 horas, a qual, quando inquirida acerca de a ofendida lhe ter relatado os factos em causa nos Autos, refere "não não, não disse", esclarecendo "sim, perguntei, ela não me dizia nada" e que "falava muito pouco" (minutos 13:47, 14:14 e 21:03 do depoimento da testemunha).

    O: A testemunha MH... prestou depoimento no dia 23 de Junho de 2015, o qual foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Douto Tribunal a quo, com a duração de 50 minutos e 01 segundo, a partir das 10:47 horas, gerente da casa de repouso, refere apenas viu a ofendida quando a mesma regressou do hospital e que, naquele momento, a mesma se encontrava bem e não tinha quaisquer sinais exteriores de agressão (minutos 03:20, 03:28 e 03:37 do depoimento), não reconhecendo quaisquer indícios da prática dos factos, e referindo, quanto à motivação que terá determinado a não apresentação de queixa-crime pelo gerente da Casa de repouso da T..., "porque eu tinha sérias dúvidas neste caso em relação à ER..." (minuto 25:47 do depoimento), não tendo sido permitido pelo Tribunal a quo que a testemunha que concretizasse essas dúvidas, o que, decerto poderia ter motivado uma decisão diferente pelo Tribunal.

    P: A testemunha CS..., irmã da alegada ofendida, prestou depoimento no dia 23 de Junho de 2015, o qual foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Douto Tribunal a quo, com a duração de 7 minutos e 18 segundos, a partir das 11:09 horas, que visitou a irmão no hospital, quando indagada sobre se tinha visto vestígios de lesões na irmã, alguma marca no pescoço, ou se a irmã lhe teria reportado alguma situação, a testemunha afirma perentoriamente que "não", "não" e "não" (minutos 03:04, 03:07 e 03:23 do depoimento).

    Q...

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