Acórdão nº 64/07.6TASJM.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução12 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: 1.

Nos presentes autos com o NUIPC .../07.6TASJM, da Comarca de Lisboa - Instância ... – Secção Criminal – J..., em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido César R...

condenado, por sentença de 31/07/2015, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de fraude na obtenção de crédito, p. e p. pelo artigo 38º, nº 1, alínea a) e nº 2, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20/01, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 8,00 euros, no montante global de 800,00 euros.

Foi ainda o arguido/demandado condenado no pagamento ao demandante “IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, IP” da quantia de 60.964,64 euros, a título de indemnização, acrescida de juros de mora, à taxa de juro civil, contados desde a data de notificação do pedido ao demandado até efectivo e integral pagamento 2.

O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): A)O arguido, aqui recorrente (e outros) vinham acusados de um crime um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. no artigo 36º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, do DL 28/84 de 20.01; B)O Tribunal, antes de ler a sentença ora em crise, notificou os arguidos daquilo que designou por mera alteração da qualificação jurídica dos factos; C)Acontece que o que o Tribunal fez configura verdadeira alteração substancial dos factos constantes da acusação; D)Na medida em que, não se tendo dado como provado que aquilo que o IAPMEI havia concedido fosse um subsídio, tão pouco que o arguido o tivesse usado em proveito próprio, prejudicada fica a possibilidade de subsumir os factos dados como provados ao tipo legal de fraude na obtenção de empréstimo, até porque o empréstimo não foi – provou-se – concedido ao arguido nem este - provou-se também - o utilizou; E)Na verdade, toda a acusação vinha Suportada na questão de a Tutodona – e não ao arguido ter obtido um subsídio do IAPMEI de forma putativamente fraudulenta, para que, agora sim, o arguido César R..., “obter um valor de incentivo financeiro indevido que utilizaria em proveito próprio”.

F)Ora, tendo em conta que a defesa do arguido demonstrou que o incentivo concedido pelo IAPMEI à T... (e não ao arguido) não consubstanciava um subsidio, antes um empréstimo, cai por terra a alegada intenção de obtenção de incentivo financeiro indevido para utilização em proveito próprio nos termos em que está configurada na acusação; G)Mas, entretanto, balizada que estava a prova a produzir pelo que constava da acusação, foi prejudicada a defesa do arguido, que não pôde estender-se às circunstâncias que determinaram a concessão à T... daquilo que afinal era um empréstimo; H)O arguido, aqui recorrente, não pode suportar as consequências de uma deficiente investigação criminal, nem a douta sentença recorrida devia ter procurado, in extremis, suprir tais deficiências; I)A douta sentença recorrida ignorou factos, prosseguiu o julgamento com base numa acusação que não corresponde à realidade e de impôs pena manifestamente injusta, sendo, portanto, NULA, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. a) do CPP, o que aqui se deixa expressamente arguido; SEM CONCEDER, J)Por mera cautela e zelo de ofício, sempre se dirá que a douta sentença recorrida enferma também de manifesta contradição; K)Como bem cita a sentença recorrida, o tipo legal de crime é preenchido por quem obtenha o crédito e não foi ao arguido, antes a sociedade T... – que não vem acusada – quem obteve o financiamento; POR OUTRO LADO, E QUANTO AO PEDIDO CÍVEL, L)Não se vislumbra como é possível, depois de se qualificar o incentivo em causa como um mútuo, e alicerçando a condenação na responsabilidade civil, considerar que o dano é a atribuição de um montante superior àquele que seria atribuído não fosse a – putativa- atividade indicação de valor acima daquele que efetivamente despendeu com a aquisição de máquinas; M)Na verdade, como supra já se disse, quer a T... quer o arguido, enquanto garante desta que voluntariamente se constituiu, já se encontram obrigados ao reembolso da quantia mutuada; N)O dano – a ter existido, o que não se concede e apenas se concebe para explanar o raciocínio – não corresponde à diferença entre a quantia que deveria, na tese do Tribunal, ter sido mutuada relativamente àquela que foi; O)Pelo contrário, dano, na teoria da responsabilidade civil, é a reconstituição jurídica do statuo quo ante facto danoso e, quando esta não seja possível, na sua substituição por uma reparação em dinheiro; P)Não teve o IAPMEI nem tiveram os cofres do Estado, com a putativa atuação do arguido, qualquer prejuízo, pelo contrário tiveram nisso efetiva e concreta vantagem patrimonial, consubstanciada no maior juro – remuneratório – que assim puderam cobrar; Q)Em qualquer caso, o pedido cível é alicerçado na concessão e um putativo subsídio e não de um empréstimo; R)Face à alteração operada – independentemente de se considerar mera alteração da qualificação jurídica ou alteração substancial dos factos – a verdade é que a assistente teria que ter feito uso da possibilidade prevista no n.º 2 do artigo 81.º do CPP; S)E, não o tendo feito, devia o Tribunal ter remetido a questão cível para execução e sentença ou para os meios comuns, nos termos do n.º 1 ou do n.º 3 do artigo 82.º; T)Inexiste, portanto, dano e existe, isso sim, vício da contradição insanável da fundamentação, na medida em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente com a fundamentação da decisão, sindicável nos termos do art.º 410.º, n.º 2, al. b) do CPP) e fundamento do presente recurso; SEMPRE SEM CONCEDER, U)O procedimento criminal está prescrito, por aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 118.º do Código Penal, atendendo a que o artigo 38.º do DL 28/84 estabelece a moldura penal do crime em prisão até 3 anos e multa até 180 dias, e que o número 5 do citado artigo 118.º do Código Penal esclarece que na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes.”; V)É sabido que quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstrato de punição dessa mesma conduta. Depois, nos tipos privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos; W)É precisamente a esta luz que deve ser lido o número 5 do artigo 118.º, quando diz os elementos que pertençam ao tipo-base de crime, mas não aos tipos agravantes ou atenuantes. Não estamos, pois, no âmbito deste artigo, a falar de circunstâncias agravantes ou atenuantes – até porque estas não influem na moldura penal, abstrata, mas na medida da pena em concreto; X)Este número só se pode compreender com referência a tipos, abstratos, não a circunstâncias, concretas e o número 2 do artigo 38.º do DL 28/84 é, manifestamente, uma circunstância agravante, i.e., um tipo qualificado, pelo que a moldura legal do tipo-base se subsume na previsão do prazo de prescrição de cinco anos da alínea c) do n.º 1 do artigo 118.º do Código Penal; Y)Neste contexto, a fatura emitida pela sociedade representada pelos arguidos Avelino... e Carlos... foi emitida a 17 de Novembro de 2004, pelo que o alegado “acordo” criminoso seria sempre anterior, em pelo menos vários dias, o arguido foi constituído arguido a 07.07.2009 e, desde aí, não ocorreu qualquer outra circunstância interruptiva ou suspensiva do prazo de prescrição, pelo que fácil é de ver que o procedimento criminal se encontra prescrito; Z)O que se impetra seja declarado.

Nestes termos – e com o V. mui douto suprimento – extinguindo o procedimento criminal, por prescrição, ou, se assim não se entender, declarando a nulidade decorrente da violação do disposto no artigo 379º, nº 1, al. a) do CPP.

ou, ainda se entendendo, a nulidade decorrente da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, ou sempre, com esse fundamento, revogando, por ilegal, a, aliás, douta sentença recorrida, fará este alto Tribunal, como é dele apanágio, sã e serena Justiça! 3.

Respondeu o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo à motivação de recurso,pugnando pela manutenção da decisão revidenda.

  1. Resposta apresentou também o demandante civil “IAPMEI”, concluindo pela manutenção da decisão recorrida nos seus exactos termos.

  2. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

  3. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

  4. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II-FUNDAMENTAÇÃO.

  5. Âmbito do Recurso.

    O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

    No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Extinção do procedimento criminal por prescrição.

    Nulidade da sentença por alteração substancial dos factos descritos na acusação.

    Vício de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT